BRASÍLIA – O senador Mecias de Jesus (Republicanos/RR) apresentou emenda ao PLP 68/24, que trata da regulamentação da reforma tributária, na qual sugere a antecipação do regime monofásico para o etanol hidratado.
A ideia foi também acolhida por Izalci Lucas (PSDB/DF) na lista de contribuições subscritas pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), em documento divulgado na semana passada.
A entrada imediata do etanol hidratado no sistema monofásico (onde já estão a gasolina, o diesel e o GLP) é uma demanda antiga defendida pelo setor de combustíveis fósseis (as distribuidoras). O pleito mobiliza IBP, Brasilcom, Sindicom e outras entidades.
Vale destacar, via de regra, que a decisão de mexer ou não na tributação dos combustíveis em vigor antes e durante o período de transição estabelecido pela reforma (2026 a 2032) cabe ao relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Eduardo Braga (MDB/AM). Por enquanto, trata-se tão somente de uma sugestão.
O vespeiro
As operações envolvendo o etanol hidratado combustível (EHC) passam atualmente por duas etapas de recolhimento de ICMS.
O produtor (ou importador) paga o seu próprio imposto. Posteriormente, o distribuidor fica responsável pela substituição tributária (ICMS-ST), isto é, recolhe não só a sua respectiva parcela de ICMS, mas também o tributo referente ao posto revendedor.
A base de cálculo do ICMS-ST é o preço médio ponderado ao consumidor (PMPF), valor presumido de venda do produto na bomba em tabela publicada pelos estados a cada 15 dias.
É o referencial para aplicação da alíquota de ICMS, mas os valores variam de acordo com cada ente federado, sendo necessário fazer o ressarcimento da diferença entre a origem e o destino da mercadoria.
O principal argumento das distribuidoras é a tese de que, após a reforma do ICMS, à medida que o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigou os estados a cumprirem os termos da LCP 192/22, no ano passado, a sonegação e os crimes fiscais migraram do mercado de combustíveis fósseis (cuja operacionalização e fiscalização foram teoricamente simplificadas pela monofasia) para a comercialização do biocombustível oriundo da cana de açúcar.
O motivo: o complexo modelo de substituição tributária, sem o recolhimento efetivo executado em um elo único da cadeia.
A emenda apresentada pelo senador Mecias de Jesus sugere, por meio do texto do PLP 68/24, uma alteração em dispositivo da lei complementar 192/22, enquadrando o EHC no mesmo regramento válido para os combustíveis fósseis. Se isso ocorrer, os estados ainda teriam que formalizar a adequação a partir de um convênio publicado pelo Confaz.
De acordo com os termos atuais do PLP 68/24, a indústria do etanol hidratado só precisará aderir às regras do novo modelo fiscal (monofásico, com alíquota ad rem e uniforme em todo o país) ao fim do período de transição estabelecido pela reforma tributária na EC 132/23. Ou seja, a partir de 2033.
A situação é diferente para o etanol anidro, que já está na monofasia.
Duelo na bomba e de narrativas
Pela primeira vez, desde as discussões acerca da PEC 45/19 na Câmara, o pleito das distribuidoras – em favor da antecipação da monofasia para o EHC – encontrou guarida dentro do Congresso Nacional.
Antes, fortalecidos pelas pautas de interesse do agronegócio e pelo boom das discussões sobre transição energética, os agentes setoriais ligados ao biocombustível venceram todos os embates.
O triunfo mais significativo garantiu, por exemplo, o piso do diferencial tributário (em um cálculo que considera o recorte temporal e a variação do PMPF) que visa à garantia de um preço competitivo para os bicombustíveis “em sua forma pura”, dada a concorrência com os fósseis nos postos.
O diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), Mozart Rodrigues, afirma que, desde 2023, os agentes setoriais observam “um aumento exponencial no comércio irregular de etanol hidratado no Brasil”.
Isso seria explicado pelo fato de o biocombustível, ausente do modelo monofásico, ter se tornado “o elo mais fraco” em relação à fiscalização.
“É importante colocar: ele [etanol hidratado] é um elo fraco para fiscalização, porque ele não tem muitos ativos. Para você ser uma distribuidora, você não precisa ter muitos ativos, mas para você ser um produtor, precisa. É muito mais fácil você achar um produtor de etanol do que um distribuidor de etanol”, disse o executivo durante audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, em 25 de setembro.
Na mesma ocasião, o diretor jurídico da Brasilcom, Cláudio Araújo, declarou que, segundo o seu entendimento, a sonegação dentro do mercado de etanol deixou de ser um problema de ordem econômica, e tornou-se uma questão de “segurança pública”.
Na visão dele, o processo de adequação será “simples”. “Ele [ICMS] é todo pago no produtor. Na hora em que o distribuidor compra os produtos, a gasolina, o etanol, o diesel, na hora em que ele paga o boleto através do split payment, o dinheiro já vai para os cofres do governo sem risco de sonegação”, comentou.
E os usineiros?
Do outro lado, o tema da antecipação da monofasia gera mais dissensos do que consensos.
Há quem concorde, em parte, com a entrada imediata no novo modelo fiscal, desde que o direito ao creditamento pela aquisição de insumos seja preservado na figura do produtor (garantia que é dada pela reforma tributária, mas não pela LCP 192/22).
Esse é um dos pontos que têm sido objeto de negociação entre as partes, a fim de viabilizar a aprovação de eventual emenda ao PLP 68/24. As conversas, no entanto, estagnaram.
Já aqueles que rejeitam completamente a possibilidade de mudança utilizam o argumento de que o fluxo de caixa dos produtores (sobretudo usinas menores) seria fortemente impactado pelo recolhimento centralizado.
Esses agentes sugerem, na contramão da tese defendida pela indústria de fósseis, que a obrigatoriedade do pagamento seja destinado às distribuidoras (que têm maior volume de caixa), de modo a equilibrar a pressão tributária sobre a cadeia.