BRASÍLIA – Contrariando a articulação do setor de petróleo e gás natural, a Câmara dos Deputados aprovou a aplicação do imposto seletivo sobre a produção de óleo e gás, criando uma nova alíquota de até 1% na reforma tributária, com promulgação prevista para essa quarta (20/12).
De mãos dadas com frentes parlamentares ligadas ao setor de energia e mineração, a indústria tentou até a última hora derrubar a medida. Com 333 votos, apenas 26 além do necessário, o plenário rejeitou em segundo turno a derrubada da cobrança.
Ao mesmo tempo, a reforma marca a entrada do hidrogênio de baixo carbono no texto constitucional, equiparado no artigo que já beneficia biocombustíveis, como o etanol, e foi mantido pelos parlamentares.
Os detalhes – e boa parte deles – ficam pendentes para as leis complementares que serão entregues ao Congresso Nacional no início de 2024, segundo a previsão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Depois começa uma transição que terminará em dez anos.
A PEC manteve um regime tributário específico para os combustíveis e vai criar o cashback (uma devolução dos impostos) para consumidores de baixa renda na conta de luz e nas aquisições de gás liquefeito de petróleo (GLP), o gás de cozinha.
E, entre perdas e ganhos do setor de petróleo, o governo conseguiu derrubar uma nova tentativa de garantir, dessa vez no texto constitucional, a isenção de importações de combustíveis para a Zona Franca de Manaus.
No fim das contas, a aprovação histórica da reforma da reforma tributária se deu em menos de um ano de debates no Congresso Nacional – após trinta, de insatisfações com o modelo atual.
Hidrogênio verde vira de baixo carbono
Uma mudança costurada desde a primeira passagem na Câmara e que chegou ao relatório final diz respeito à delimitação do regime fiscal favorecido para produção de “hidrogênio de baixa emissão de carbono”.
No Senado, havia entrado o “hidrogênio verde”, a rota de produção por eletrólise da água, com energias renováveis. Apesar disso, não há até o momento o entendimento de que o sistema bicameral foi desrespeitado, sem prejuízos à promulgação da PEC.
Foi fruto da articulação de parlamentares do Nordeste, para estimular a promessa de desenvolvimento dessa nova cadeia industrial.
O primeiro projeto com financiamento externo, da União Europeia, foi fechado recentemente no Piauí. E mobiliza os estados com grandes complexos portuários industriais, como Pecém (CE) e Suape (PE).
Emendas e negociações foram feitas com os relatores por Mauro Benevides Filho (MDB/PE), na Câmara, e Augusta Brito (PT/CE), no Senado, por exemplo.
Redução de IVA justificou imposto na produção de petróleo
Nas concessões feitas para reduzir a lista de bens e serviços beneficiados com alíquota reduzida, a Câmara também decidiu excluir as operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica.
A lista dos setores privilegiados eleva a alíquota geral do imposto sobre valor agregado (IVA). O agronegócio sai como um dos mercados mais contemplados na reforma.
A oposição na Câmara, isolada no PL de Jair Bolsonaro e no partido Novo, até se mobilizou na tentativa de barrar o IS sobre a extração de óleo e minerais, criado no relatório do Senado Federal, por Eduardo Braga (MDB/AM).
O objetivo da medida é taxar o primeiro elo da cadeia da exploração de recursos não renováveis.
Com apoio do governo Lula, a alíquota na extração passou e foi mantido o teto de até 1% sobre o valor da produção.
Virou uma espécie de royalties, até porque eleva a arrecadação destinada a estados e municípios e independe da destinação, podendo ser aplicada mesmo na produção destinada à exportação.
Uma diretriz da reforma é desonerar os embarques de bens para o mercado externo, mas não será o caso do petróleo.
- Na versão final do relatório, o imposto seletivo, em geral, incidirá sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei complementar”.
- E, na extração, “será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% do valor de mercado do produto”.
“Temos um instrumento [com] o efeito de se diminuir a alíquota de referência porque vamos ter uma arrecadação importante. Isso baixa a alíquota do IVA, e essa receita é dividida com o nosso país. Fica com os brasileiros”, argumentou o relator na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP/PB).
Com o governo, defendeu que o novo imposto é uma medida distributiva. “Parte dessa riqueza será distribuída ao país como um todo”, disse o relator.
Arthur Lira (PP/AL) chegou a se referir ao seletivo sobre extração como “aquele que baixa a alíquota geral”.
No plenário, a oposição tentou argumentar que o IS na extração levará ao aumento dos preços dos combustíveis, sobretudo no caso do diesel, pressionando a inflação. Argumento do IBP, que representa as produtoras de petróleo no Brasil, incluindo a Petrobras.
“É uma tributação que vai afetar exatamente aquelas pessoas que mais precisam. O caminhoneiro, o gás de cozinha, o diesel. Encarecer o diesel vai encarecer os alimentos”, defendeu Bia Kicis (PL/DF), sem sucesso.
Outra derrota do setor foi na tentativa de blindar combustíveis fósseis da aplicação do imposto seletivo.
Na primeira aprovação, contudo, a Fazenda afirmou que a possibilidade de aplicar imposto – esse com alíquota específica, não sobre o valor da produção – não significará aumento da carga tributária.
“Não se pretende aumentar a tributação dos combustíveis na reforma tributária”, afirmou a pasta, em novembro, ao G1. O imposto seletivo cumpriria, assim, um papel de calibração da carga tributária, buscando os patamares vigentes.
Reginaldo Lopes (PT/MG) foi pela via ambiental. “O IS é importante nesse setor econômico porque estamos vivendo uma transição do modelo energético do país”, disse.
“Acabamos de sair da COP28 e temos toda uma pauta de transição. É fundamental que o país possa dar exemplo, limitando a 1%, mas ao mesmo tempo recompondo a sua arrecadação. De fato, no conjunto do cálculo que vamos definir a alíquota padrão, vai ter um peso importante”, conclui.
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