BRASÍLIA — Ao serem derrotados mais uma vez no Congresso Nacional, entidades que representam consumidores industriais de energia cogitam recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de salvação contra as emendas penduradas na lei que levou à privatização da Eletrobras.
O novo capítulo ocorreu nesta terça (17/6), quando à revelia de uma costura que vinha sendo feita pelo Ministério de Minas e Energia (MME), o Congresso Nacional derrubou oito vetos na lei inicialmente proposta para ser um marco para construção de eólicas offshore.
Após a derrota, a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) afirmou que a proposta era adiar todos os vetos e enviar uma medida provisória. Sem acordo com os parlamentares, aceitou a derrubada das emendas que dizem respeito ao Proinfa (contratação subsidiada de energia eólica, a partir de biomessa e PCHs, por mais 20 anos).
“Fomos surpreendidos com a inclusão, de última hora, de outros dispositivos, como PCHs, eólicas no RS, usina a hidrogênio no NE e relicitação de térmicas”, diz a pasta comandada por Gleisi Hoffmann (PT).
A liderança no Congresso Nacional é de responsabilidade de Randolfe Rodrigues (PT/AP), aliado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP).
O governo pretende enviar uma nova MP de toda forma, para “revisar esses pontos, de forma a garantir menor impacto sobre o preço da energia aos consumidores”.
“Foi nesse contexto que o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, encaminhou a favor da derrubada dos vetos, e nossa base votou com essa orientação, mesmo sendo contra os dispositivos. A MP deverá seguir ao Congresso na próxima semana”.
Emendas alteram lei da privatização da Eletrobras
Todas as emendas do PL das eólicas offshore em disputa alteram a lei 14.182, de julho de 2021, aprovada a partir da MP 1031, editada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) para privatizar a Eletrobras, o que acabou ocorrendo em 2022. A liquidação do controle da ex-estatal virou a grande barca de ‘jabutis’ do setor elétrico desde então.
Duas ações estão paradas no STF sob relatoria de Nunes Marques, ministro indicado por Bolsonaro, desde maio de 2023 e julho de 2024. O último fato concreto é de 2021, quando o ex-PGR, Augusto Aras, questionou o rito processual e, no mérito, opinou “pela improcedência do pedido”.
As ações vieram de um agregado de partidos: Psol, PCdoB, PDT, Podemos, PSB, Psol, PT e Rede.
Está tudo nas iniciais: não havia urgência na privatização que justificasse MP, o Congresso Nacional violou o poder de veto do presidente da república, a privatização da Eletrobras foi sancionada às custas de um emaranhado de ‘matérias estranhas’, ou os jabutis, violando princípios constitucionais do Legislativo, entre outras.
“Essa mesma lei altera a matriz energética brasileira sem qualquer embasamento técnico, causando insegurança e risco para o desenvolvimento e a eficiência do setor elétrico, já sendo vislumbrada por especialistas um aumento na tarifa de energia a ser imposto aos consumidores”, dizem os partidos de esquerda.
A violação do poder de veto se dá pelo § 1º, do art. 1º da lei 14.182/2021, com suas 677 palavras para privatizar a Eletrobras, mas também contratar térmicas, PCHs e prorrogar os contratos do Proinfa por 20 anos. Se divididos em artigos, parágrafos e alíneas, dariam mais de uma dúzia. Foi feito de forma proposital para blindar o texto de vetos.
O governo Lula também abriu mão de enfrentar a inconstitucionalidade da lei, tendo feito um acordo mediado no STF em torno do poder de voto da companhia, agora privada, sem entrar em demais questões.
Tampouco propôs alteração nas medidas vigentes desde 2021 que começaram a ser alteradas na terça (17/6), na derrubada dos vetos. Ao cabo, foi essa barca de jabutis da privatização que a lei das eólicas offshore alterou.
“A FNCE avalia possível ação junto ao STF, o que põe em xeque a segurança jurídica do marco regulatório recém aprovado”, informou a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE).
“Já é estranho que o marco legal das eólicas offshore tenha artigos determinando a contratação de térmicas a gás e subsídios para carvão, PCHs, plantas de hidrogênio, entre outras fontes que não estão no mar nem são à base de vento”, diz o grupo que congrega representações da sociedade civil e industriais.
Segundo os cálculos da entidade, os artigos que tiveram vetos derrubados representam R$ 197 bilhões extras na conta de luz pelos próximos 25 anos, um aumento de 3,5%.
O governo ventilou números mais superlativos, acima dos R$ 300 bilhões. Nada suficiente para comover o Congresso Nacional, onde sua base aliada fechou o acordo para derrubar parte dos vetos.
Entre os dispositivos aprovados estão a contratação compulsória de 4,9 GW de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e usinas termelétricas, além da extensão de contratos do Proinfa.
A Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace) também se manifestou contra os artigos aprovados pelo Congresso e defendeu que a sociedade civil se mobilize para que os demais vetos do projeto sejam mantidos.
“Lamentamos que um país com o potencial como o Brasil continue desperdiçando oportunidades, encarecendo e sujando sua energia, que poderia ser o grande vetor de transformação em um país mais próspero e menos desigual, capaz de descarbonizar sua produção industrial e usar a transição energética para competir globalmente com produtos verdes e competitivos”, disse.
Para a Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), a derrubada dos vetos consiste em “uma penalização injusta, especialmente para os brasileiros mais vulneráveis, que já arcam com uma conta de luz pressionada por subsídios e encargos setoriais”.
A entidade entende que a articulação que culminou na votação é “preocupante” e mostra que interesses políticos e setoriais têm se sobressaído ao interesse público.
“Em vez de um debate técnico, voltado ao impacto real dessas medidas na economia e no bolso do cidadão, parte do Congresso optou por um gesto político de oposição ao governo federal — ainda que isso implique impor mais custos à população”.