BRASÍLIA – O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) propõe a inclusão dos carros elétricos no rol de bens e serviços sujeitos à aplicação do imposto seletivo, uma das inovações da reforma tributária.
A discussão ocorre no âmbito do grupo de trabalho formado na Câmara dos Deputados para analisar o projeto de regulamentação (PLP 68/2024) do novo sistema tributário, aprovado por meio da PEC 132/23, no ano passado.
De acordo com a versão atual do texto do PLP 68/24, elaborado pelo Ministério da Fazenda, os veículos movidos exclusivamente a baterias elétricas estão isentos de IS. Ficaram dentro os carros a combustão, incluindo os híbridos.
“Como política, o governo federal não define a tecnologia dominante. Ele precifica, nas suas políticas e agora no seletivo, as externalidades positivas e negativas, de modo que nós solicitamos a inclusão dos veículos elétricos”, afirmou Margarete Maria Gandini, diretora do Departamento de Desenvolvimento da Indústria de Alta-Média Complexidade Tecnológica, subpasta do MDIC. Ela participou de audiência pública na Câmara, nesta segunda-feira (24/6).
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) tem mobilizado esforços em Brasília contra a proposta de taxação da indústria automotiva no âmbito do imposto seletivo.
O vice-presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, disse entender que essa é uma iniciativa contraditória por parte do governo.
Na visão dele, o resultado será o oposto do que é pretendido – isto é, não haverá estímulo à descarbonização, e sim o contrário.
“Vou me ater apenas ao fato mais grave: a total contradição entre os objetivos da propostas e os resultados que virão na prática. O imposto seletivo tem como princípio reduzir o consumo de produtos considerados nocivos à sociedade. Se esse é o caso, incluir os automóveis só vai trazer prejuízos para a saúde da população e mais gastos ao SUS”, disse Moraes.
“Pelo simples fato de que esse novo imposto, ao restringir o acesso dos consumidores aos automóveis novos, irá atrasar ainda mais a renovação da frota, mantendo por mais tempo nas ruas os veículos antigos, mais poluentes e menos seguros”, completou ele, argumentando que um carro dos anos 2000 “polui vinte vezes mais” do que um veículo novo.
‘Bônus e malus’
A demanda da pasta chefiada por Geraldo Alckmin (PSB) “vem para influenciar a decisão de compra da população, modificando o comportamento do consumidor”, segundo explicou Margarete aos deputados do grupo de trabalho responsável por analisar o PLP 68/24.
Para atingir tal fim, de acordo com a ótica do MDIC, faz sentido apostar em uma sistemática de “bônus e malus” na aplicação do tributo à indústria automotiva.
“Para os veículos que atenderem aos requisitos desejáveis em termos de segurança, tecnologia, eficiência energética e de pegada de carbono e de emissões, eles ganharão um bônus em relação à alíquota base do seletivo. Para os produtos com características que sejam prejudiciais à saúde ou meio ambiente, teremos a imposição de um adicional sobre a alíquota base.”
Ou seja, em tese, se os veículos 100% elétricos entrarem no rol de taxação do IS, a tendência é que eles tenham uma carga menor (ou uma bonificação) na comparação com os carros a combustão.
Margarete ainda explicou ainda que há critérios que fundamentam o posicionamento do ministério em relação à indústria automotiva. Além de considerar a pegada de carbono (tanto direta quanto indireta) e a densidade tecnológica do produto, a pasta também leva em consideração a “reciclabilidade de materiais”, combinando o percentual em massa de um carro novo potencialmente passível de reutilização.
“E também a compensação antecipada dos materiais para reciclagem dos veículos, colocando definitivamente no âmbito do setor toda uma lógica de economia circular”, completou a dirigente do MDIC.
Extrafiscalidade do IS
Ao explicar a opção pela inclusão de veículos, embarcações e aeronaves no rol do IS, o assessor do Ministério da Fazenda Nelson Paes Leitão afirmou que a medida pareceu mais adequada ao governo do ponto de vista da extrafiscalidade do imposto – ou seja, do seu caráter não arrecadatório. Ele faz uma comparação com as circunstâncias tributárias que envolvem os combustíveis.
“O veículo nos parece mais indicado para o imposto extrafiscal. Porque o combustível, como se sabe, ele é extremamente inelástico. Então, o consumo não varia muito com a tributação. Já os veículos, não. A tecnologia tem avançado. As emissões de CO2 estão sendo reduzidas conforme a tecnologia avança.”
“O imposto seletivo pode ser um instrumento importante para estimular a adoção de novas tecnologias, mais limpas e que reduzam substancialmente a emissão de gases de efeito estufa. A gente tem até a previsão legal de alíquota zero para aqueles veículos que forem ambientalmente sustentáveis. Então, nos pareceu fazer mais sentido [taxar os veículos] do que combustíveis, com o objetivo de reduzir emissões.”
Ciclo de vida dos combustíveis
A aplicação do IS para elétricos, defendida pelo MDIC e rejeitada pela Fazenda, esbarra em um ponto previsto tanto no Programa Mover – que aguarda sanção –, quanto no PL do Combustível do Futuro: a análise do ciclo de vida dos combustíveis levando em consideração “do poço à roda”.
A justificativa do Ministério de Minas e Energia (MME) ao apresentar o Combustível do Futuro foi a de não privilegiar nenhuma rota tecnológica, considerando as emissões na etapa da geração para os elétricos.
Deste modo, passando a avaliar não mais “do tanque à roda”, mas levando em conta a geração da energia, veículos elétricos passam a não ser mais considerados “zero emissão de CO2”, tornando o híbrido flex altamente competitivo quanto a emissão de gases de efeito estufa (GEE).