Garimpo em terras indígenas

CDH aprova regras para exploração mineral em terras indígenas

Texto autoriza garimpo mediante consentimento das comunidades, mas enfrenta críticas por impactos ambientais e sociais

Paulo Paim e Damares Alves, à mesa, durante reunião da CDH que autorizou garimpo em terras indígenas, em 20 de agosto de 2025 (Foto Geraldo Magela/Agência Senado)
Senadores Paulo Paim e Damares Alves durante reunião da CDH que autorizou o garimpo em terras indígenas (Foto Geraldo Magela/Agência Senado)

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado aprovou nesta quarta-feira (20/8) projeto que regulamenta a pesquisa e o garimpo em terras indígenas (PL 1.331/2022), autorizando a pesquisa e a garimpagem por terceiros desde que haja consentimento das comunidades afetadas.

O projeto é do senador Mecias de Jesus (Republicanos/RR), com relatório favorável da senadora Damares Alves (Republicanos/DF), e agora segue para a Comissão de Meio Ambiente (CMA).

O projeto proíbe a mineração industrial, a exploração em terras de povos isolados, a garimpagem em áreas de habitação permanente e em todos os espaços necessários à manutenção das tradições do grupo. De acordo com a regulamentação, a exploração não pode causar prejuízo à integridade cultural, social e econômica das comunidades.

Debate

Durante a votação, Damares, que também é presidente da CDH, defendeu que o tema seja tratado em uma comissão especial que reunirá todas as propostas sobre atividades econômicas em terras indígenas.

“Mais cedo ou mais tarde o Congresso terá que deliberar sobre o assunto. Se pudermos fazer isso nesta legislatura, que é madura e capaz de dialogar entre governo e oposição, teremos uma contribuição importante para o país”, afirmou a relatora.

O autor da proposta, senador Mecias de Jesus, destacou que a ausência de regulamentação mantém a exploração ilegal.

“O cenário atual de ausência de lei é que alimenta a exploração criminosa. O projeto garante salvaguardas constitucionais e assegura benefícios diretos às comunidades indígenas”, argumentou.

O senador Zequinha Marinho (Podemos/PA) apoiou a iniciativa.

“Por que o índio canadense está enriquecendo, exportando potássio para o mundo, inclusive para o Brasil, e o índio brasileiro não pode explorar suas riquezas de forma organizada?”, questionou.

Parlamentares da oposição manifestaram preocupação com a aprovação do texto. A senadora Augusta Brito (PT/CE) lembrou os impactos da mineração ilegal sobre mulheres e crianças.

“Nos povos ianomâmis, 570 crianças morreram entre 2019 e 2022, vítimas de desnutrição e doenças agravadas pelo garimpo. Não vejo urgência em aprovar agora sem ouvir verdadeiramente os povos indígenas”, declarou.

O número de crianças mortas citado pela senadora vem de apuração do portal de notícias Sumaúma, especializado em cobertura da Amazônia.

O senador Humberto Costa (PT/PE) também defendeu mais tempo de discussão.

“O garimpo tem provocado devastação florestal, contaminação dos rios por mercúrio e aumento da violência. O mais adequado é aprofundar o debate no grupo de trabalho já criado sobre o tema”, afirmou.

O Senado estabeleceu em abril um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de regulamentação do garimpo em terras indígenas, mas ele não chegou a se reunir.

O senador Rogério Carvalho (PT/SE) apresentou voto em separado pela rejeição da matéria.

Ele alegou risco de violação à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata dos direitos dos povos indígenas, e destacou os efeitos nocivos do garimpo, como contaminação por mercúrio, exploração sexual de indígenas e envolvimento do crime organizado.

O senador Paulo Paim (PT/RS) confirmou o voto contrário do partido.

“Nós sabemos qual é o resultado aqui, mas queremos que essa matéria seja encaminhada ao grupo de trabalho, junto com as demais sobre mineração em terras indígenas”, disse.

Participação

De acordo com a proposta, os indígenas receberão de 2% a 4% do faturamento bruto da comercialização do minério garimpado. A distribuição será proporcional quando o garimpo for realizado em mais de uma terra indígena.

O texto também prevê compensação financeira a estados, Distrito Federal e municípios pelo aproveitamento dos recursos minerais, sendo que as alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) serão limitadas a 4%.

Além disso, os indígenas poderão ser contratados como mão de obra pelos beneficiários da autorização de pesquisa ou concessão de garimpo.

Consulta prévia

O projeto estabelece como condições para a realização das consultas prévias às comunidades indígenas:

  • Uso da língua materna ou oficial, com a presença de intérprete quando os interlocutores não souberem o idioma
  • Participação de instituições representativas dos povos interessados
  • Discussão sobre direitos humanos, meio ambiente, acesso à água e medidas de gestão para melhorar a qualidade de vida das comunidades
  • Avaliação das preocupações e expectativas das comunidades e medidas de prevenção e compensação
  • Procedimento adequado às circunstâncias e à boa-fé, decisão por maioria e proibição de decisão unilateral de lideranças indígenas

A consulta deverá ser feita em até três meses, prazo que poderá ser renovado por igual período.

O texto original previa que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) viabilizasse o ingresso de terceiros nas terras indígenas para a realização da consulta, mas Damares Alves apresentou emenda para estabelecer que esse ingresso seja objeto de regulamento específico, sem menção à Funai.

Emendas

Outra mudança feita pela relatora foi a exclusão da menção a “terras indígenas homologadas ou em processo de demarcação”.

O texto original previa que a regulamentação se aplicava especificamente a essas terras. Segundo a senadora, essas são apenas duas das fases pelas quais passa o processo de regularização. Assim, o projeto passa a abranger todas as terras indígenas.

Damares também retirou a menção à Agência Nacional de Mineração (ANM), que restringia a exploração às áreas de garimpo previamente autorizadas pela agência. Segundo ela, a medida violava o princípio da separação de Poderes, já que a ANM pertence ao Poder Executivo.

Outra exclusão foi a de prazo de 90 dias para o Executivo regulamentar a lei decorrente do projeto. Segundo Damares, não cabe ao Poder Legislativo fixar prazo para o Executivo regulamentar normas aprovadas pelo Congresso.

Reportagem de Vinícius Gonçalves, sob supervisão de Patrícia Oliveira.

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