VITÓRIA — A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) iniciou um processo interno para requisitar de volta os quadros da agência espalhados por órgãos federais — entre eles, o Ministério de Minas e Energia (MME).
Trata-se uma mudança na regras para cessão, restringindo a possibilidade apenas para a ocupação de cargos de maior nível hierárquico, o que na prática isentaria do retorno os servidores em cargos de direção e secretariado.
ANP, contudo, decidiu propor uma minuta para receber comentários dos servidores antes de baixar a nova norma. A definição está marcada para amanhã (15/8).
A partir da publicação desta matéria, o diretor Daniel Maia afirmou à agência eixos que a iniciativa não visa a retomar os quadros, mas reduzir o volume de cessões:
“Informo que, de minha parte, a iniciativa não visa ‘chamar os quadros da ANP de volta’, mas melhor equilibrar os interesses institucional e pessoal em novas cessões, levando-se em conta o contexto da ANP apresentado na própria matéria.”
A União Nacional dos Servidores de Carreira das Agências Reguladoras Federais (UnaReg) acusa a diretoria da ANP de falta de transparência no acesso aos fundamentos da proposta, além de um prazo curto para a consulta, aberta por cinco dias.
O MME está repleto de quadros da ANP em posições-chave da área de óleo e gás, em um total de nove servidores cedidos. Muitos não querem voltar, segundo relatos feitos à agência eixos e buscaram apoio da UnaReg.
De acordo com o relatório de gestão de 2024 da agência, ao todo, 55 servidores estavam em exercício em outro órgão. Destes, 41 na condição de cedidos, o que representa 4,6% do quadro efetivo. A nova regra determina que o limite máximo seja de 2%.
A minuta estabelece que os servidores cedidos serão notificados sobre a mudança nas regras. No caso de servidores que ocupam cargos abaixo do nível DAS-5, a Superintendência de Gestão de Pessoas apresentará uma proposta de manutenção ou revogação da cessão à Diretoria Colegiada.
Mulheres perderiam cargos de maior remuneração
Pelo critério hierárquico, escapam o secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Pietro Mendes; e os diretores Marcello Weydt (Gás Natural), Renato Dutra (Combustíveis Derivados do Petróleo) e Carlos Agenor Cabral (Política de Exploração e Produção).
Diferente, por exemplo, das coordenadoras Danielle Lanchares Ornelas (Refino e Infraestrutura), Lorena Mendes de Souza (Biodiesel e outros Biocombustíveis) e Rafaela Guerrante Siqueira (RenovaBio e Politicas de Descarbonização).
Há também servidores da ANP na Secretaria de Planejamento, sob comando de Gustavo Ataíde, que assumiu após a demissão de Thiago Barral. E na própria Secretaria Executiva, de Arthur Valério.
A regra também estabelece que os servidores poderão ser cedidos para ocuparem cargos de diretor ou de presidente de empresa pública federal ou de sociedade de economia mista federal. Livraria, assim, Tabita Loureiro, na PPSA, e Heloisa Borges, na Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A situação levou, inadvertidamente, a um recorte de gênero: a UnaReg afirma que, ao limitar a cessão aos servidores do nível DAS-4 para cima, a iniciativa da ANP penalizará sobretudo as servidoras mulheres, que são maioria entre os cedidos pela agência.
“A norma resultaria em perda de posições de liderança somente de mulheres no MME, incluindo redução significativas de suas remunerações”, diz uma carta enviada aos diretores.
O diretor da ANP Daniel Maia rebate: o recorte de gênero foi feito por quem nomeou. “Não foi a ANP que escolheu o nível do cargo. O diagnostico é de que os órgãos cessionários [que recebem os servidores] estão nomeando homens em cargos mais altos do que mulheres”.
Partiu de Maia a iniciativa de chamar os quadros da ANP de volta. Após levar a proposta ao restante do colegiado, a agência decidiu abrir a consulta.
A mudança também se insere em meio às críticas públicas feitas pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a demora na conclusão dos trabalho conduzidos pela agência.
Para o diretor da Unareg, Thiago Botelho, é preciso considerar também o desejo dos servidores. Ele usa como exemplo uma portaria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que considerou como critério as “aspirações de desenvolvimento profissional de seus servidores”.
“A gente precisa da valorização dos quadros das agências e também dos cargos comissionados, porque são pessoas de excelência, que vão se capacitando e, eventualmente, você não tem espaço de ascensão dentro das agências”, defende Botelho.
Em um manifesto (veja a íntegra, .pdf), a UnaReg cobra justificativas técnicas e jurídicas para a restrição ao DAS-4 e maior diálogo. Diz ainda que não há justificativas para tais mudanças a toque de caixa e pede a extensão do prazo da consulta por 30 dias. Ao todo, faz 11 questionamentos ao diretor-geral da ANP, Bruno Caselli, que é servidor da casa e exerce a função como substituto.
A Unareg afirma ainda que o saldo no entre-e-sai de servidores é positivo para a ANP, que encerrou 2024 com 128 movimentados para funções na agência e 55 para outros órgãos, um ganho de 73 profissionais.
“É bom para o servidor, é bom para o MME, é bom para a ANP e bom para a sociedade brasileira porque você acaba tendo um diálogo mais fluido com servidores que entendem de fato o papel da agência”, diz.
Botelho argumenta, por fim, que a interação dá mais eficiência ao serviço público. “É um dialogo que todo mundo ganha. É claro que não pode ter descontrole, por isso existe uma legislação específica para isso”.
Reforma na governança da ANP
O diretor Daniel Maia afirma que a revisão faz parte da reforma no modelo de governança da ANP, iniciada em 2024. “O que aparenta ser uma surpresa ou algo isolado é mais um passo entre vários que a agência tem dado ao longo dos anos, e agora entra com um olhar sobre os servidores”, disse Maia.
“Se a inação histórica fosse razão para não fazer nada, a gente nunca faria mudanças. Não sei dizer por que ao longo de anos a ANP não se mobilizou para avaliar esse tipo de providência”, completou.
Maia diz ainda que a agência enfrenta problemas na recomposição dos quadros. A despeito de ter sido contemplada na segunda edição do concurso nacional unificado (o “Enem dos concursos”), com 66 vagas imediatas, o número está longe de suprir as 143 vagas abertas na agência.
A falta de recursos humanos é agravada em razão das novas competências atribuídas à ANP, somada à crise orçamentária. No fim de julho, o governo elevou seus limites de empenho para R$ 80 milhões, totalizando cerca de R$ 38 milhões acima do que havia sido contingenciado em maio.