O Brasil passa por um momento decisivo para o hidrogênio de baixo carbono. Há diversos Projetos de Lei tramitando nas casas legislativas federais, mas três iniciativas se destacam:
- O PL da Câmara dos Deputados, sob responsabilidade da Comissão Especial para Transição Energética e Produção do Hidrogênio Verde;
- O PL do Senado Federal, sob responsabilidade da Comissão Especial para Debate de Políticas Públicas sobre Hidrogénio Verde do Senado Federal (CEHV); e
- A minuta do PL do Ministério de Minas e Energia, sob responsabilidade do Comitê-Gestor do Plano Nacional do Hidrogênio (Coges-PNH2).
O andamento dessas propostas promete moldar o futuro regulatório do hidrogênio no Brasil. Restam dúvidas quanto ao trâmite desses projetos, se serão ou não consolidados e quais diretrizes vão prosperar. Essa indefinição regulatória se reflete em atrasos nas decisões de investimentos em hidrogênio no Brasil, visto que gera insegurança jurídica e falta de clareza quanto à governança institucional do combustível.
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A seguir, analisamos brevemente os principais pontos de atenção dos Projetos de Lei mencionados.
O PL da Câmara dos Deputados
Definição
A versão mais recente deste PL define o hidrogênio de baixo carbono como aquele com emissão menor ou igual a quatro quilogramas de emissão de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido (4 kgCO2eq/kgH2) até 31 de dezembro de 2030, regressivo a partir desta data.
Em nossa visão, a adoção (em lei) de uma definição estática e numérica pode ser um grande desafio na adequação às necessidades de mercado, desenvolvimento tecnológico e processos industriais.
Avanços tecnológicos, aperfeiçoamentos nas fontes de produção e inovações (como captura de carbono) podem impactar significativamente as emissões associadas à produção de hidrogênio ao longo do tempo.
Até mesmo a União Europeia adota uma definição aproximativa de hidrogênio de baixo carbono como aquele que reduz, no mínimo, 70% a emissão de gases do efeito estufa em sua produção. O recomendável seria uma abordagem mais flexível para essa definição, que assegure o alinhamento entre as transformações tecnológicas e as melhores práticas do mercado interno e internacional.
Adicionalidade e temporalidade
Enquanto o critério de adicionalidade obriga que o insumo para a produção de hidrogênio seja oriundo de fontes dedicadas e adicionadas ao sistema em até 36 meses antes da data de vigência da lei, o critério da temporalidade está relacionado à compatibilidade entre o momento da produção da molécula de hidrogênio e do seu insumo.
Em suma, o critério da adicionalidade impede que a energia elétrica de uma fonte renovável operando há mais de 36 meses seja utilizada para produção de hidrogênio – por exemplo, hidrelétricas, eólicas e solares já em operação. Já o critério da temporalidade dificulta a rastreabilidade da origem da eletricidade no caso da produção de hidrogênio via eletrólise.
Em um sistema interligado como o brasileiro, a energia elétrica que é consumida por um eletrolisador conectado à rede é produzida em qualquer lugar do país. Sendo assim, a melhor forma de garantir a correlação temporal entre a produção do hidrogênio e a produção da eletricidade que será usada na eletrólise, seria a produção off grid de energia elétrica e dedicada à planta de hidrogênio, sem a possibilidade de firmar a energia via sistema interligado.
Encargos e subsídios cruzados
O PL estende o benefício do desconto de 50% da tarifa de uso do sistema (TUST/TUSD) para plantas de hidrogênio, desde que atendidos determinados critérios. Também garante isenções de encargos setoriais para o hidrogênio produzido via eletrólise, se produzido sob o modelo da autoprodução.
Além disso, o PL cria uma reserva de mercado de 5% para empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de hidrogênio de baixo carbono nos leilões reserva de capacidade.
Esses dispositivos, se aprovados, aumentam o tamanho dos encargos a serem pagos pelos consumidores de eletricidade – causando distorções e subsídios cruzados entre o mercado de energia elétrica e a indústria do hidrogênio de baixo carbono.
O PL do Senado Federal
Definição, adicionalidade e temporalidade
O PL traz definições para hidrogênio de baixo carbono, hidrogênio renovável e hidrogênio verde. O hidrogênio de baixo carbono seria aquele com emissão de gases causadores do efeito estufa menor ou igual a 4 kgCO2eq/kgH2 – uma definição estática que padece das mesmas questões já mencionadas no PL anterior.
Já o hidrogênio verde seria aquele produzido por eletrólise da água utilizando fontes solar e eólica – ou seja, exclui aquele produzido via energia hidrelétrica. Os critérios da adicionalidade e temporalidade – e as preocupações da sua aplicação no Brasil – são também mencionados no atual texto do PL.
Governança
O PL define que a autorização para a produção do hidrogênio de baixo carbono caberá à ANP e que a autorização para produção de hidrogênio via eletrólise da água caberá à Aneel.
À primeira vista, parece mais adequado que à ANP caiba a regulação de temas afetos à molécula do combustível, incluindo a autorização de plantas produtoras de hidrogênio – enquanto à Aneel ficaria destinada à competência de regular as plantas de energia elétrica, como já atualmente é feito.
Encargos e subsídios cruzados
Incentivos regulatórios de diversas naturezas são incluídos no rol de estímulos ao desenvolvimento da indústria de hidrogênio neste PL, tais como:
- adição obrigatória de hidrogênio de baixo carbono a gasodutos de gás;
- equiparação do produtor de hidrogênio à autoprodução de energia elétrica no que concerne a encargos de energia de reserva e de reserva de capacidade;
- isenção de CDE e Proinfa para produtores de hidrogênio via eletrólise.
No caso de concessão de subsídios ou incentivos para o combustível, é essencial que ocorra a ampla divulgação dos seus impactos e resultados para a sociedade. As análises devem avaliar as consequências técnicas, econômicas, sociais e ambientais da implementação de tais medidas.
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O PL de Minas e Energia
Definição
O PL define o hidrogênio de baixa emissão de carbono como o produto de tecnologias e fontes de energia de baixa emissão de Gases de Efeito Estufa ou que utilizem tecnologias de remoção de carbono (como a captura de carbono).
Um ponto positivo é que essa regulamentação deixa o produtor de hidrogênio à vontade quanto à rota de produção a ser utilizada, o que permite uma melhor exploração do potencial que cada região do país oferece.
A quantidade de emissões para que o hidrogênio passe a não ser considerado de baixa emissão de carbono não é mencionada na proposta de lei – o que atende as preocupações anteriormente levantadas nos demais PLs.
Certificação do hidrogênio
Muito embora os três PLs versem sobre certificação, o tema é aprofundado pelo Ministério de Minas e Energia. O PL institui o Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (SBCH2), cujos certificados informariam a intensidade de emissões relacionadas à toda a cadeia de produção do hidrogênio.
Um ponto de atenção aqui deve ser a interoperabilidade entre a certificação brasileira e as adotadas internacionalmente que, se desalinhadas, podem impactar negativamente a exportação do hidrogênio brasileiro.
Eficiência e segurança
Se por um lado, a demora na regulamentação do hidrogênio pode deixar o Brasil de fora de importantes investimentos no setor, o atropelo na definição do Marco Legal do Hidrogênio pode colocar em risco a eficiência de mercado e a segurança jurídica.
A intenção de estender benefícios tarifários, garantir reserva de mercado e isentar encargos a produtores de hidrogênio é compreensível, mas a concessão indiscriminada de benefícios à indústria pode impactar sobremaneira o setor elétrico. Essa conduta, se não ponderada, pode criar incentivos desequilibrados, prejudicando a eficiência da matriz energética brasileira.
Também deve ser ponderada a “importação” de critérios de adicionalidade e temporalidade, assim como a criação de certificações nacionais que não comuniquem com padrões internacionais.
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Neste momento de impasse entre os Projetos de Lei analisados, é crucial revisar criticamente os textos em discussão, prestigiando a segurança jurídica, transparência e a sustentabilidade econômica dos setores impactados. Somente por meio dessas medidas será possível estabelecer um Marco Legal do Hidrogênio eficaz e equitativo.
Fabiola Sena e Cristiane Araújo são sócias da FSET Consultoria em Energia. Frederico Freitas é associado. Hugo Crema e Guilherme Czernay são estagiários.