RIO e BRASÍLIA – O projeto das eólicas offshore, que trouxe de volta diversas pendências setoriais por alocação de benefícios para fontes, despachou para o Senado Federal no dia mais intenso da ‘semana verde’ da Câmara dos Deputados uma solução para manter sob contrato, até 2050, térmicas a carvão mineral.
Não há, no texto, contrapartidas ambientais, como redução de emissões ou aumento da eficiência. Mas as empresas precisam abrir mão de descontos dados na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
A urgência é justificada no Congresso Nacional pela iminente descontratação das usinas na região do Sul, entre elas a usina de Figueira (PR), da Copel, com vencimento a partir de dezembro. A estatal foi privatizada este ano.
Se aprovado, o projeto beneficia Candiota 3, vendida esse ano pela Eletrobras para a Âmbar Energia, da holding J&F.
Interesse suprapartidário
É uma agenda suprapartidária: antes de entrar no texto sob relatoria de Zé Vitor (PL/RS), a recontratação das térmicas já tinha encontrado amparo em propostas dos senadores Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, a Sérgio Moro do União Brasil do Paraná.
O presidente da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), Pedro Lupion (PP/PR), citou especificamente o caso de Figueira como justificativa para a aprovação das emendas. Se não entrasse nesse projeto, entraria em outros, disse o deputado à agência epbr nesta quarta (29/11).
Na Câmara, passou com mais de 400 votos, com apoio da base petista aos liberais do Novo. A resistência, mínima, se deu pelo viés ambiental. O PSOL, aliado do governo, decidiu votar com o Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva (Rede).
“Não vamos aumentar emissão nenhuma”, afirma Fernando Luiz Zancan, presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), em defesa do texto. Isto é, o setor defende que as térmicas não vão adicionar um megawatt de potência fóssil na matriz, com a medida.
Sem contrapartidas ambientais
Os cientistas climáticos alertam, contudo, que é preciso diminuir e rápido. O mundo está distante da curva de redução de emissões necessárias para conter os eventos climáticos extremos e mais frequentes que fragilizam ainda mais os sistemas de energia. E quando falta, quem segura são as térmicas.
Há três meses, a violência das chuvas tem deixado um rastro de destruição na região Sul do país e estiagem, favorecendo queimadas no Norte, em razão dos desequilíbrios climáticos provocados pelo El Nino.
Questionado por que não condicionar a recontratação a contrapartidas ambientais, o executivo afirma que o setor tem compromissos de descarbonização e o impacto econômico nas regiões seria injustificável. “O setor de carvão precisa ficar de pé. Se fechar Figueira, acaba com uma cidade”.
Contratos inflexíveis
As novas emendas estabelecem diretrizes para remuneração de usinas térmicas a carvão mineral que têm contratos vencendo nos próximos anos. Poderão ser renovados em 2028, por mais por mais 22 anos.
O prazo, até 2050, foi escolhido em relação à meta de descarbonização da economia brasileira. Quando, em tese, as térmicas a carvão se adaptam para anular suas emissões.
Além disso, os novos contratos teriam inflexibilidade de 70%, a geração na base para atender a demanda do mercado cativo, onde está a maior parte dos consumidores.
Prazo está alinhado com os compromissos internacionais, argumenta Zancan. “Está no Acordo de Paris que precisa ser feita uma transição justa nos países em desenvolvimento”.
Sustenta a proposta também o fato de a geração a carvão representar cerca de 3% das matriz elétrica.
A “transição justa” é uma bandeira para defender que a descarbonização das matrizes energéticas não pode penalizar os trabalhadores e provocar choques econômicos.
Consumidores reagem
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Abrace e a União pela Energia, se manifestaram contra essas e outras medidas incluídas no texto das eólicas offshore. Elas reúnem, em sua maioria, consumidores industriais, que tentam acabar com os subsídios nas tarifas de energia.
“A Abrace recebeu com surpresa a imposição de mais subsídios ao carvão na conta de energia no momento em que o país deve seguir sua vocação de energia limpa, barata e segura”, diz a entidade.
Na CDE, foram mais de R$ 13 bilhões desde 2013, em valores corrigidos. O orçamento para o carvão mineral em 2024 é de R$ 1,217 bilhão.
Ambientalistas dentro e fora do governo federal são contra o plano de transição, que mantém as térmicas na matriz. Discussão, aliás, feita desde o gabinete de transição pelo grupo que viria a propor políticas para a pasta comandada por Marina.
Outras vitórias do carvão
Em janeiro de 2022, o setor carbonífero de Santa Catarina ganhou uma política com a sanção de Jair Bolsonaro (PL) à lei 14.299/22, que determinou à União a prorrogação da autorização do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, por 15 anos, a partir de 1º de janeiro de 2025. Era uma térmica da Engie, vendida para a Diamante Energia.
São as usinas que mais emitem carbono por cada MWh gerado. Candiota 3 e o complexo Jorge Lacerda lideram o ranking anual do Inventário de emissões atmosféricas, elaborado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). Figueira não, ela é uma térmica de 20 MW.
A mesma lei criou ainda o Programa de Transição Energética Justa (TEJ) para Santa Catarina, visando “alinhar as metas de neutralidade na emissão de carbono aos impactos econômicos e sociais e à valorização de recursos minerais e energéticos” – medida que o setor carbonífero defende que seja replicada nos outros estados do Sul.
“Somos da opinião que as termelétricas a carvão mineral têm um papel relevante a desempenhar em termos de segurança do abastecimento de energia elétrica durante o período de transição energética”, diz o relator Zé Vitor (PL/MG), no texto.
A justificativa incorpora a mentalidade presente há anos no planejamento energético brasileiro: caras e dependentes de subsídios na compra do carvão mineral, as usinas cumprem um papel de “desenvolvimento regional”.
Publicado na manhã de ontem, o texto com a inclusão das emendas para as térmicas a carvão foi aprovado no fim do dia, como havia garantido o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL).
A partir desta quinta (30), Lira e mais lideranças políticas e empresariais vão se reunir com a comitiva brasileira na COP28, em Dubai.