RIO – O setor de petróleo e gás começou o ano de 2024 em movimento para derrubar a taxa de fiscalização prevista para ser cobrada a partir de abril no estado do Rio de Janeiro.
A Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás (TFPG) foi instituída por meio da lei 10.254/2023, sancionada pelo governador Cláudio Castro (PL) em 20 de dezembro.
A lei prevê a cobrança mensal às operadoras de 10 mil UFIRs, são R$ 45 mil por área de concessão, com o objetivo de custear as atividades estaduais de fiscalização, que são de responsabilidade do Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
Entidades do setor têm se encontrado com escritórios de advocacia nas últimas semanas para preparar um plano de ação, que deve ser posto em prática entre os meses de fevereiro e março, depois do recesso do Judiciário.
Segundo fontes, a cobrança tem cunho arrecadatório, com caráter de imposto, o que é vedado pela Constituição Federal, daí a leitura que o assunto voltará ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A expectativa da indústria é provar que a taxa é inconstitucional, em razão de descasamento entre a arrecadação e o orçamento do Inea na Lei Orçamentária Anual (LOA) do estado.
Para 2024, a previsão da LOA é que o órgão receba R$ 30,4 milhões e agentes do setor estimam que a nova fonte pode superar esse valor.
O Rio possui 49 campos e um total de cerca de 70 ativos com os blocos de exploração, que podem ser incluídos em diferentes faixas de cobrança, descontos e isenções a depender da regulamentação, o que por si tem potencial para ultrapassar o valor necessário para custear a fiscalização.
Além disso, o Inea não é um órgão dedicado exclusivamente à fiscalização do setor de óleo e gás. Essa questão foi levantada em recente artigo de Camila Cândido, Thianne Martins e Larissa Mantuan, do Toledo Marchetti Advogados.
“Sem a devida transparência, novamente, percebe-se uma ampla margem para judicialização e questionamento sobre a constitucionalidade e legalidade da TFPG pelo setor petrolífero”, escrevem as autoras.
A tese é similar ao argumento acolhido pelo STF que derrubou uma tentativa anterior de cobrança da mesma taxa, instituída em 2015, no governo de Luiz Fernando Pezão (MDB).
Na época, a lei 7.182/2015 previa que a cobrança da TFPG seria calculada sobre o volume da produção de cada campo, com arrecadação total prevista em R$ 6 bilhões.
A Associação Brasileira de Empresas de Exploração e Produção de Petróleo e Gás (Abep) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo, que julgou o caso em 2020.
Um raciocínio similar foi acolhido pelo STF em 2018, quando os ministros reconheceram por unanimidade que era inconstitucional a portaria do Ministério da Fazenda que previa um reajuste da taxa Siscomex em 500%.
Secretário minimiza impactos
A indústria de óleo viu na volta da TFPG mais uma de derrotas em série: a reforma tributária criou o imposto seletivo de extração – que vai taxar a exportação da commodity – e 2023 já havia começado com os quatro meses de imposto sobre os embarques de óleo para bancar a desoneração de combustíveis.
O secretário de Energia e Economia do Mar do Rio, Hugo Leal, contesta que a taxa vá comprometer de quaisquer formas a atração de investimentos no estado. “Eu não vejo [como] essa taxa vai inviabilizar qualquer tipo de produção”.
“Ela é uma marca que o estado quis fazer, uma decisão política. Foi feita pela Assembleia, o governador sancionou e vamos ter posições divergentes, mas eu não vejo ela como um grande impeditivo”, completa.
O secretário explica que a regulamentação da cobrança está em fase de definição, o que passa pela Secretaria de Fazenda e Casa Civil do estado. Segundo ele, a indicação é que a cobrança ficará limitada aos R$ 45 mi por contrato. “[As empresas do setor] foram entendendo e amenizando o impacto”.
Procurada, a secretaria da Casa Civil do estado não comentou o tema.
Em novo comunicado, nesta quarta (10/1), o Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP) classificou a cobrança como “grave retrocesso” e indicou que a medida pode impactar a atração de investimentos.
Afirma que a carga tributária do setor já é “altíssima”, em torno de 70%, em razão dos impostos e pagamentos de royalties e demais participações governamentais.
“Novos tributos nas atividades de exploração, produção e comercialização de petróleo e gás, além de impactarem na atração de investimentos, afetam ainda a segurança jurídica e a confiança de agentes e investidores no mercado brasileiro, com impactos negativos em médio e longo prazos na indústria”, disse o instituto.
As queixas se estendem ao novo imposto seletivo, criado por uma reforma em que o Congresso Nacional optou por privilegiar outros setores.
O vai e vem da TFPG nos tribunais
De forma similar à estratégia usada para derrubar a cobrança similar instituída em 2015, a indústria deve entrar com uma Adin no Supremo e, em paralelo, com ações nos tribunais estaduais para impedir o início da cobrança enquanto aguarda o julgamento na instância superior.
Nos últimos anos, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) fez novas tentativas de estabelecer a cobrança da TFPG, mesmo depois da decisão do Supremo que declarou a taxa de 2015 inconstitucional.
O projeto de lei 5.190/2021 aprovado pela assembleia tentou estabelecer a arrecadação, com a previsão do pagamento de um valor único por operadora, mas foi vetado pelo governador Castro.
No ano seguinte, o PL 6.414/2022, de autoria do deputado Luiz Paulo (PSD), foi rejeitado pela assembleia com 38 votos contrários e 14 favoráveis. Na época, o setor entendeu que o esforço político para a instituição da taxa havia se enfraquecido.
No mês passado, no entanto, Castro sancionou a lei que institui a arrecadação da taxa, depois da aprovação na Alerj do PL 1473/2023, também de autoria de Luiz Paulo.
OAB vê “vícios de legalidade”
Logo após a sanção da lei, a seção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro publicou um ofício em que defende que há vícios de legalidade na cobrança.
Para a OAB, mesmo com as alterações no texto em relação à cobrança declarada inconstitucional pelo STF, o valor fixo estabelecido continua sendo “incongruente e desproporcional” ao custo da atividade.
A OAB aponta ainda que é “impertinente e imprecisa” a mensuração da base de cálculo, por área de contrato. Segundo a presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB, Jeniffer Pires, a redação do texto não deixa claro se a taxa vai incidir sobre as áreas que são consideradas campos de produção, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“Existe essa discussão do que seria a área sob contrato sobre a qual incide a cobrança”, diz Pires.
“Não faz sentido instituir uma taxa para remunerar um poder do estado mas recolher mais do que está previsto para aquele órgão em um ano todo. A taxa não pode ter poder de imposto, ela deve servir para melhorar a atividade estatal ou como poder de polícia”, reforça o sócio do escritório Mattos Filho, Mario Prada.
Pires, da OAB, reforça que um dos fatores que leva à judicialização do tema é a falta de uma discussão mais ampla do governo estadual com as empresas do setor sobre o tema, além da ausência de estudos de impacto econômico da medida.
“Na minha opinião, era necessário que o governo tivesse chamado as empresas para discutir se isso era algo viável de ser feito”, afirma.
O Rio de Janeiro concentra 88% de toda a produção nacional de petróleo e 74% da extração brasileira de gás natural, segundo dados da ANP de novembro.
A previsão do IBP é de que até 2025 o estado passe a ser responsável por 91% de toda a produção de petróleo do país.
Cálculos da Firjan apontam que a produção fluminense seria suficiente para colocar o estado entre os dez maiores países produtores de petróleo do mundo. O Rio concentra ainda a maior parte da indústria fornecedora nacional para esse setor.
Atualização: modificamos a previsão de arrecadação citada inicialmente, com maiores detalhes sobre regulamentação pendente da TFPG
- Judiciário
- Offshore
- Petróleo
- Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj)
- Cláudio Castro
- Estados produtores
- Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan)
- Hugo Leal
- Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP)
- Instituto Estadual do Ambiente (Inea)
- OAB
- Petróleo
- Rio de Janeiro
- Supremo Tribunal Federal (STF)
- Taxa para petróleo
- TFPG (taxa de fiscalização)