BRASÍLIA — O diretor de Combustíveis Derivados de Petróleo do Ministério de Minas e Energia (MME), Renato Dutra, apontou um conjunto de oito ilícitos que geralmente são praticados por devedores contumazes no setor de combustíveis.
O PLP 164/2022, que cria critérios para identificar e punir os chamados devedores contumazes, é objeto de discussão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado nesta terça (1º/4).
Segundo Dutra, o problema da contumácia não vem sozinho. E dos oito ilícitos principais, os agentes que adotam o endividamento reiterado de tributos costumam praticar um ou mais, em conjunto.
São eles: a lavagem de dinheiro; as fraudes metrológicas (no volume); a venda fora das especificações (em geral alterando a mistura de biocombustíveis); o uso de sócios ocultos ou laranjas; o roubo de carga e a sonegação fiscal. Também usam do artifício das empresas “barrigas de aluguel”, prática na qual acumulam dívidas e depois se desfazem daquele CNPJ, criando um novo.
“Esse mercado teve uma arrecadação recorde em 2024. Foram R$ 105 bilhões em tributos federais e cerca de R$ 116 bilhões em tributos estaduais”, disse.
“Essa composição de preços demonstra, para a gasolina, diesel e GLP, oportunidades que se encontram em cada um desses componentes para quem pratica ilicitude, seja na operação logística, a sonegação do tributo federal e estadual. A adoção de práticas que atacam esses componentes superam margens de agentes que trabalham na licitude e fazem o crime valer a pena”, disse Dutra.
Diferença entre inadimplência e contumácia
O representante da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Gustavo Henrique Formolo, explicou que, para enquadrar como devedor contumaz, a dívida deve ser reiterada, substancial e injustificada.
A dívida reiterada é aquela em situação irregular em período igual ou superior a um ano. Uma dívida que está parcelada ou tenha garantias, por exemplo, não é considerada irregular. Para ser enquadrado como contumaz, os débitos precisam somar R$ 15 milhões ou mais e não haver uma justificativa.
“Esse conceito de inadimplemento injustificado nos permite separar o joio do trigo. Imagine um devedor que está numa situação como a que afetou o Rio Grande do Sul, ele não vai ser devedor contumaz, por mais que a dívida esteja em situação irregular há mais de um ano”, disse.
Formolo apontou como uma das vantagens do projeto a uniformização nacional de regras e o estabelecimento de critérios objetivos. Outro ponto positivo, segundo o representante da PGFN, são as diretrizes para o devido processo legal, com direito a ampla defesa, contraditório e soluções, ainda que seja considerado devedor contumaz.
“O PL vai trazer o devedor contumaz como aquele que utiliza do inadimplemento como estratégia de negócio, ou seja, ele quer dever para que ele possa concorrer deslealmente com seus pares e que deve de forma dolosa. Não é aquele que tem uma dívida e não pode arcar com ela”, explicou.
Conforme os números apresentados por Formolo, 92,2% das empresas não têm débitos perante a Fazenda Nacional. Os grandes devedores (que devem R$ 15 milhões ou mais) representam 0,4% dos inscritos na dívida ativa, mas respondem por 71% do montante devido. Apenas 0,095% das pessoas inscritas na dívida ativa seriam alcançados pelo PL.
Penalidades
O PLP 164/2022 tramita em conjunto com o PLS 284/201 ambos sob a relatoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB), que também preside a Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia. No parecer apresentado em meados de março, Veneziano manteve de pé as propostas para endurecer as penalidades que poderão ser aplicadas pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O texto amplia a competência da agência no combate às fraudes fiscais.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pediu acesso aos dados fiscais dos devedores, pleito que também foi feito pela diretoria da ANP.
De acordo com a proposta, a ANP poderá, se provocada pelas fazendas públicas ou por iniciativa própria, fiscalizar o atendimento a critérios como a regularidade das empresas nas fazendas federal, estaduais e municipais, e perante a Justiça do Trabalho, e rejeitar pedidos de autorização nos casos em que o agente estiver relacionado com um devedor contumaz.
Além disso, o relatório estabelece que, nas atividades de fiscalização, a agência poderá, como medida cautelar, interditar total ou parcialmente as instalações e equipamentos utilizados no exercício da atividade outorgada, caso não seja comprovada a regularidade fiscal ou trabalhista.
Prioridade do Ministério da Fazenda
A tipificação do devedor contumaz é uma das agendas prioritárias do Ministério da Fazenda, apresentada pelo ministro Fernando Haddad (PT) aos novos presidentes da Câmara e do Senado Federal, Hugo Motta (Republicanos/PB) e Davi Alcolumbre (União/AP), respectivamente.
Duas iniciativas, contudo, fracassaram em 2024: um acordo da Fazenda com o deputado federal Danilo Forte (União/CE) para um texto apresentado na Câmara; e a tentativa de incluir medidas em um projeto do Senado, que está com Efraim Filho (União/PB).
Diferentes das duas iniciativas, o parecer de Vital do Rêgo inclui um capítulo dedicado à indústria de petróleo, gás natural e biocombustíveis, com alterações na Lei do Petróleo e na Lei de Penalidades que rege a ANP.