Desde 2000, foram apresentados 158 projetos de decretos legislativos, 90% deles na Câmara dos Deputados, colocando em xeque decisões de agências reguladoras, segundo balanço da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar).
Um deles vingou, derrubando uma norma da Anvisa sobre remédios para emagrecimento, posteriormente derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“O STF julgou inconstitucional porque as questões técnicas das agências reguladoras são atribuições específicas e nenhum projeto de decreto legislativo pode mudar as questões técnicas que a legislação atribui às agências”, afirma o presidente da Abar, Vinicius Benevides.
O principal efeito de propostas legislativas nesse sentido, diz Benevides, é a insegurança jurídica.
“As agências reguladoras têm que ser fiscalizadas, têm que ser transparentes e o Congresso tem esse papel, é o poder fiscalizador do Executivo. Mas não pode tomar para si o ato de fazer o que as agências fazem. Essa é a grande questão”.
Benevides conversou com a agência epbr durante o Congresso Brasileiro de Regulação, em São Paulo.
Ele também faz críticas ao Relivre, um ranqueamento de regulações estaduais de gás natural, feito pela Abrace, que representa grandes consumidores, na tentativa de influenciar reformas que favoreceram os consumidores livres.
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Setor elétrico movimenta Congresso Nacional
O avanço do PDL 365/22, do sinal locacional, que seguiu para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na semana passada, reacendeu o debate sobre relação entre agências reguladoras e o Congresso Nacional.
Os decretos legislativos podem ser usados para sustar atos do Poder Executivo. São uma ferramenta de deputados e senadores para impedir que o governo extrapole os limites legais da sua atuação.
Com o PDL 365, aprovado pela Câmara dos Deputados, se pretende revogar uma resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que determinou a redistribuição do peso das tarifas de transmissão de energia, durante cinco anos – o chamado sinal locacional.
No Senado, o projeto foi embalado pela indignação de parlamentares com a disparada de tarifas de energia.
No início do ano, o autor do PDL 365/22, Danilo Forte (União/CE) apresentou a emenda 54 à MP 1154/2023, que reestruturou os ministérios de Lula 3.
O objetivo era criar um conselho, vinculado aos ministérios e agências reguladoras, para deliberação de atividades normativas.
É uma ideia que circula no Congresso Nacional: política pública é de competência de parlamentares e do governo federal; as agências deveriam ter seu poder limitado, com foco na fiscalização.
O conflito se dá nos limites das competências. No caso do sinal locacional, por exemplo, a Aneel justifica que a lei é clara em definir o papel de regular as tarifas.
A proposta não recebeu apoio de grandes entidades do setor de infraestrutura, como energia e petróleo. Forte retomou uma ideia que circulou ano passado como uma minuta de PEC. Ele é envolvido com temas do setor de energia e tem feito críticas recorrentes à Aneel.
“Imagina, o governo muda a cada quatro anos, pega um contrato de 30 anos, você vai ter sete conselhos dentro do contrato”, diz Benevides. “[Diante] disso, o investidor na mesma hora para de investir, porque as decisões poderão não ser técnicas”.
“As agências não fazem políticas públicas”, concorda Benevides. “O que as agências fazem? Em função da política pública, que é criada pelo Poder Executivo, que ganhou a eleição, seja ele federal ou estadual, ela vai fazer o seu planejamento estratégico, uma agenda regulatória e aquelas resoluções que estão previstas. Então é tudo muito claro”.
O resultado desse conflito, diz, é elevar o risco e afastar investimentos. “O investidor vê um triângulo: se tem mercado no Brasil; quer saber o ambiente político – se os poderes estão funcionando (…) E também vê o ambiente regulatório, ou seja, se os contratos vão ter segurança jurídica, se as agências reguladoras estão funcionando”, defende o diretor.
“Então, no centro desse triângulo está o investidor, olhando. Temos o triângulo da regulação, onde temos o governo responsável pelas políticas públicas, concessionário, consumidor e agência reguladora lá dentro”.
“É evidente, pode ter gente de altíssimo nível dentro desses conselhos, mas não tem uma estrutura montada de quem está acostumado com aquilo, com o chão da fábrica dentro das agências reguladoras”, afirma.
Ao cabo, é uma questão de falta de harmonia entre os poderes. “É só ler o jornal de hoje, ou de ontem ou de anteontem”.
“O ideal é que haja um balanceamento mesmo, que aquilo que está previsto na Constituição seja seguido, uma harmonia entre os poderes”.
Essa entrevista ocorreu em um momento em que o Senado Federal avança com propostas para regular a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Hoje o Poder Legislativo tem uma força muito grande, só que um outro poder se robustece e está em uma disputa com o Poder Legislativo. E o Poder Executivo está espremido entre esses dois poderes”, diz.
Mercado de gás natural
Questionado como a associação encarou a publicação do Relivre, Benevides afirma que o ranking regulatório da Abrace ignora a realidade das agências estaduais.
“Essa questão de ranking é uma coisa muito complicada de se fazer. Você não pode ranquear banana com laranja, com uva, cada um tem seu gosto”.
Para a Abar, no mercado de gás natural, cada agência e estado têm de considerar os interesses – residencial, comercial, industrial de vários portes – nos mercados cativos e livres.
“Você não pode pegar um estado que criou uma agência há dois anos, que ainda está estruturando, e comparar com um estado que tem agência há 20 anos”, diz Benevides. “Qualquer ranking desse tipo já nasce errado pela maneira que é construído”.
Benevides é engenheiro elétrico, diretor da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa).
Tem passagens pela Aneel, como assessor especial da diretoria colegiada, pela Eletrobras e, no setor privado, foi diretor da Companhia Energética de Brasília.