Em audiência da Comissão de Meio Ambiente (CMA) da Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (10/7), representantes do governo apontaram “dano irremediável” no projeto de lei (PL 2159/21) de novo licenciamento ambiental e um elevado risco de judicalização do tema.
Às vésperas da decisão final, prevista para a próxima semana do Plenário, entidades socioambientais encaminharam ofício ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos/PB), pedindo o adiamento da votação por, no mínimo, 90 dias.
O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco, elencou 40 pontos do projeto com necessidade de reparos. “
Temos vários dispositivos que vão precisar de correção para evitar o que seria um dano irremediável ao sistema de proteção ambiental.
Estamos trabalhando intensamente no governo, liderados pela Casa Civil e diretamente pelo ministro Rui Costa (PT), para que a gente possa ter algo que não seja tão impactante e tão danoso para o sistema ambiental brasileiro”, disse.
Entre os pontos de “extrema preocupação” no projeto de lei, Capobianco citou:
- riscos de enfraquecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama); desarticulação das políticas de ordenamento territorial;
- aplicação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), uma espécie de autolicenciamento, inclusive aos empreendimentos de médio potencial poluidor;
- e Licença Ambiental Específica (LAE), com licenciamento em única fase, acabando com o atual modelo de fase prévia e fase de instalação e operação, aplicável aos grandes empreendimentos.
O Ministério do Meio Ambiente também identifica fragilização do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e da Lei da Mata Atlântica, além da exclusão da consulta prévia aos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais nos processos de licenciamento que afetam seus territórios.
Judicialização
Em caso de transformação da proposta em lei, o Ibama, órgão licenciador federal, prevê elevada judicialização.
Atualmente, há 4.140 processos em curso em diversas áreas como transportes, mineração, linhas de transmissão, hidrelétricas e empreendimentos de petróleo e gás.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, alertou que o texto atual “não tem condições de ser corrigido em Plenário, porque a Câmara está no momento de discutir apenas as emendas do Senado.”
Segundo ele, o risco de judicialização é grande. “O licenciamento ambiental no Brasil é matéria constitucional.
Há processos de licenciamento tramitando em órgãos municipais, estaduais e no próprio Ibama e a gente não sabe o dia seguinte depois da aprovação de um projeto como esse”, disse.
A judicialização será inevitável também na visão de várias entidades socioambientais que participaram do debate. O presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Caio Magri, leu o ofício que está sendo encaminhado à cúpula da Câmara para adiar a votação do projeto por três meses e justificou o pedido.
“Impactos diretos sobre a proteção dos biomas e prevenção de desastres climáticos, colocando em risco os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”.
Clima
Ex-consultora legislativa e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo reforçou o pedido e lembrou a proximidade da COP30, a Conferência da ONU sobre Mudança Climática que o Brasil sediará em novembro.
“Pasmem, gente: em 2025, não tem uma menção à possibilidade de condicionantes climáticas no licenciamento ambiental. Nada, zero. A palavra clima não existe no texto”, criticou.
Organizadora do debate, a deputada Socorro Neri (PP/AC) também é favorável ao adiamento da votação. “Assumo o compromisso de também fazer chegar esse ofício ao presidente Hugo Motta, já que é mais do que legítimo e mais do que razoável debater com racionalidade para encontrar o melhor caminho”.
O debate ainda contou com a presença de representantes de órgãos ambientais dos estados e municípios. Para a Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anama), o projeto representa uma “pena de morte” na participação das prefeituras nos processos de licenciamento.
Já a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) entende que os estados respondem por 90% do total de licenciamento do país e precisam das normas gerais previstas no projeto de lei, mesmo com a necessidade de ajustes pontuais no texto.
Reportagem de José Carlos Oliveira. Edição Ana Chalub.