Congresso

Impactos no setor de energia após aprovação da reforma tributária no Senado

Verdadeira reforma ainda dependerá das leis complementares, escreve Tiago Severini

Entenda impactos e riscos da Reforma Tributária para os regimes especiais no setor de energia, petróleo e gás. Na imagem: Painel no Senado exibe votação da PEC 45/2019, da reforma tributária, em 8/11/23 (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)
Painel no Senado exibe votação da PEC 45/2019, da reforma tributária (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

O projeto de Emenda Constitucional (PEC 45/2019) relativo à reforma tributária, aprovado no Senado Federal e devolvido à Câmara dos Deputados, em razão das modificações inseridas, teve o mérito de preservar o direcionamento macro para a simplificação do sistema, o que deve ser louvado.

No entanto, como já sinalizado em artigo anterior para a agência epbr, o efetivo sucesso da reforma tributária, cujo avanço até aqui é de fato bastante notável, não está assegurado.

Pelo contrário, o texto final da PEC 45, uma vez promulgada, e sobretudo o teor das Leis Complementares (LC) que precisarão ser editadas para a complementação da regulação, deverão minimizar as incongruências já presentes no texto recém-aprovado pelo Senado, sob pena de tornarem o novo regime, se não mais, tão complexo quanto o atual, e ainda com o inevitável e considerável ônus da transição.

Para os fins dos presentes comentários, destaca-se no texto aprovado a preservação da delegação à LC da competência para definir o regramento para os regimes especiais a serem aplicados no âmbito dos novos tributos sobre valor agregado (IVA) instituídos, sem a previsão expressa de regra de transição destinada a assegurar a preservação, até o prazo final, dos benefícios com prazo certo e condição onerosa, como é o caso do Repetro.

Nesse contexto, reforça-se a preocupação já apontada em artigo anterior, acerca do impacto que a PEC da reforma, uma vez aprovada, teria sobre os regimes especiais atualmente vigentes.

E que possuem primordial importância para o setor de energia, como o Repetro e o Reidi, com foco na atração de investimentos em capex, ou o drawback, entreposto aduaneiro ou DAC (depósito alfandegado certificado).

Eles possuem papel estratégico no estímulo às exportações ou na simplificação de rotinas aduaneiras e redução da carga tributária aplicáveis às operações realizadas no Brasil, mas que se inserem em projetos de natureza internacional.

Pela relevância estratégia, tais regimes aduaneiros ou tributários especiais se encontram previstos em diferentes países (de forma mais ou menos semelhante), além de constarem de acordos internacionais de que o Brasil é signatário.

No caso do Repetro e do Reidi, trata-se de benefícios voltados à redução do custo de investimento em capex para novos projetos, tendo em vista o elevado custo de capital dos projetos de exploração e produção de petróleo e gás (no caso do Repetro) e de infraestrutura (com destaque para os projetos de energia no recorte da presente análise, no caso do Reidi).

“Retorno, em termos de arrecadação, compensa, e muito, as ‘renúncias de receita’ aplicáveis ao capex”

Ambos os benefícios, com diferente amplitude, focam na desoneração do capex, visando a atrair o maior volume possível de investimentos, a fim de que proporcionem a geração de empregos e renda no país, e que, em se tornando empreendimentos economicamente viáveis, compensem (e muito) em termos de arrecadação os montantes relativos à desoneração recebida, seja no que tange aos tributos indiretos, seja em relação aos tributos diretos incidentes sobre receita e lucro de tais atividades, e ainda por meio de royalties e participações especiais.

Importante reiterar, nesse sentido, que o retorno, em termos de arrecadação, compensa, e muito, as “renúncias de receita” aplicáveis ao capex. Além disso, caso aquelas fossem suprimidas, o resultado provável esperado seria que muitos projetos, em razão do risco envolvido, deixassem de ser realizados, reduzindo, portanto, a arrecadação total, em vez de aumentá-la.

A delegação à Lei Complementar da competência para disciplinar os regimes a serem aplicados em relação aos novos tributos instituídos, sem o estabelecimento de diretrizes, ainda que mínimas (como a preservação do direito adquirido de beneficiários atuais), representa, portanto, um relevante incremento no nível de risco aplicável a quaisquer novos projetos cuja precificação envolva a adoção de regimes especiais – face à incerteza sobre o momento em que as LC virão a ser aprovadas, e sobretudo em razão da impossibilidade de se conhecer de antemão o teor das propostas.

O aumento de risco, como se sabe, gera incremento de custos, especialmente de financiamento, reduzindo a atratividade dos novos projetos.

Reforça a preocupação acima sinalizada o fato de que os relatórios anexados à tramitação do projeto da PEC 45, submetido à votação no Senado, parecem sustentar o entendimento de que os regimes suspensivos (aduaneiros e tributários) atualmente vigentes seriam, em regra, dispensáveis no contexto do sistema tributário reformado, em razão da incidência sobre valor agregado e consequente suposta neutralidade, seja ao longo da cadeia local, seja na comparação entre importado e bem fornecido localmente.

Ocorre que, mesmo após a reforma, o sistema tributário preservará um tributo de valor agregado de âmbito federal e outro de âmbito estadual/municipal, sem a possibilidade de compensação de créditos entre eles (por conta das limitações federativas).

Ocorreria, portanto, no caso de empresas preponderantemente exportadoras, a tendência de acúmulo de créditos (assim como ocorre atualmente com o ICMS), resultantes do IVA recolhido ao longo da cadeia, e não abatido da operação final de exportação (eis que desonerada), já que a empresa poderia não possuir operações suficientes sujeitas à incidência do IVA capazes de viabilizar a compensação de todo o montante de créditos acumulados.

Vale lembrar que, em relação ao ICMS, a regulação atual envolveu acordo político (iniciado ainda no contexto da Constituição Federal, e reforçado quando da edição da Lei Kandir) entre os Estados e a União, que previa o ressarcimento aos Estados pela desoneração das exportações, recursos esses que seriam supostamente destinados, parcialmente, aos contribuintes que viessem a acumular créditos, de modo a compensá-los pelo montante acumulado.

Na prática, contudo, sabe-se que os Estados compensam apenas uma parte ínfima dos créditos acumulados, quando o fazem, em razão de jamais terem sido recompensados pela União com base no acordo acima mencionado, o que gera uma das principais causas de ineficiência do sistema tributário atual no que tange ao ICMS.

Nos parece, portanto, que o sistema trazido pela nova reforma envolveria o mesmo risco, sem solução alternativa até aqui.

É certo que o fato de o tributo incidir tanto sobre mercadorias quanto direitos e serviços potencialmente mitigaria o acúmulo de créditos.

A nosso ver, contudo, esse espectro mais amplo do tributo não seria suficiente, para distintos segmentos – especialmente no caso das empresas preponderantemente exportadoras – para viabilizar a compensação integral dos créditos.

O texto da PEC aprovado no Senado não contempla mecanismo consistente capaz de afastar esse ciclo vicioso, tendendo, portanto, a retroalimentá-lo.

A perspectiva seria, então, de preservação dessa mesma ineficiência atualmente presente no sistema vigente, exceto na hipótese de solução, a ser prevista em Lei Complementar, que contenha caráter vinculativo para os entes federativos envolvidos.

Diante do exposto, entendemos que o texto da reforma tributária aprovado pelo Senado ainda depende de uma série de adequações, as quais deveriam – seria desejável – ser implementadas ainda no texto da própria PEC, sob pena de delegação, à LC, de um enorme quantitativo de competências, sem diretrizes suficientemente claras – o que gera incertezas crescentes para o período de tramitação dessas leis complementares, aumentando o risco de novos empreendimentos no curto prazo –, além da possibilidade de novos tributos que envolvam os mesmos velhos problemas do sistema atual.

A se confirmar a expectativa de aprovação da proposta em texto idêntico ou bastante semelhante ao aprovado no Senado, entenderemos obviamente o aspecto político e a simbologia do avanço inédito obtido, porém, na prática, a verdadeira reforma precisaria ser realmente construída (com o imprescindível foco em detalhes técnicos e decisivos) no contexto das leis complementares.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

Tiago Severini é sócio da área tributária e aduaneira do Vieira Rezende Advogados.