RIO — O presidente do Comitê Nacional de Secretários da Fazenda (Comsefaz), Décio Padilha, disse que a estratégia do governo federal de culpar o ICMS pela inflação dos combustíveis faz parte de “uma guerra de narrativas em ano eleitoral”.
Ele defende a criação de uma conta de estabilização de preços como o único remédio de curto prazo capaz de atenuar os efeitos da guerra na Ucrânia sobre o mercado de derivados. E se diz tranquilo em relação à judicialização do caso.
A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender os efeitos da regulamentação do novo ICMS do diesel feita pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Padilha lembra que a criação da conta de estabilização dos preços dos derivados está prevista no PL 1472/2021, já aprovado no Senado Federal. O projeto, que partiu de uma articulação do PT, está engavetado por Arthur Lira (PP/AL) desde o início de março. Ele defende a criação da conta por pelo menos 180 dias este ano.
“De todas as medidas que estão trazendo, uma medida de efeito imediatíssimo para atenuar essa volatilidade, [isto é] o único remédio que pode atenuar, é a conta de estabilização”, afirmou Décio Padilha ao político epbr— serviço de cobertura exclusiva de política energética da agência epbr.
O PL 1472 também prevê diretrizes para formação de preços, de forma a considerar não só o comportamento do mercado externo, mas também os custos locais.
“Precisamos debater se não é preciso colocar os custos nacionais de produção [na formação de preços dos combustíveis]”, comentou.
Além de presidir o Comsefaz, Padilha é secretário de Fazenda de Pernambuco e tem feito a ponte com o Senado pela aprovação da reforma tributária, discutida na PEC 110.
Ao comentar sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) da AGU contra a regulamentação do novo ICMS do diesel feita pelo Confaz, Décio Padilha afirma que o Comsefaz está tranquilo em relação ao assunto. Ele alega que os estados cumpriram à risca o previsto na lei complementar 192/2022, promulgada a partir do PLP 11 — único projeto que contou com apoio de Lira e do governo e foi, de fato, aprovado.
“Primeiro, fizemos a fixação única; segundo, acolhemos a monofasia; e, terceiro, não aumentamos — pelo contrário — estamos tendo sim uma redução de carga tributária proporcional em cima do litro do diesel”, argumentou.
Entenda a disputa sobre o ICMS do diesel
A lei complementar 192/2022 deu duas alternativas aos estados: congelar a base de cálculo do ICMS com base em uma média de cinco anos; ou reformar o tributo e passar a cobrar uma alíquota fixa sobre o preço do litro de diesel na origem (monofasia).
O Confaz decidiu adotar uma alíquota fixa de R$ 1 por litro, a partir de 1º de julho, com validade de 12 meses. O Conselho, porém, não fixou a mesma cobrança em todo o país.
Sem um mecanismo de compensação, a alternativa de criar uma alíquota única nacional forçaria ganhos em alguns estados ou perdas em outros.
Os estados definiram, então, a possibilidade de aplicação de um desconto sobre a alíquota padrão –permitindo a alguns estados chegarem à sua alíquota atual.
Os estados mantêm os preços de referência para cálculo do ICMS congelados desde novembro do ano passado e, com isso, calculam uma redução da carga tributária de R$ 37 bilhões até o fim de 2022 e de mais de R$ 50 bilhões até julho de 2023 — ao passo que a desoneração dos impostos federais tem um custo estimado em R$ 16,6 bilhões para o governo federal em 2022.
“Muitos estados praticam [aproximadamente] R$ 4,70 a base para o diesel, quando os preços atuais do mercado estão na casa de R$ 7… Como não houve um enorme sacrifício e uma grande contribuição dos estados?”, rebate Padilha.
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Ao fixar a alíquota do diesel em R$ 1 por litro, segundo ele, os estados respeitaram o patamar atual de arrecadação — já considerado o congelamento do ICMS.
“A base de cálculo fixada pelo convênio traz a base congelada desde novembro [de 2021]. Os estados, de forma unânime, deliberaram que a carga tributária será a mesma por 12 meses, até julho de 2023”, disse.
Críticos aos estados dizem que o imposto foi congelado em patamares altos; os estados alegam, por outro lado, que a despeito do congelamento do ICMS, os preços para o consumidor continuaram subindo em função de outros fatores — como os reajustes da Petrobras.
O problema não é apenas a disparada da cotação do barril de petróleo ou a alta taxa de câmbio. Há escassez de diesel no mercado internacional, o que provoca um deslocamento das margens do combustível, que fica ainda mais caro.
O mundo, que ainda lida com efeitos da pandemia de covid-19 e foi arrastado para os efeitos da guerra de Vladimir Putin contra a Ucrânia, vive uma quebra das cadeias de produção, agravada pela ruptura na oferta de combustíveis e óleo da Rússia.
Nem o congelamento do ICMS, nem a desoneração federal, nem os longos prazos entre reajustes da Petrobras foram capazes de conter o aumento dos combustíveis — que retroalimenta o IPCA.
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Guedes trava subsídio
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse, logo após a aprovação do PL 1472/2021 no Senado, que apenas com a piora da crise provocada pela guerra na Europa, o governo começará a “pensar em subsídio”.
O texto que cria o fundo de estabilização foi relatado pelo senador Jean Paul Prates (PT/RN), em uma articulação que envolveu as lideranças do governo federal na Casa, base e partidos do Centrão.
Além do fundo, o PL inclui um vale-combustível que mira motoristas autônomos. A medida partiu do próprio governo federal, após reuniões com Prates e outros senadores.
Um voucher é a opção preferida da equipe econômica, e não o fundo ou conta de estabilização. Tudo isso é discutido desde o ano passado e nada saiu do papel, enquanto a crise derruba presidentes da Petrobras e, mais recentemente, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
“Não adianta jogar a bomba na mão dos governadores através da mentira que a diminuição da alíquota do ICMS é a solução, quando sabemos que logo à frente será sempre engolida pelas variações sucessivas do dólar e do barril de do petróleo”, disse Padilha.