Opinião

ADI 7324 e os impactos do julgamento realizado pela Suprema Corte

Decisão afastou risco imediato de aumento tarifário, mas expôs sinais de insegurança jurídica no contencioso tributário, escrevem Bruna Luppi, Fernanda Rizzo e Thadeu Matsukura

Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, em 14 de agosto de 2025 (Foto Gustavo Moreno/STF)
Plenário do STF valida a devolução de valores indevidos cobrados na conta de luz, na sessão de 14 de agosto de 2025 (Foto Gustavo Moreno/STF)

Em sessão de julgamento realizada no dia 14 de agosto de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a Lei nº 14.385/2022. A norma autoriza a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a definir como as distribuidoras devem devolver aos cidadãos os valores de PIS/Cofins pagos a mais, decorrentes da indevida inclusão do ICMS em sua base de cálculo, a chamada “Tese do Século”, nas contas de luz. 

O ponto central da controvérsia, agora selado pelo STF, foi o prazo prescricional para a restituição dos valores. A Corte definiu o prazo de dez anos (decenal), conforme o artigo 205 do Código Civil.

Acontece que, antecipando-se a uma definição judicial, muitas distribuidoras já haviam iniciado a devolução dos créditos por meio de descontos nas tarifas, considerando períodos pretéritos aos dez anos em muitos casos.

Justamente por isso, com a fixação do prazo decenal, esperava-se que uma parte dos valores já restituídos aos consumidores por meio de descontos viesse a ter que ser devolvido às distribuidoras.

Nesse cenário, portanto, a consequência poderia ser de que as distribuidoras tivessem reconhecido o direito de reaver eventual diferença dos valores, por meio de repasse de custos para as futuras faturas de energia elétrica.

Nesse particular, segundo projeções realizadas antes do julgamento pela Diretoria Jurídica da Abrace Energia, associação que representa grandes consumidores, os brasileiros poderiam experimentar um aumento médio de 5% a 8,2% em suas contas de energia.

Se a decisão tivesse fixado um prazo de cinco anos (quinquenal), o cenário seria ainda mais drástico, com reajustes que poderiam chegar a 20,2%.  No fim, uma ação destinada a corrigir uma cobrança indevida, poderia, em termos práticos, resultar em um aumento tarifário para todos.

Felizmente, no final do julgamento esse problema parece ter sido resolvido. O Tribunal decidiu que o recebimento de boa-fé a maior pelo usuário consumidor não será objeto de repetição, o que impediria, portanto, esse aumento substancial nas contas de luz para corrigir os pagamentos fora do prazo.

Contudo, somente saberemos se eventual aumento nas contas de luz estará, de fato, mitigado, com a disponibilização completa do acórdão do julgamento, ainda pendente de publicação pela Corte Constitucional.

Mas para além das consequências práticas, a percepção é que o julgamento da ADI 7324 revela impactos sobre o futuro do contencioso tributário do país.

Durante o julgamento, alguns ministros manifestaram descontentamento com os complexos imbróglios processuais e tributários que a vitória original dos contribuintes no Tema 69 (a “Tese do Século”) acarretou.

Essa percepção de “cansaço” da Corte com os efeitos de suas próprias decisões pode prenunciar uma postura mais restritiva em julgamentos futuros em matéria tributária.

Temas de grande relevância, como a exclusão do ISS da base do PIS/Cofins (Tema 118), correm o risco de ter um desfecho desfavorável aos contribuintes, guiado mais pela preocupação com o impacto sistêmico do que pela legalidade da tese jurídica.

Ademais, os comentários dos ministros revelam um perigoso desincentivo e cenário de incerteza.

Afinal a Suprema Corte, responsável por guardar a Constituição Federal, bem como os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, a exemplo do princípio da segurança jurídica, não tem convicção de que a solução adotada no Tema Tributário (“Tese do Século”) mais relevante dos últimos anos foi, de fato, correta.  

Esse cenário de incerteza é ainda mais agravado considerando a proximidade do início do período de transição da Reforma Tributária, em que não se descarta a possibilidade do IBS e da CBS serem incluídos nas bases de cálculo do ICMS e do ISS.

Se, de fato, isso ocorrer, não haverá a certeza de como a Suprema Corte irá se pronunciar, caso os contribuintes levem tal discussão ao Poder Judiciário. Afinal, como dito, há um sentimento de “arrependimento” por parte de alguns ministros com relação à solução adotada na Tese do Século.

A despeito de somente conhecermos o verdadeiro impacto da decisão da ADI 7324 após a divulgação integral do acórdão, as discussões travadas e ponderações apresentadas no julgamento transcendem a conta de luz, lançando mais uma sombra de incertezas no sistema tributário nacional

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.


Bruna Luppi (Foto Divulgação Vieira Rezende Advogados)
Bruna Luppi
Fernanda Rizzo Paes de Almeida (Foto Divulgação Vieira Rezende Advogados)
Fernanda Rizzo
Thadeu Schiesari Matsukura (Foto Divulgação Vieira Rezende Advogados)
Thadeu Matsukura

Bruna Luppi, Fernanda Rizzo e Thadeu Matsukura são, respectivamente, sócia e associados da área Tributária & Aduaneira do Vieira Rezende Advogados.

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