Em meio ao debate sobre a regulamentação que definirá critérios para que projetos de hidrogênio acessem subsídios governamentais, a Associação Brasileira das Indústrias de Hidrogênio Verde (ABIHV) defende que o direcionamento de incentivos seja exclusivo para rotas de produção que não utilizem fontes fósseis.
O hidrogênio verde é aquele produzido a partir da eletrólise da água, utilizando energia elétrica renovável.
Para Fernanda Delgado, diretora-executiva da entidade, os subsídios devem ser restritos a projetos que contribuam diretamente para a descarbonização da economia, excluindo alternativas com maior emissão, como o hidrogênio azul – feito a partir da reforma do gás natural com captura e armazenamento de carbono (CCS).
“A nossa sugestão é não aceitar hidrogênio com captura e armazenamento de carbono”, enfatizou, em entrevista à agência eixos.
Estimativas do MIT apontam que o hidrogênio azul emite de três a cinco quilos de CO2 por quilo de hidrogênio produzido, enquanto o hidrogênio verde emite potencialmente menos de 1 quilo de CO2 por quilo de hidrogênio produzido.
Na semana passada, o Ministério da Fazenda abriu uma consulta para receber contribuições para regulamentação de subsídios previstos no marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, bem como na lei de incentivos para o hidrogênio, que juntos devem disponibilizar mais de R$ 20 bilhões entre 2028 e 2032.
O objetivo é definir os critérios de habilitação para empresas interessadas em acessar os incentivos do Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro) – lei 14.948/2024 – e do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC) – lei 14.990/2024.
Pela lei brasileira, é considerado de baixo carbono o hidrogênio que emite até 7 kg de CO2 por cada 1 kg de hidrogênio produzido. O volume é próximo da intensidade de carbono do hidrogênio cinza, de gás natural, que é considerado altamente poluente com seus 10 kgCO2/KgH2.
A proposta da ABIHV defende a necessidade de estruturar a cadeia produtiva do hidrogênio verde no Brasil e que os incentivos do PHBC devem priorizar a diversificação de rotas que permitam a criação de novas indústrias.
“Esse movimento em direção ao uso do gás natural para produção de hidrogênio nos deixa um pouco preocupados. Porque é uma indústria [de óleo e gás] que já tem os seus subsídios e que precisa começar a pensar no seu phase-out”, explica Delgado.
Ela avalia que a indústria de petróleo e gás, que seria a maior beneficiária da utilização de tecnologia de CCS para produção de hidrogênio azul, já se encontra estabelecida e conta com amplos benefícios e incentivos fiscais.
E cita levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), apontando que as empresas do setor se beneficiaram com mais de R$ 270 bilhões em renúncias fiscais entre 2015 e 2023, concentrados em especial no Repetro.
“Exportação também fomenta indústria nacional”
A maioria dos projetos de hidrogênio de baixo carbono anunciados no Brasil está localizada em portos, com potencial para exportação para o mercado europeu.
Delgado analisa que a exportação do hidrogênio verde, em forma de amônia e outros derivados, também pode ser um ponto de partida importante para impulsionar a indústria nacional.
Segundo a executiva, mesmo a indústria de amônia é capaz de movimentar outras atividades, como a geração de energia renovável e de fornecedores de equipamentos.
Um contraponto à visão de representantes da indústria nacional, como o setor químico, que enxerga que subsídios a projetos de hidrogênio focados na exportação beneficiariam a indústria europeia.
“A exportação não é um problema. Muitas economias desenvolvidas são baseadas em exportação. O problema é o que a gente faz com o recurso advindo dessa exportação”, rebate Delgado.
A ABIHV representa tanto empresas que desenvolvem projetos voltados para exportação de hidrogênio verde, como a Fortescue no Porto de Pecém, no Ceará, como companhias que apostam em atender o mercado doméstico, a exemplo da Atlas Agro – que espera construir uma planta e fertilizantes a partir do hidrogênio verde em Uberaba, Minas Gerais.
“Existe uma expectativa do desenvolvimento do mercado nacional. Enquanto esse mercado nacional amadurece, vamos vender para quem quiser comprar, e isso vai começar pelo mercado externo”.
Evitar aventureiros
Para que os recursos sejam aplicados em projetos que contribuam efetivamente para o desenvolvimento da cadeia produtiva local, a ABIHV sugere que os critérios de elegibilidade para os subsídios incluam exigências de capacidade mínima de produção e licenciamento ambiental.
A ideia da associação é evitar o favorecimento de “aventureiros” que não possuem capital ou expertise necessária para levantar projetos de larga escala.
“É importante que sejam privilegiados projetos estruturantes”, diz a diretora. “Projetos que realmente vão tirar a indústria do papel e que vão adensar a cadeia produtiva”.
Mandatos para hidrogênio
Outra maneira de fortalecer a demanda nacional para hidrogênio, na avaliação de Delgado, seria a criação de mandatos para o uso do hidrogênio verde no futuro, assim como já existe para o etanol e o biodiesel.
A ABHIV trabalha para que políticas públicas de longo prazo incentivem o uso do hidrogênio verde na indústria nacional de combustível sustentável de aviação (SAF) e fertilizantes, por exemplo.
“Gostaríamos, assim como tem o Combustível do Futuro, de trabalhar uma política pública para que tenhamos mandatos de hidrogênio dentro do metanol, SAF e amônia para fertilizante nacional. É um tipo de política pública que o Brasil sabe fazer”, completa.