Opinião

Redução do orçamento da ANP: retroceder agora é baixar a guarda no momento decisivo da luta 

Corte de recursos ameaça avanços recentes contra a evasão fiscal e o crime organizado em um setor que arrecada mais de R$ 350 bi por ano, escreve Leonardo Linden

Leonardo Linden é presidente da Ipiranga (Foto André Mello-Divulgação)
Leonardo Linden é presidente da Ipiranga (Foto André Mello-Divulgação)

O setor de combustíveis brasileiro, responsável por arrecadar mais de R$ 350 bilhões em tributos por ano, teve avanços importantes nos últimos 6 meses no combate à evasão fiscal e à infiltração do crime organizado. 

A sofisticação das operações criminosas, aliada a uma estrutura tributária complexa e ao colapso dos recursos destinados à fiscalização pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), criou um cenário crítico de vulnerabilidade, colocando em risco não apenas a economia, mas também a integridade do sistema regulatório brasileiro.

As operações Carbono Oculto, Tank, Quasar, Mercado de Carbono, Carbono Oculto 86 e Poço de Lobato, todas deflagradas pela Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público e ANP, no segundo semestre de 2025, deixaram clara a necessidade de uma atuação das autoridades cada vez mais próxima do setor, em especial da ANP, que é a grande responsável pela fiscalização e regulação das atividades deste mercado.

Os benefícios iniciais desta operação já são bastante tangíveis. Só no estado de São Paulo, a arrecadação de ICMS em outubro de 2025 foi mais de 90% maior do que setembro de 2025, segundo dados da própria Secretaria da Fazenda do Estado de SP. São cerca de R$ 250 milhões a mais em apenas um mês nos cofres públicos, apenas com o arrefecimento da evasão tributária provocada pelo comercio ilegal de combustíveis. 

Paradoxalmente, enquanto o crime organizado estruturou-se de forma sofisticada, a ANP enfrenta um colapso de recursos destinados à fiscalização. O orçamento da agência para despesas discricionárias corrigido pelo IPCA caiu 82% em 11 anos, de R$ 749 milhões em 2013 para R$ 134 milhões em 2024

Para 2025, o valor aprovado no orçamento era de R$ 140,6 milhões, mas foram bloqueados e contingenciados cerca de R$ 35 milhões, reduzindo o orçamento disponível para cerca de R$ 106 milhões. E isto coloca em risco os avanços obtidos até aqui.

O impacto dessa restrição orçamentária foi imediato. Em junho de 2025, a ANP anunciou a suspensão temporária do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) e confirmou uma redução geral de recursos para toda a fiscalização. Além disso, houve revisão de contratos, e redução de atividades de campo. 

Já o orçamento para 2026, conforme consta do Projeto de Lei Orçamentária é de R$ 129 milhões. Pode parecer um aumento em relação ao gasto do ano anterior, mas na realidade é mais uma redução nos recursos da agência, haja visto o orçamento aprovado de 2025 de R$ 140 milhões.

Se por um lado entendo a necessidade e o desafio de controle de gastos públicos, por outro me preocupo com o enfraquecimento da agência em um momento tão crucial do setor, com avanços que vinham sendo aguardados por décadas no combate ao comercio ilegal. 

O desafio está só no início e é gigantesco. Enfraquecer a ANP neste momento é um tiro no pé para a própria arrecadação federal e dos estados. O cálculo é simples e os valores arrecadados pelos cofres públicos nestes primeiros meses já justificam com sobra este investimento na ANP. 

É obvio que todos esperamos uma agência cada vez mais preparada, com melhores ferramentas e um trabalho de inteligência eficiente a ponto de reduzir seus próprios custos operacionais. Mas também precisamos de uma entidade com recursos suficientes para poder custear suas atividades de monitoramento e fiscalização das atividades do setor. 

Sem essas ações, o Brasil corre o risco de perder a capacidade de controlar um dos setores mais críticos de sua economia, não apenas para o crime organizado, mas também para a integridade do sistema tributário e para a segurança dos consumidores finais. 

A escolha entre investir em fiscalização robusta ou arcar com prejuízos maiores é uma questão não apenas de política pública, mas de sobrevivência econômica do Estado brasileiro.


Leonardo Linden é presidente da Ipiranga.

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