CUIABÁ — O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) apresentou à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) uma proposta para aprimorar a fiscalização do cumprimento da mistura obrigatória de biodiesel no diesel.
A proposta chega como alternativa ao “ONS dos Combustíveis”, rejeitado por boa parte do mercado em razão da sobreposição com as competências da agência.
A ideia do Sindicom é aproveitar uma ferramenta desenvolvida pela Embrapa, que permite rastrear a cadeia do produto, com informações sobre todos os elos até chegar ao consumidor final.
“Quando a gente começou a pesquisar soluções de tecnologia, a gente identificou que a própria Embrapa já possui soluções de blockchain, de rastreabilidade”, explica o diretor de Regulamentação do Sindicom, Samuel Carvalho, em entrevista à agência eixos.
A tecnologia foi aplicada em um projeto piloto em 2022, em uma usina sucroalcooleira para rastrear açúcar mascavo. Desde então, se expandiu e vêm sendo utilizada em outros produtos agroindustriais, como o segmento de carne suína e de algodão.
A aplicação ao setor de combustíveis ainda demandaria estudos de viabilidade, por isso o Sindicom sugeriu a criação de um grupo de trabalho junto à ANP e Embrapa, para discutir o tema.
“Poderia eventualmente anexar notas fiscais, anexar o certificado de qualidade. Aí aquilo passou para o outro elo, quais são as informações por exemplo, da distribuição? Aquele produto foi misturado com o biodiesel na data tal, na instalação tal”, explica Samuel.
“E o blockchain vai armazenar esses dados, encadeando esses dados ao longo da cadeia. De maneira que o produto que chegou lá no final, você conseguisse rastrear ele, qual foi o tracking, qual foi o fluxo físico daquele produto até chegar naquele local de revenda”, completa.
A ideia é que, inicialmente, um projeto piloto poderia trabalhar com uma cadeia mais curta, como o combustível de aviação e, a depender dos resultados, ser ampliado para outros produtos, como gasolina, diesel ou biocombustíveis.
“Não é uma solução que do dia para a noite vai estar pronta, mas realmente a gente procurou ser propositivo aproveitando o que já existe de ferramenta dentro da Embrapa, dentro da ANP, para a gente tentar fomentar e fazer uma ponte”, afirma Samuel.
Para o Sindicom, o fato de que a Embrapa já possui interlocução com a ANP, por meio do Renovabio, é um ponto positivo. A tecnologia de blockchain é desenvolvida por outra frente da empresa, e poderia ser um novo ponto de contato com a agência.
A intenção do sindicato, a princípio, é garantir o cumprimento da mistura de biodiesel no diesel, mas as perspectivas de aplicação podem ser maiores. “A gente vê essa ferramenta com potencial de ajudar também no combate ao mercado irregular. Porque se você consegue ter o tracking de toda a cadeia, você conseguiria pelo menos mitigar os problemas de mercado irregular”, explica o diretor.
“Mas a gente também não tem a expectativa de que isso seja uma panaceia, que vá resolver todos os problemas do setor. Porém você conseguiria ter uma ferramenta um pouco mais robusta para auxiliar a ANP nessa parte de fiscalização”.
Alternativa ao Operador Nacional do Sistema de Combustíveis
A ferramenta desenvolvida pela Embrapa seria uma alternativa à criação do Operador Nacional do Sistema de Combustíveis (ONSC), previsto no PL 1923/2024, de autoria do deputado Julio Lopes (PP/RJ).
O projeto está na Comissão de Minas e Energia, sob a relatoria de Júnior Ferrari (PSD/PA), que já apresentou substitutivo. O texto teve o pedido de urgência aprovado, mas enfrenta resistências por parte de agentes do mercado, da ANP e do Ministério de Minas e Energia (MME).
Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na semana passada sobre o PL 1923, o coordenador-geral de Acompanhamento do Mercado do MME, Deivson Timbó, chamou atenção para o risco de sobreposição de atividades, “na hora de trazer novos agentes para com o mesmo foco”.
Desde 2023 a pasta promete enviar uma proposta de “ONS dos combustíveis”, mas nada de concreto foi apresentado.
Para o Sindicom, o projeto ainda não está maduro para ser votado. “A gente entende que é um projeto pertinente, mas ainda carece de debate, ainda carece de algumas alterações substanciais”, afirma o diretor-executivo Mozart Rodrigues.
“A gente entende que é complexo você ter dois organismos que, segundo o autor, não vão se conflitar [ANP e ONSC]. Mas se não vão se conflitar porque não colocam dentro da ANP todo o projeto?”.
O órgão defende o avanço de propostas que ganharam força após a Operação Carbono Oculto, como o PLP 125/2022, sobre o devedor contumaz, e o PLP 109/2025, que dá acesso à ANP a informações fiscais de agentes regulados.
“A Carbono Oculto impulsionou, mas isso é um pedido do setor já de longa data. É essencial que a ANP tenha acesso às notas fiscais, respeitando o sigilo fiscal, isso é importantíssimo”, destacou Mozart.
Após a operação da Receita Federal e do Ministério Público de São Paulo, o Senado aprovou o PLP do devedor contumaz, que desde o início de setembro aguarda indicação de relator na Câmara – a despeito da aprovação da urgência, na semana passada. Para o Sindicom, este é o projeto mais amadurecido para votação.
“A emenda constitucional que alterou o artigo 146, é de 2003. O regime especial de tributação para quem não paga tributo, que hoje está apelidado de devedor contumaz, é uma iniciativa que já tem mais de 22 anos”, afirma Mozart. “Eu acho que todas as dúvidas [sobre o projeto] já deveriam ter sido dirimidas, ele já está muito maduro para ser votado”, conclui.
