Crise orçamentária

ANP quebrada abre portas para o crime

Penúria da ANP compromete fiscalização de setor alvo do crime organizado

Força-tarefa integrada pela ANP com Procon e Inmetro para fiscalização em postos revendedores de combustíveis em Brasília-DF, em 15/3/2021 (Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Amostra de combustível colhida durante força-tarefa integrada pela ANP, Procon e Inmetro, para fiscalização em postos (Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil)

BRASÍLIA – As principais entidades do setor de combustíveis divulgaram nesta terça-feira (24/6) um manifesto conjunto cobrando a revisão imediata dos cortes orçamentários na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A agência é uma autarquia federal independente, sem orçamento vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME). Os cortes, bem como a provisão orçamentária, são uma decisão do Planejamento, em resposta à trajetória fiscal indicada pela Fazenda. O orçamento, diminuto, é uma decisão conjunto com o Congresso Nacional.

“Uma ANP enfraquecida fica limitada em ações essenciais, o que o histórico já mostrou, abre espaço para o aumento de riscos à segurança veicular, à integridade dos motores e à saúde pública, além de favorecer concorrência desleal e prejuízos à arrecadação tributária, sendo um atrativo para criminosos no setor de combustíveis”, dizem.

No documento, as associações lamentam a suspensão do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) em julho e a redução de recursos destinados à fiscalização, afirmando que as medidas fragilizam a agência justamente em um momento de escalada do mercado irregular.

Na última suspensão temporária, entre novembro e dezembro de 2024, as irregularidades chegaram a 40% em algumas regiões, segundo dados da própria ANP. “Sem o PMQC, a capacidade de identificar e combater fraudes fica comprometida”.

A falta de fiscalização eficaz, completam, transmite insegurança jurídica a investidores e operadores, prejudicando o ambiente de negócios e a credibilidade do mercado regulado.

O manifesto destaca que “investir na estrutura das agências é investir na proteção do consumidor, na segurança energética do país e na estabilidade do ambiente regulatório brasileiro”.

Assinam o manifesto: Abicom (importadores), Brasilcom, IBP, ICL e Sindicom (distribuidoras), SindTRR (transporte e revenda retalhista) e Fecombustíveis (varejo).

O Instituto Combustível Legal (ICL) estimou em 2024 que os crimes envolvendo combustíveis desfalcam os cofres públicos em R$ 29 bilhões cada ano, sendo metade por fraudes fiscais.

São elos da cadeia que nem sempre atuam juntos. A entrada em vigor de penalidades mais rigorosas pelo não cumprimento da mistura obrigatória de biodiesel no diesel e das metas de créditos de descarbonização (CBIOs) do RenovaBio foi o caso mais recente.

A aplicação das regras depende de regulamentação da ANP, em fase avançada de internalização das exigências para operação em conformidade com o Renovabio.

Enquanto a ANP vê seu orçamento ser sucessivamente cortado, ano após anos — e não é uma inovação do governo Lula (PT) — o Congresso Nacional ignora os apelos setoriais, seja pelo reforço do orçamento da agência ou de mudanças nas bases de financiamento.

O senador Laercio Oliveira (PP/SE) apresentou dois projetos de lei destinados a reforçar a autonomia financeira e administrativa das agências reguladoras, diante dos sucessivos cortes orçamentários: o PLP 73/2025, que limita o contingenciamento de despesas, e o PL 1374/2025, que amplia a autonomia administrativa das autarquias.

Nem sequer foram despachados pelo presidente Davi Alcolumbre (União/AP), ato necessário para início da tramitação nas comissões do Senado. Os textos foram elaborados em conjunto com o deputado Julio Lopes (PP/RJ), presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo desde março, após consultas às 11 agências reguladoras.

O congelamento de R$ 30 bilhões em despesas da União em maio aprofundou novamente a crise na agência. A medida reduziu a verba discricionária prevista de R$ 140,6 milhões para R$ 105,7 milhões no Projeto de Lei Orçamentária de 2025.

A ANP calcula que a cifra discricionária, corrigida pelo IPCA, despencou de R$ 749 milhões em 2013 para R$ 134 milhões em 2024 (– 82%), reflexo de contingenciamentos sucessivos. O novo bloqueio de R$ 35 milhões agrava esse histórico e pode levar à paralisação de outros serviços essenciais.

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