BRASÍLIA — O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), Lucas Furtado, enviou nesta quarta-feira (3/12) um ofício ao presidente da corte, ministro Vital do Rêgo, solicitando a revogação imediata da cessão de Daniel Maia, servidor do TCU, à diretoria da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Conforme antecipado pelo eixos pro, serviço exclusivo para empresas da agência eixos, Furtado já havia entrado nesta terça (2/12) com uma representação contra a ANP e o diretor Daniel Maia questionando a atuação do regulador na fiscalização das operações do grupo Refit.
Os objetivos da representação são:
- apurar a atuação da ANP na proteção de interesses públicos e prevenção de prejuízos ao erário no setor de combustíveis, especialmente após a Operação Cadeia de Carbono;
- investigar possíveis conflitos de interesse de diretores da ANP, como Daniel Maia, por participação em eventos patrocinados por Ricardo Magro.
- e avaliar a eficácia regulatória e de fiscalização da ANP para proteger o interesse público e adotar medidas para regularizar a atuação da agência.
A Refit, de Ricardo Magro, é alvo central de operações da Receita Federal e Polícia Civil por fraudes bilionárias.
No ofício, Furtado questiona a imparcialidade de Maia devido à sua suposta proximidade com o empresário Ricardo Magro.
O subprocurador-geral do MPTCU cita, em sua representação, matéria da Revista Piauí que relata a participação de Daniel Maia em evento patrocinado pela Refit, em Nova York, em maio.
Além do diretor da ANP, políticos – como o próprio presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos/PB), o governado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e o ministro do TCU, Aroldo Cedraz, e seu filho, o advogado Tiago Cedraz, participaram do encontro.
Maia é concunhado de Tiago Cedraz, que atua a favor dos interesses de Magro, segundo a reportagem da Piauí.
‘Duplo prejuízo’
Daniel Maia é auditor federal de carreira do TCU e está cedido à agência reguladora.
Para o subprocurador, a manutenção de Maia na ANP gera um “duplo prejuízo à Administração Pública”:
- déficit no TCU: O Tribunal sofre com falta de pessoal para exercer o controle externo, enquanto um de seus quadros está fora;
- e risco na ANP: a atuação de Maia na agência estaria sob suspeita de não atender ao interesse público, mas sim a interesses privados de grupos econômicos investigados.
“A cessão de servidores deve ocorrer para o bem da Administração Pública (…) questiono se, no caso em tela, tal objetivo está sendo alcançado, considerando os indícios de conflitos de interesse e a paralisação de processos administrativos de alta relevância no âmbito da ANP”, argumenta Furtado.
A representação movida pelo MPTCU cita especificamente a participação do diretor da ANP em eventos patrocinados por Ricardo Magro.
O subprocurador destaca que essa proximidade pode comprometer a missão institucional da agência, especialmente no contexto de investigações federais em curso, como a Operação Cadeia de Carbono, que investiga fraudes no setor de combustíveis.
O grupo Refit foi alvo recente da Operação Poço de Lobato, que bloqueou R$ 10,2 bilhões em bens por suspeita de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro através de offshores.
No ofício, Lucas Furtado ressalta que o pedido de retorno de Daniel Maia ao TCU não se trata de uma “punição antecipada”, mas sim de uma medida discricionária e preventiva para “resguardar a integridade das funções públicas e a imagem do Tribunal”.
Caberá agora ao presidente do TCU, Ministro Vital do Rêgo, decidir se acata a sugestão e determina o retorno do servidor, o que na prática o removeria da diretoria da ANP.
ANP está rachada
Os diretores da ANP, Maia e Fernando Moura, suspenderam o julgamento dos pedidos de impedimento da Refit contra Pietro Mendes e Symone Araújo, paralisando o processo de interdição há quase trinta dias.
Ainda não há data certa para o retorno à pauta, o que pode ocorrer após a reunião marcada para o dia 8/12.
As áreas técnicas, notadamente a Superintendência de Produção de Combustíveis (SPC), recuaram de exigências para a desinterdição, autorizando a operação de Manguinhos como formuladora – o que contraria a própria regulação da agência, que veda a operação de refinarias como formuladoras exclusivas.
O caso já se arrasta há mais de dois meses, desde a Operação Cadeia de Carbono, em setembro.
A Operação Poço de Lobato abriu, então, outro flanco, mirando a rede de empresas coligadas ao grupo, ativos no exterior e os braços financeiros.
Maia aponta limites na atuação da ANP
No Senado, ao participar de seminário promovido pela Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia, Maia defendeu nesta terça (2/12) que há limitações na atuação da agência diante de fraudes tributárias.
“Aquela empresa é devedora contumaz, por que a agência não faz nada? É devedor ao fisco e o fisco está me dizendo que tem regularidade fiscal. Como eu irei fazer o papel que não é meu? Mas eu tenho informações que podem auxiliar o fisco a entender melhor as operações comerciais que eu regulo e quem sabe o fisco sim adotar medidas”, disse o diretor, sem citar diretamente a Refit.
“Se [uma empresa] deve 1 real ou 10 bilhões de reais ao fisco, cabe ao fisco tomar as providências e eventualmente não emitir a regularidade fiscal. Essa é a fronteira entre a nossa atuação e a atuação fiscal”, afirmou o diretor.
A diretora Symone Araújo, que também participou do evento, concordou:
“É o nosso lugar combater fraudes tributárias quando a nossa regulação possa estar dando alguma brecha para que algum agente por meio de mecanismos espúrios esteja lançando mão, por exemplo, de vantagens tributárias indevidas para concorrer de maneira desleal no mercado de combustíveis”.
Daniel Maia rebate
Em nota, o diretor Daniel Maia se posicionou sobre sua participação no evento patrocinado por Magro e sobre sua atuação no caso, na diretoria da ANP.
Leia a seguir, na íntegra:
“A atuação do Excelentíssimo Senhor Subprocurador-Geral do Ministério Público junto ao TCU é louvável frente as suas atribuições Constitucionais.
Em relação especificamente a minha conduta nas circunstâncias apresentadas na matéria jornalística que ampara a Representação, tenho a informar o que se segue:
A minha participação no evento Veja Insights em Nova York teve origem em convite formal oriundo direta e exclusivamente da Revista Veja.
Todas as despesas de deslocamento (passagens aéreas) e custos para alimentação e hospedagem (diárias nos termos da legislação federal) foram custeadas direta e exclusivamente pela ANP, conforme publicações no Diário Oficial da União.
No período de afastamento, participei ainda do evento GRI BRAZIL Infra Summit 2025, também à convite da organização do evento e, igualmente, com as despesas custeadas pela ANP.
A minha participação nos eventos mencionados está em conformidade com as normas federais. Inclusive, conforme amplamente divulgado nas redes sociais e site da ANP, faz parte das atribuições e rotina de qualquer Diretor a representação institucional da ANP em diversas visitas, eventos e fóruns no Brasil e no Mundo, muitos deles não apenas patrocidados por agentes regulados pela ANP mas efetivamente organizados e conduzidos por esses agentes.
Quanto ao pedido de vistas que formulei (cujo prazo regulamentar é de 30 dias, vencendo em 6/12/2025) no âmbito de arguição de suspeição e de impedimento de Diretores da ANP para atuarem em recurso interposto pela Refit contra interdição cautelar adotada pela ANP, é importante destacar que ele não suspendeu a interdição cautelar da Refit, que segue com as suas atividades de refino interditadas.
Além disso, a cautelar de interdição, em pleno vigor, não trata de antecipação de sanção (suspensão nem revogação). As eventuais sanções aplicadas à Refit são tratadas no âmbito de processo sancionador e, eventual sanção de suspensão (até 30 dias) ou revogação dependerá ainda da configuração de reincidências, conforme legislação aplicável.
Dessa forma, estando a empresa interditada cautelarmente e não tendo o processo por objeto “cancelamento de licença”, o pedido de vistas que formulei não afeta os objetivos almejados pela fiscalização da ANP, apenas tem o objeto de possibilitar análise mais aprofundada sobre as alegações objeto da arguição à luz da tramitação do próprio processo”
