RIO — O novo reajuste dos preços dos combustíveis da Petrobras, a partir de sábado (18/6), promete corroer a redução dos preços que o governo prometeu com o pacote de corte de impostos anunciado por Jair Bolsonaro (PL) na semana passada.
A estatal anunciou um aumento de 14,25% no preço do diesel e de 5,2% no preço da gasolina vendida às distribuidoras.
O repasse desses reajustes, para o consumidor final, poderá ser maior ou menor, a depender do comportamento do restante da cadeia (distribuidoras e postos).
A tendência, contudo, é de mais inflação nas bombas nas próximas semanas, conforme os demais agentes de mercado se ajustem aos novos preços.
Alta no diesel consome desconto com PEC prometida
A alta de 70 centavos no preço do diesel da Petrobras é praticamente do mesmo tamanho do que a redução de preços estimada com o pacote de desoneração — de 76 centavos, segundo estimativas apresentadas pelo relator do PLP 18/2022 (teto do ICMS) no Senado, Fernando Bezerra (MDB/PE).
Na prática, portanto, o corte de impostos — quando começar a valer — servirá mais para anular os efeitos do novo reajuste da Petrobras do que baratear o combustível de forma substancial em relação aos patamares atuais — de R$ 7 o litro, nas bombas, de acordo com a ANP.
Entenda a desoneração do diesel: a desoneração adicional do diesel, contudo, nem sequer foi aprovada pelo Congresso Nacional. Com a PEC dos Combustíveis, o governo Bolsonaro prometeu transferir R$ 29,6 bilhões da União para os estados que zerarem o ICMS do diesel, simultaneamente com o GLP e a redução da alíquota do etanol para 12%. Texto precisa ser aprovado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, onde a tramitação é mais demorada, por se tratar de uma emenda à Constituição. Votações estão previstas para começar na segunda (20/6).
O que foi feito: desoneração do PIS/Cofins (federal) do diesel fóssil e do biodiesel a partir de março, até 31 de dezembro de 2022 – o que representa um desconto de 33 centavos por litro de diesel B10 vendidos na bomba. Estados mantém o congelamento do Preço médio ponderado ao consumidor final (PMPF), que é a base de cálculo do ICMS, desde novembro de 2021. Os efeitos variam por estado, mas os preços, para o consumidor, continuaram subindo, mesmo com o PMPF congelado.
Promessas: o governo Bolsonaro promete, por meio da PEC dos Combustíveis, ratear até R$ 29,6 bilhões entre estados que toparem zerar o ICMS do diesel até 31 de dezembro de 2022. Hoje, são 82 centavos, em média, de ICMS.
No meio do caminho: ações no STF, movidas pela Advocacia-Geral da União (AGU), tentam antecipar a desoneração do ICMS do diesel, forçando os estados a cobrarem o ICMS sobre a média de preços de 60 meses, reduzindo mais a base de cálculo. É uma alternativa prevista no PLP 11, uma tentativa de reformar o ICMS dos combustíveis.
Vale lembrar, ainda, que o PLP 18/2022 (teto do ICMS) tem um efeito limitado sobre o diesel, já que as alíquotas praticadas para o produto já são, na maioria dos estados, menores que o teto de 17% a 18% previsto no projeto de lei aprovado esta semana no Congresso.
Gasolina: desoneração é rápida, mas queda nas bombas, nem tanto
No caso da gasolina, Bezerra citou, na semana passada, que a expectativa de redução era de R$ 1,65 por litro com a isenção temporária dos tributos federais e com o novo teto do ICMS.
Bolsonaro, por sua vez, tem dito, sem apresentar as referências utilizadas no cálculo, que o preço do litro da gasolina pode cair R$ 2 nas bombas. E que o litro do diesel ficará R$ 1 mais barato.
Para efeitos de comparação, o reajuste anunciado pela Petrobras nesta sexta-feira (17/6) é de 20 centavos. Nesse caso, o preço do derivado tende a cair, quando o pacote de desoneração começar a valer — embora num patamar menor.
São estimativas e promessas.
Entenda a desoneração da gasolina e do etanol: no PLP 18/2022, do teto do ICMS, o governo bancou e o Congresso Nacional aprovou a desoneração total dos impostos federais da gasolina comum (com 27% de etanol anidro) e do etanol hidratado, biocombustível substituto da gasolina. A PEC dos Combustíveis também exige a redução da alíquota do etanol para 12%.
Quanto aos impostos federais, são 69 centavos de desconto no PIS/Cofins e CIDE da gasolina comum, sendo 89 centavos na gasolina (73%) e 13 centavos no anidro (27%). Além de 24 centavos no etanol hidratado, até 31 de dezembro de 2022. A medida ainda não está em vigor.
O que foi feito: desoneração do ICMS, já que os estados também mantêm o congelamento da base de cálculo do ICMS desde novembro de 2021, como ocorre com o diesel. Hoje são cobrados R$ 1,75 por litro, na média nacional.
Promessas: ao fixar o teto do ICMS para os combustíveis, o PLP 18/2022 reduzirá a carga tributária da gasolina e etanol nos estados. O principal efeito é na gasolina, onde o ICMS médio (2021) ultrapassa os 25%, chegando a mais de 30% em alguns estados.
No meio do caminho: ações no STF, de novo. Estados e governo federal discutem na corte a legalidade das alíquotas, com a possibilidade de o teto do ICMS aprovado pelo Congresso Nacional ser também questionado. Tirando a judicialização, o corte no ICMS não é imediato: é preciso internalizar as medidas nas leis estaduais
Foguetes e penas
Em todos os casos, há o efeito da diluição da desoneração na cadeia de combustíveis. Esse efeito é chamado de “foguete e pena”, isto é, os preços sobem rapidamente, mas demoram a cair.
Em síntese, é assim: quando o suprimento do combustível (primeiro elo da cadeia) é subsidiado, desonerado ou simplesmente os preços recuam pela dinâmica do mercado, os elos seguintes da cadeia ainda têm estoques e compromissos com um combustível mais caro que o do supridor. Assim, os preços mais altos são transmitidos para frente, até a bomba, antes de baixar. É a pena.
Essa transmissão de preços pode ser acelerada pela concorrência, seja entre empresas ou entre produtos, com a substituição de combustíveis, por exemplo. São questões estruturais, que não mudam da noite para o dia.
Mas quando os preços de suprimento sobem, toda a cadeia precisa se antecipar para se adequar aos novos custos de reposição dos estoques (a compra futura, a preços mais caros). É o foguete.
R$ 65 bilhões do contribuinte e combustível continua subindo
Ao todo, o pacote de desoneração anunciado pelo governo custará R$ 64,8 bilhões aos cofres da União em 2022, incluída a isenção dos impostos federais sobre o diesel e gás de cozinha já vigentes.
O pacote de desoneração dos combustíveis anunciado pelo governo tem três eixos:
- PLP 18/2022: fixa o teto da alíquota de ICMS — de 17% a 18%, na maioria dos casos — sobre os combustíveis. A matéria também zera, até o fim do ano, os impostos federais (PIS/Cofins e Cide) sobre a gasolina, etanol e gás natural veicular (GNV). O texto já foi aprovado no Congresso e aguarda a sanção presidencial;
- PEC 15/2022, dos Biocombustíveis: tem como objetivo manter a diferenciação da carga tributária do etanol em relação à gasolina. A matéria foi aprovada no Senado e está na Câmara dos Deputados;
- PEC 16/2022, dos Combustíveis — que permite à União compensar, até o fim do ano, os estados que optarem por zerar ICMS sobre diesel e o gás de cozinha (GLP) e por reduzir para 12% o tributo sobre o etanol. O orçamento, para essa compensação, está limitado a R$ 29,6 bilhões. A expectativa é que a proposta seja votada no Senado na próxima semana.
O aumento dos preços da Petrobras se dá diante dos alertas dados pela companhia sobre riscos de desabastecimento, em especial do diesel, no segundo semestre. E no meio de uma nova troca no comando da estatal.
O governo já indicou Caio Paes de Andrade para o lugar de José Mauro Coelho na presidência da companhia, mas a substituição ainda depende dos trâmites internos da Petrobras para ser efetivada.
Para aprofundar
- Que poder, de fato, Bolsonaro tem para mudar preços da Petrobras?
- Vai faltar diesel? Os riscos segundo Petrobras, MME e consultorias
- E se faltar diesel no Brasil? Saiba em que estados os riscos são maiores
- Por que o preço do diesel de descolou do preço do petróleo?
A ameaça de interferência nos preços da Petrobras
O reajuste da companhia já era esperado, dentro da equipe econômica do governo, diante da valorização do petróleo e dos derivados nas últimas semanas.
O governo, contudo, tentou pressionar a estatal a segurar os preços, enquanto o Congresso corre para aprovar o pacote de redução de impostos sobre os combustíveis.
Um dia antes de a Petrobras anunciar o aumento, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), disse que vai convocar uma reunião de líderes na segunda (20/6) para discutir a “política da Petrobras, que pertence ao Brasil e não à diretoria da Petrobras”.
Nesta sexta-feira, Bolsonaro afirmou, nas redes sociais, que a “Petrobras pode mergulhar o Brasil num caos”.
A pressão de Bolsonaro e seus aliados, incluindo Lira e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP/PI), se intensifica após o Congresso avançar, esta semana, com algumas das medidas do pacote de redução dos impostos.
A inflação dos combustíveis é tema altamente sensível para as pretensões eleitorais de Jair Bolsonaro (PL) este ano. O presidente da República tem feito ataques diretos à estatal e seus “lucros abusivos”, na tentativa de se descolar da responsabilidade pelo aumento dos preços dos derivados.
Pesquisa eleitoral Genial/Quaest, divulgada no dia 8, mostra que Bolsonaro continua sendo apontado como o principal responsável pelos aumentos dos preços dos combustíveis (28%), à frente da Petrobras (16%) e dos governadores (14%).
Em dois meses, o presidente demitiu dois presidentes da Petrobras e exonerou o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em meio às insatisfações com reajustes dos preços da estatal.
Antes da demissão de José Mauro Coelho, o economista Roberto Castello Branco (2019-2021) e o general Joaquim Silva e Luna (2021-2022) saíram, após crises envolvendo reajustes dos combustíveis. Caio Paes de Andrade será, portanto, o quarto presidente a assumir a estatal em pouco mais de um ano, desde abril de 2021.
O reajuste
A Petrobras estava há 39 dias sem mexer nos preços do diesel. No caso da gasolina, são 99 dias segurando reajustes.
O aumento se dá em meio à valorização do petróleo no mercado internacional, nas últimas semanas. De acordo com os dados da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), na abertura do mercado desta sexta-feira, antes do anúncio do reajuste, a Petrobras estava vendendo o litro do diesel, nas refinarias, a preços R$ 1,37 abaixo do preço de paridade de importação (PPI).
No caso da gasolina, a defasagem era de R$ 0,57. Isto é, o aumento anunciado pela petroleira cobre apenas parcialmente a defasagem para o mercado internacional.
A Abicom representa concorrentes da estatal, as tradings, no abastecimento do mercado doméstico.
Segundo a Petrobras, o preço médio do diesel passará de R$ 4,91 para R$ 5,61 por litro. O último ajuste ocorreu em 10 de maio. Considerando a mistura obrigatória de 90% de diesel fóssil e 10% de biodiesel para a composição do produto comercializado nos postos, a parcela da Petrobras no preço ao consumidor passará de R$ 4,42, em média, para R$ 5,05 a cada litro vendido na bomba. Uma variação de R$ 0,63 por litro.
Já no caso da gasolina, o preço do litro passará de R$ 3,86 para R$ 4,06 por litro. O último ajuste ocorreu em 11 de março. Considerada a mistura obrigatória de 73% de gasolina e 27% de etanol anidro para a composição do combustível vendido nos postos, a parcela da estatal no preço ao consumidor passará de R$ 2,81, em média, para R$ 2,96 a cada litro vendido na bomba. Uma variação de R$ 0,15 por litro, segundo a companhia.
Os riscos de desabastecimento, segundo a Petrobras
Pressionada a segurar os reajustes, a estatal brasileira tem reforçado junto ao governo as preocupações com a falta de diesel no mercado brasileiro, no segundo semestre. De acordo com a petroleira, o risco de desequilíbrio no mercado global, nos próximos meses, é justificado por três fatores:
- aumento sazonal da demanda mundial no segundo semestre — e, no Brasil, agravada pelo escoamento mais intenso da safra das commodities agrícolas;
- menor disponibilidade de exportações russas pelo prolongamento e agravamento de sanções econômicas ao país após a invasão da Ucrânia;
- e eventuais indisponibilidades de refinarias nos Estados Unidos e Caribe, diante da proximidade da temporada de furacões, de junho a novembro.
Em nota emitida na semana passada, em meio às intensas discussões no governo e no Congresso sobre medidas para atenuar a inflação dos combustíveis, a companhia reforçou que a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado global é “necessária para a garantia do abastecimento doméstico”. No Brasil, lembrou a estatal, 30% da demanda por diesel é abastecida via importação.
“Preços abaixo do mercado inviabilizam economicamente as importações necessárias para complemento da oferta nacional. Exemplos recentes de desalinhamento aos preços de mercado já se traduzem em problemas de abastecimento em países vizinhos ao Brasil”, destacou a Petrobras, em referência aos problemas de suprimento na Argentina.