BRASÍLIA – O pedido de CPI feito pelo deputado João Carlos Bacelar (PL/BA) para investigar o mercado de combustíveis menciona as declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, que alertou na semana passada para eventual necessidade de revisão regulatória dos pontos de bandeira branca.
“[A resolução da ANP] permite os postos de bandeira branca e que têm sido utilizados pelas duas principais quadrilhas. Então, mudando a resolução já melhora muito a instalação desses postos de fachada, que são lavanderias, na verdade”, declarou o ministro durante reunião com o presidente Lula, ministros e governadores, no Palácio do Planalto, na última quinta-feira (31/10).
O problema, no entanto, é outro. Os crimes associados ao setor, em especial pelo envolvimento de facções criminosas, estariam concentrados na chamada “bomba branca”, segundo o Instituto Combustível Legal (ICL).
Recentemente, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) rejeitou um recurso do ICL que questionava as regras relativas ao fim da tutela da bandeira – objeto da resolução 858/2021, editada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), e de sua complementação, a resolução 948/2023.
O colegiado também recusou a solicitação para incluir em sua agenda, desde já, a avaliação de resultado regulatório sobre o tema. Por outro lado, existe dentro da ANP a intenção de voltar a enfrentar esse assunto, com perspectiva de uma possível revisão regulatória. A informação foi confirmada à agência eixos por membros da agência.
O pleito, movido pelo Instituto Combustível Legal (ICL), tratava especificamente da disponibilização de informações sobre o fornecedor de combustível, seja ele bandeirado ou não, nas bombas dos postos.
Na prática, era uma estratégia para tentar acabar com a possibilidade da bomba branca, à medida que os pontos de revenda seriam obrigados a identificar a origem do produto de forma visível ao consumidor.
Defesa da bomba branca
O presidente da Associação Brasileira de Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres (AbriLivre), Rodrigo Zingales, rechaça a tese de que a bomba branca estimula a atuação do crime organizado dentro do setor. Na versão dele, essa é uma argumentação patrocinada pelas distribuidoras bandeiradas, que visa ao interesse econômico das grandes empresas do segmento.
“A ignorância prevalece em todos os aspectos. A bomba branca é algo que veio para inovar e resolver um problema que está sendo investigado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade: as distribuidoras cobram mais caro pelo produto vendido ao posto bandeirado, com contratos longos, à medida que os postos sem bandeira pagam mais barato e sem as obrigações que mantêm o oligopólio delas”, afirmou.
Para Zingales, em vez de combater a bomba branca, a ANP deveria se empenhar em estabelecer uma regulação dos contratos entre as distribuidoras e os postos, a fim de evitar distorções que acabam criando uma “concorrência desleal”.
Já em relação à presença de facções criminosas no ecossistema do mercado de combustíveis, Zingales afirma que tanto os postos bandeirados quanto os sem bandeira estão suscetíveis ao domínio das quadrilhas. Ele diz que as alegações contra o fim da tutela da bandeira não são baseadas em dados oficiais. “A pergunta que eu faço é: onde estão os números que mostram isso? As distribuidoras bandeiradas não têm controle sobre os donos dos postos.”
O equívoco de Dino
Os postos de bandeira branca são comercializadores independentes, isto é, não possuem marca comercial de origem do combustível. Não tem nada a ver com a “bomba branca”.
O proprietário do estabelecimento é livre para adquirir e revender o produto de sua preferência, o que permite certa flexibilidade nos preços.
O modelo surgiu nos anos 1990, após a desregulamentação promovida pelo governo do então presidente Fernando Collor de Mello (a falta de regramento foi resolvida sete anos depois, com a lei que criou a ANP).
“Ele [Dino] se confundiu. Foi falar da bomba branca e acabou falando de postos de bandeira branca. A bandeira branca não tem motivo nenhum, de nada. Bandeira branca é um posto comum, sem marca. Na verdade, o que ele quis dizer, e é a nossa preocupação, é que esse mercado irregular que não arrecada se aproveitou da bomba branca para crescer em postos de marca”, explica o presidente do ICL, Emerson Kapaz.
“Os postos de marca colocam uma bomba e você não consegue ver [a origem do combustível] porque tem uma resolução da ANP que cria essa escapatória. Você coloca um outro combustível qualquer na bomba de um posto da marca que não é aquela que o consumidor escolheu para abastecer”, completa.
Foram enviados questionamentos à assessoria do Supremo Tribunal Federal (STF), sem respostas. O espaço segue aberto.
CPI dos Combustíveis
João Carlos Bacelar (PL/BA) está na fase de coleta de assinaturas para requerer a instalação de uma CPI dos Combustíveis.
Até o momento, 11 colegas subscreveram o pedido. São necessários 171 (um terço da composição da Câmara).
Dado o fato de o calendário do Congresso estar pressionado por pautas prioritárias, e a proximidade do fim do mandato de Arthur Lira (PP/AL), há chances remotas de que o pedido saia do papel em 2024.
“A crescente infiltração do crime organizado no setor de combustíveis do Brasil, incluindo a distribuição de gasolina e etanol, demanda uma investigação ampla e urgente”, diz João Carlos Bacelar no requerimento.
A proposta vem na esteira das investigações, principalmente no âmbito do Ministério Público de São Paulo, sobre indícios de atuação de facções criminosas na adulteração de combustíveis e lavagem de dinheiro por meio de postos de revenda.
Tarcísio leva tema a reunião com Lula
O chefe do Executivo paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), expôs o assunto dos crimes dentro do mercado de combustíveis durante reunião com o presidente Lula, ministros e os demais governadores – a mesma em que Dino fez referência aos postos de bandeira branca, na semana passada.
O governador de São Paulo alertou para a gravidade, em especial, da recorrência dos crimes fiscais praticados pelos chamados “devedores contumazes”. Um projeto de lei para coibir esse tipo de prática estagnou na Câmara dos Deputados (o PL 15/24).
Tarcísio declarou ainda que, segundo informações do governo paulista, até usinas de etanol estão sendo utilizadas para lavagem de dinheiro por parte de organizações criminosas.
“É um dos setores preferidos do crime organizado hoje para lavagem de dinheiro. A gente está vendo a profusão de postos de gasolina sendo adquiridos pelo crime e até usinas de etanol hoje. Se não houver um trabalho conjunto, a gente não vai chegar a lugar algum.”