O governo do Amapá instituiu por ato declaratório, na semana passada, um novo corredor para entrada de derivados de petróleo com diferimento de ICMS e aplicação de crédito presumido.
A iniciativa, alvo de críticas dentro do setor, surge na contramão de decisões do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O colegiado vem tentando, desde abril de 2024, coibir a instalação de regimes especiais destinados à facilitação da importação de combustíveis.
Dessa vez, o corredor de entrada foi criado em favor da Refinaria de Manguinhos (Refit), com sede no Rio de Janeiro, e da paraibana Fair Energy.
As duas empresas não têm base no Amapá e, em razão do incentivo fiscal, poderão comprar no exterior nafta, óleo de petróleo parcialmente refinado e outros derivados com diferimento do ICMS-Importação.
A Secretaria Estadual de Fazenda ficará com 4% do tributo recolhido e concederá um crédito presumido de 8%, com o recolhimento incidindo no destino da mercadoria e nas etapas subsequentes da cadeia (a nafta pode ser transformada em gasolina e diesel), em um prazo de 60 dias.
É uma prática de guerra fiscal, que abre espaço para sonegação, alertam os agentes do setor.
A engrenagem é a mesma que, via de regra, foi reprimida pelo Confaz por meio dos convênios 20/24 e 21/24. Tais atos, no entanto, valem apenas para combustíveis – ou seja, não se aplicam à nafta.
Com os convênios, o colegiado buscou, há cerca de quatro meses, uniformizar procedimentos de cobrança do ICMS, incluindo a preservação de notas e documentos fiscais, revisar as regras do desembaraço aduaneiro.
Agora, o Confaz se reunirá novamente para decidir o que fazer com o novo corredor de importação criado pelo Amapá. O assunto já tem sido objeto de discussões internas, segundo apurou a agência eixos.
O perigo da nafta
A importação de nafta por meio de regime especial – em favor de empresas que não têm base no Amapá e vão receber a mercadoria em alto mar (desembaraço aduaneiro) – é ainda mais suscetível a crimes de ordem fiscal porque o derivado de petróleo segue o modelo plurifásico de recolhimento.
Diferente dos combustíveis, como a gasolina e o diesel, a nafta não está no rol dos produtos atingidos pela Lei Complementar 192, que instituiu o modelo monofásico (quando o recolhimento ocorre apenas uma vez durante a cadeia, isto é, inviabiliza a possibilidade de diferimento na maioria dos casos).
Ao postergar a obrigatoriedade de pagamento do imposto interestadual, com crédito presumido, para o destino da mercadoria, caberá às secretarias de Fazenda uma fiscalização mais rígida do produto endereçado ao consumo final. Nessa etapa, portanto, o recolhimento não será mais sobre a nafta, e sim sobre gasolina e diesel – que seguem modelo tributário específico.
Um agente do setor ouvido pela agência eixos afirmou entender que “todas as secretarias de Fazenda ficarão com as antenas em pé”, dada a gravidade do decreto amapaense.
O primeiro corredor
Na primeira tentativa de instalar um regime especial de importação, o Amapá se beneficiou por oito meses (entre agosto de 2023 e abril de 2024) com uma manobra que permitia o desembaraço em alto mar, principalmente de diesel russo. A medida fez com que os demais estados perdessem arrecadação e abriu uma crise federativa dentro do Comsefaz e do Confaz.
Dentro do grupo de empresas que se beneficiaram estavam agentes, conhecidos como devedores contumazes, envolvidos em outros tipos de infrações sob fiscalização da Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Pressionado, o próprio governo do Amapá decidiu revogar o decreto que possibilitou a entrada de cerca de 1 bilhão de litros de diesel russo no país com diferimento de ICMS. No total, mais de dez empresas foram descredenciadas.
No período, o prejuízo total estimado foi de R$ 1 bilhão, somente em impostos que incidem sobre o diesel A, de acordo com cálculos feitos pelo Instituto Combustível Legal (ICL).
Como funcionava
O esquema funcionava por meio de incentivos concedidos pelo governo do Amapá. As empresas habilitadas compravam principalmente diesel russo e, com nacionalização da carga durante o trajeto marítimo, deixavam de recolher os impostos que seriam de direito dos estados de destino.
Os navios sequer passavam pelo porto de Santana. Toda a carga era redirecionada, após o desembaraço, aos principais pontos de importação.
O ICMS-Importação era então diferido pela Secretaria de Fazenda do Amapá, possibilitando o pagamento em até 60 dias, com aplicação de crédito presumido de 8% na saída interestadual das mercadorias.
A obrigatoriedade de recolhimento do imposto ficava com as distribuidoras que compravam a carga após o desembaraço. Estas, no entanto, deixavam de pagar a substituição tributária no destino sob alegação de que o tributo interestadual já havia sido quitado.
Dentro do Comsefaz, o Amapá foi apontado por promover uma guerra fiscal, em desrespeito à lei que instituiu a monofasia para as operações com combustíveis. O estado lucrava cerca de R$ 3 milhões por empresa credenciada, em decorrência do diferimento do ICMS-Importação.