Opinião

Reedição de taxa de fiscalização sobre petróleo no Rio reacende debate sobre inconstitucionalidade

A lei revisada pelo Poder Legislativo oferece ao governo estadual a oportunidade de restabelecer a cobrança, mas aumenta os custos operacionais e gera preocupação no setor devido à possível sobreposição entre a atuação da União, escreve Leonardo da Fonseca

Leonardo Costa da Fonseca, advogado e sócio da prática de O&G do escritório Advocacia Bettiol (Foto Divulgação)
Leonardo Costa da Fonseca é advogado e sócio da prática de O&G do escritório Advocacia Bettiol | Foto Divulgação

No final de 2024, enquanto avançavam os debates sobre a regulamentação da reforma tributária e a criação do imposto seletivo nas operações de extração de petróleo e gás natural, o projeto de lei estadual 4.125/2024 trouxe novas preocupações ao setor. 

O estado insistirá na cobrança Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás (TFPG), criada pela lei estadual 10.254/2023, e devida pelas empresas brasileiras ou internacionais com operações offshore localizados no litoral do Estado do Rio de Janeiro. 

A criação da taxa, que visa a custear o poder de polícia ambiental exercido pelo Instituto Estadual de Ambiente (Inea), reacende debates sobre a constitucionalidade e a proporcionalidade dessa medida. 

No passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional uma norma similar sob a justificativa de restar configurada a desproporcionalidade na cobrança da TFPG. 

Na ocasião, o estado do Rio de Janeiro estabeleceu que a base de cálculo da taxa consideraria o montante de petróleo e gás produzido por cada operador. 

Agora, o projeto de lei 4.125/2024 abre caminho para viabilizar a cobrança da referida taxa, visto que detalha os órgãos responsáveis pelo recolhimento e a forma de aplicação dos recursos. 

Porém, há questionamentos jurídicos importantes. Pode existir uma sobreposição com o poder de polícia exercido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). 

Isso, por si só, já poderia configurar uma violação do estado do Rio de Janeiro a competência privativa da União para legislar sobre energia. 

Além disso, qualquer fiscalização estadual, em tese, deveria ocorrer de forma integrada com a União, em gestão associada, para evitar que atividades de fiscalização sejam ineficientes e o cumprimento de obrigações acessórias sejam realizadas em duplicidade. 

“A criação de obrigações acessórias aumenta os custos operacionais, gerando preocupações e questionamentos sobre a consistência da governança adotada pelas autoridades públicas para atrair novos investimentos.”

Outro ponto crítico é a proporcionalidade da receita gerada pela taxa cobrada mensalmente dos operadores. O valor estabelecido corresponde ao montante de R$ 10.000,00 UFIR e deve ser multiplicado de acordo com a quantidade de “áreas sob contrato” detidas pelos agentes que desempenham atividades offshore. 

Conforme jurisprudência do STF, a taxa, como um tributo vinculado, deve financiar exclusivamente os custos relacionados ao exercício do poder de polícia administrativa. 

Ou seja, não é possível que o valor arrecado seja utilizado para outras finalidades diversas do que a atividade de fiscalização. 

Efeitos no ambiente regulatório e competitivo

O estado do Rio de Janeiro já exige de diferentes segmentos a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental no Estado do Rio de Janeiro (TCFARJ) criada pela lei 5.438, de 17 de abril de 2009. Não existe, por sua vez, muita clareza sobre o valor das receitas auferidas, número de inadimplentes e, sobretudo, como os recursos são empenhados. 

Dúvidas permanecem quanto à base de cálculo da taxa, especialmente no que se refere ao conceito de “área sob contrato”, ainda indefinido. A lei delegou ao Poder Executivo estadual a tarefa de especificá-lo, o que também é questionável, na medida em que a Constituição Federal reservou a União o monopólio de pesquisa e lavra de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, e ainda competência para tratar de matéria de energia. 

A indústria também destaca uma contradição: por um lado, o estado institui tributos que oneram uma atividade econômica; por outro, busca implementar políticas estaduais voltadas para a redução da burocracia e a atração de investimentos no Rio de Janeiro, como verificado no decreto 47.992/2022

Esse ato instituiu a Política Estadual de Simplificação com a finalidade de direcionar os esforços governamentais para aumentar a eficiência e modernizar a administração pública, a prestação de serviços e a promoção de ambiente econômico.

Essa taxa, sem dúvida, representa um retrocesso para a consolidação de um ambiente econômico mais competitivo no estado. Vale lembrar que o Estado do Rio de Janeiro é o principal beneficiário das participações governamentais decorrentes da exploração de petróleo e gás no Brasil. Em 2024, esses recursos injetaram cerca de R$ 25 bilhões no Tesouro Estadual, fortalecendo a capacidade de geração de receita. 

Apesar disso, a criação de obrigações acessórias aumenta os custos operacionais, gerando preocupações e questionamentos sobre a consistência da governança adotada pelas autoridades públicas para atrair novos investimentos. Sendo uma indústria global, o Brasil compete com outras regiões na alocação de recursos. Assim, quanto maior a clareza regulatória e institucional, maior será a probabilidade de as empresas optarem por tomar decisões finais de investimento no país.

Não obstante os aspectos legais e econômicos, a Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou o projeto de lei 4.125/2024. O texto, portanto, foi encaminhado para a Casa Civil do estado, a fim de que seja sancionado ou vetado pelo Governador do Estado até meados de janeiro de 2025. 

Caso o projeto seja sancionado, o caminho natural da indústria pode ser questionar sua validade no Supremo, repetindo embates anteriores. É crucial que o Estado Brasileiro encontre um equilíbrio entre a intervenção estatal e a manutenção de um ambiente econômico favorável, garantindo segurança jurídica e promovendo a sustentabilidade do setor. 

Está previsto para ocorrer nos primeiros meses de 2025 novas sessões de ofertas de blocos localizados dentro e fora do polígono do pré-sal e a criação de taxas, como o da TFPG, adicionam incertezas e custos desnecessários para novos ou atuais operadores. 

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Leonardo Costa da Fonseca, advogado e sócio da prática de O&G do Advocacia Bettiol.

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