O Supremo Tribunal Federal esclareceu uma questão crucial para o setor energético. Os ministros decidiram que a incidência de ICMS sobre a Tarifa de Uso dos Sistemas de Distribuição (TUSD) em casos de mini e microgeração de energia não é uma matéria constitucional, mas sim infraconstitucional. O caso foi julgado, no dia 9 de janeiro, pelo Plenário do STF ao analisar o Recurso Extraordinário com Agravo 1.464.347.
O recurso, interposto pelo Estado do Mato Grosso, contestou um acórdão do Tribunal de Justiça que determinou a não incidência do ICMS sobre a TUSD na hipótese de mini e microgeração de energia. Segundo o TJMT, não ocorre comercialização de energia nesses casos. Logo, não há fato gerador para a cobrança do ICMS.
Para o TJMT, o consumidor com micro ou minigeração “injeta a energia ativa (energia produzida) no sistema de distribuição de energia elétrica, e, encerrado o ciclo de faturamento, é realizada a compensação entre a energia tive injetada no sistema de distribuição e a consumida pela unidade consumidora”. Em outros termos, para o tribunal, não seria possível identificar ato de mercancia capaz de gerar a incidência do ICMS.
Ainda, na ocasião, o TJMT destacou que o Tema 986 do Superior Tribunal de Justiça, que discute a inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS, não se aplica aos casos de mini e microgeração de energia solar.
O Estado do Mato Grosso sustentou, no entanto, que a Constituição Federal prevê a tributação de todas as operações de fornecimento de energia, sem distinções para mini e microgeração. Alegou que, como a energia consumida implica a utilização do sistema de transmissão ou de distribuição, haveria fato gerador de ICMS.
Ao apreciar o caso, o ministro relator Luís Roberto Barroso entendeu que o Recurso Extraordinário interposto pelo Estado do Mato Grosso não poderia sequer ser conhecido, considerando que a hipótese em questão envolveria “a interpretação de legislação infraconstitucional, em especial de Resolução Normativa da ANEEL”.
Em contrapartida, o ministro pontuou que o caso deveria ser afetado ao Plenário Virtual da Corte Suprema, considerando a repetitividade de processos sobre o tema: a ferramenta de inteligência artificial Vitor já teria identificado 37 recursos extraordinários abordando a incidência de ICMS sobre a TUSD nos casos de mini e microgeração de energia solar.
Acerca da matéria, para o relator, o caso ensejaria, principalmente, a interpretação da Resolução Normativa n. 1.059/2023 da Aneel, que revogou a antiga RN 482/2012. E, se existisse ofensa à Constituição, esta seria reflexa ou indireta.
Ainda, fora citado o tema 956 do STF, o qual reputou infraconstitucional e ausente de repercussão geral a controvérsia relativa à inclusão dos valores pagos a título de TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS incidente sobre a circulação de energia elétrica.
Com base nessas razões, o ministro manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso de agravo interposto, com a afirmação de ausência de repercussão geral da controvérsia por não se tratar de matéria constitucional. O voto de Barroso foi seguido, por unanimidade, sem manifestação do ministro Luiz Fux.
Embora a decisão do STF tenha transferido a análise dessa matéria para o STJ, é crucial observar como os tribunais estaduais estão lidando com casos similares. Uma análise da jurisprudência de tribunais como o de São Paulo e de Mato Grosso revela um entendimento convergente: a não incidência do ICMS sobre a TUSD em casos de mini e microgeração de energia, baseada na ausência de ato de mercancia.
De maneira breve, fez-se a análise da jurisprudência de alguns dos principais tribunais estaduais do país. Iniciando pelo Tribunal do Estado de São Paulo, em um caso julgado em 19 de dezembro de 2023 (Apelação Cível nº 1026030-07.2021.8.26.0071), a Corte deu parcial provimento ao recurso do impetrante do respectivo Mandado de Segurança para afastar a incidência do ICMS “sobre a compensação de energia solar injetada na rede”, por entender que inexistiria na hipótese operação comercial ou ato de mercancia.
Ponto interessante do referido julgado é a compreensão de que a “transferência de energia excedente pela unidade geradora” para a distribuidora “trata-se, em verdade, de ‘mútuo’, disciplinado no art. 586 do Código Civil e consistente no empréstimo de coisa fungível e consumível ao mutuário”. Para o TJSP, “a mutuária devolve a energia elétrica que foi transferida pelo micro gerador de energia elétrica, sendo que essa compensação de energia nada mais é do que a restituição daquela parcela de eletricidade emprestada pelo micro gerador”.
Não seria, portanto, essa operação “uma compra e venda de energia, mas sim, encerramento do contrato de mútuo”. No entender do referido tribunal, apenas “o que exceder do que foi transferido inicialmente pelo micro gerador é que caracteriza circulação de energia elétrica”. A incidência do ICMS sobre a TUSD somente poderia ocorrer nos casos de mini e microgeração “se a energia injetada for menor que a consumida, e somente sobre a diferença, pois fora do campo de compensação”.
No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso encontraram-se dois julgados (1000407-19.2022.8.11.0007 e 1013759-02.2021.8.11.0000), um deles com decisão oriunda da Turma Recursal e publicada em junho de 2023. No mesmo sentido que o TJSP, entendeu-se no referido caso pela inaplicabilidade do Tema n. 986 do STJ, o qual não abarcaria os casos de mini e microgeração, e, ainda, pela ausência de comercialização de energia capaz de fazer nascer o fato gerador do ICMS.
De mais a mais, nenhum julgado fora encontrado no âmbito dos seguintes tribunais: TJBA, TJMG, TJCE, TJPA, TJAM, TJAP, TJPR e TJSC.
Enquanto a questão da incidência do ICMS sobre a TUSD em mini e microgeração de energia transita agora e potencialmente para a arena jurídica do STJ, os tribunais estaduais continuarão a ser os protagonistas na aplicação prática dessas orientações.
As atuais decisões, antes analisadas, refletem uma abordagem pragmática e alinhada com a complexidade e especificidade do tema e sublinha a necessidade de uma visão holística e bem informada sobre a tributação no setor energético, considerando as peculiaridades da mini e microgeração.
Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.
Bianca Bez é advogada com ênfase em resolução de disputas, negociação e Direito das Energias no BBL Advogados.
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