Tramita em regime de urgência, na Câmara dos Deputados, o PLP 136/23, de autoria do governo federal, que aborda a reposição de perdas decorrentes das mudanças do ICMS dos combustíveis (LCPs 192/22 e 194/22) durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, no ano passado.
Se aprovado, o PLP 136/23 também pode encaminhar a consolidação da reforma do imposto interestadual, que passou a ser monofásico, uniforme em todo o território nacional, e a ter alíquota fixa (ad rem) para a gasolina e o etanol anidro (desde junho de 2023), e o diesel e o GLP (desde maio).
A derrubada de alguns trechos da lei 192/22, como prevê a redação do PLP 136/23, tem gerado reclamações dentro do setor de combustíveis.
O texto do governo tem o objetivo de converter em projeto de lei complementar as cláusulas do acordo firmado celebrado no Supremo Tribunal Federal (STF) entre União, estados e municípios, com mediação do ministro Gilmar Mendes na ADPF 984, para repor o caixa das unidades federativas que perderam receitas em decorrência das LCPs 192/22 e 194/22. Serão pagos R$ 27 bilhões até 2025.
E é justamente a distribuição dos recursos um dos pontos que mobilizam articulações dentro da Câmara junto ao relator do PLP 136/23, Zeca Dirceu (PT/SP).
Além de fortalecer o caixa de estados e municípios de forma imediata, pois a medida prevê inicialmente repasses mensais, há o interesse eleitoral como pano de fundo. Os partidos já se movimentam para acertar os ponteiros para o pleito de 2024.
O assunto está no radar do centrão, que ajudou o governo, durante a sessão deliberativa de terça-feira (5/9), a aprovar o pedido de urgência.
Com o aval ao requerimento, o relatório que ainda será apresentado por Dirceu poderá ser apreciado diretamente no plenário da Casa, sem passar pelas comissões. A oposição tentou obstruir a votação, mas acabou derrotada por 305 votos a 89.
Mais dinheiro para prefeitos
Dos R$ 27 bilhões que a União terá que pagar aos entes subnacionais nos próximos três anos, 25% (R$ 6,75 bi) vão engordar o caixa dos prefeitos.
Estes ainda buscam negociar com o relator uma adequação dessa cota parte, isto é, a liberação de mais dinheiro para os municípios. Os secretários estaduais de Fazenda, por sua vez, enviaram ofício ao gabinete de Zeca Dirceu para pedir que o texto original do governo não seja alterado.
“Gostaríamos de aproveitar essa oportunidade para comunicar que o comitê analisou o teor inicial do projeto apresentado pelo Executivo e concluiu que este texto original traduz fielmente o acordo firmado perante o Supremo Tribunal Federal”, diz o ofício enviado pelo Comsefaz na sexta (1/9).
“Portanto, nos manifestamos favoravelmente à tramitação nos termos que ali o governo federal redigiu e apoiaremos a condução desse projeto”.
Preocupação do setor com modelo da alíquota
Entre os pontos acertados na pactuação mediada pelo STF estão a revogação de dispositivos da lei 192/22, a legitimação do Confaz como órgão responsável por deliberar sobre o ICMS, e a manutenção da essencialidade do diesel (frete e transporte público), do gás natural e do gás de cozinha (GLP) e energia elétrica. A situação da gasolina não foi alterada.
Por parte do setor, há o entendimento de que as inovações propostas pelo PLP 136/23, com o intuito de alterar a legislação aprovada no ano passado – fruto de um esforço eleitoral do então presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro –, poderiam abrir uma brecha para o retorno do modelo ad valorem (percentual de imposto sobre o preço médio dos combustíveis).
Isso porque, nos termos do acordo do STF, não se fala claramente na adoção de uma alíquota fixa, e sim na garantia da competência dos entes federados para que estes possam optar, por meio do Confaz, entre o ad rem ou o ad valorem, com base na legislação em vigor – ou seja, na lei complementar 192/22.
Com a revogação dos dispositivos da LCP 192/22, o setor entende, portanto, que os estados voltariam a ter possibilidade legal de escolher por conta própria aquilo que for mais conveniente a cada governo estadual, a depender de variáveis econômicas. Essa preocupação foi expressa em nota enviada pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) ao Ministério da Fazenda.
“Após análise de nossas áreas técnico-jurídicas, a compreensão é a de que há risco de retrocesso em aguardados avanços legais que promoveram maior simplificação tributária no ICMS que incide sobre os combustíveis. Tais arcabouços estruturais recentemente consolidados, ademais, deram concretude a preceitos constitucionais há muito pendentes de regulamentação”, diz a nota técnica do IBP.
Em nota, o Instituto Combustível Legal (ICL) também manifestou preocupação com as mudanças previstas pelo PLP 136/23.
Segundo a entidade, há risco para o combate às fraudes tributárias no mercado de combustíveis, facilitado pela cobrança no primeiro elo da cadeia e com um valor fixo por quantidade, bases do modelo monofásico ad rem.
“A alíquota ad valorem pode ser considerada um retrocesso diante da oscilação de preços da commodity no tributo, bem como se perderia a segurança do período de reajuste da alíquota, atualmente fixado em período semestral”, diz a nota.
O pleito do setor foi abraçado pela oposição na Câmara, e parlamentares têm argumentado que o artigo do PLP 136/23 que mexe na LCP 192/22 seria um jabuti – apesar da narrativa, os termos do acordo celebrado no STF indicam que a União e os estados concordaram com as mudanças e o reconhecimento da legitimidade do Confaz para deliberação sobre o ICMS.
“O que essa lei [LCP 192/22] diz? Essa lei estabilizou o ICMS. Lá na Paraíba, o governador cobrava 30%, e estamos pagando agora 17%. O que isso quer dizer, ao final? Que o governador vai aumentar o preço do combustível novamente através de ICMS. E vossas excelências vão ser enganadas de novo”, reclamou o deputado Cabo Gilberto (PL/PB), referindo-se à possibilidade de aprovação do PLP 136/23.
Próximos passos
Zeca Dirceu tem mantido conversas constantes com a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), a Confederação Nacional de Municípios (CNM) e a Associação Brasileira de Municípios (ABM).
Pelos termos originais do acordo firmado no STF, a compensação a ser paga pela União deve ser proporcional ao que cada unidade federativa perdeu de receita. Os depósitos devem ser mensais, no período entre 2023 e 2025.
Já houve sinalização por parte do parlamentar petista e de aliados do centrão, sob o mantra do “municipalismo”, de que a reivindicação dos prefeitos poderá ser contemplada no relatório.
O deputado Gilson Daniel (Podemos/ES) citou que mais da metade das prefeituras “estão no vermelho”, com base em dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Ele orientou voto favorável ao requerimento de urgência pelo bloco composto por MDB, PSD, Republicanos e Podemos.
“Esses municípios estão deixando de entregar políticas públicas importantes para o cidadão brasileiro.”