Bastidores do CNPE

Lula cobra combate a fraudes e ação contra lobby internacional

Lula defendeu que empresários que “fazem sacanagem” sejam retirados do setor e cobrou rigor dos órgãos públicos para dar credibilidade a aumento de misturas

Lula na cerimônia que sacramentou o E30 (etanol) e B15 (biodiesel), após o CNPE de 25/06/2025 (Tauan Alencar)
Lula na cerimônia que sacramentou o E30 (etanol) e B15 (biodiesel), após o CNPE de 25/06/2025 (Tauan Alencar)

BRASÍLIA e RIO – A reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de quarta-feira (25/6) transcorreu de forma breve e protocolar, apenas para ratificar a antecipação dos novos mandatos de biodiesel e etanol — o B15 e o E30 — para 1º de agosto.

Segundo relatos obtidos pelo eixos pro, cobertura exclusiva para empresas (teste grátis), Lula defendeu que empresários que “fazem sacanagem” sejam retirados do setor e cobrou rigor dos órgãos públicos, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e do Ministério de Minas e Energia (MME).

Sem contestações, a decisão já estava tomada nas reuniões internas entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e outros órgãos do governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez durante a reunião uma intervenção curta, de cerca de dez minutos.

Não se discutiu, contudo, a crise orçamentária. A quebradeira é geral: agências reguladoras, estatais dependentes e os próprios ministérios estão tendo dificuldades para fechar as contas após o bloqueio de R$ 30 bi em maio, que desencadeou a crise do IOF.

Na ANP, os congelamentos de R$ 35 milhões sofridos em maio levaram à suspensão do monitoramento da qualidade dos combustíveis (PMQC) e à redução das ações de fiscalização.

O orçamento discricionário da ANP caiu para R$ 105,7 milhões — patamar considerado crítico pelas áreas técnicas da agência.

A decisão de retomar o B15 foi embasada no retorno dos índices de conformidade do diesel B aos patamares históricos (98%), na intensificação das fiscalizações — com aumento de 120% nas ações entre janeiro e fevereiro — e na interdição cautelar de cinco distribuidoras por fraudes. Todas ações tomadas pela ANP no início do ano.

Nas mãos da agência, contudo, estão um cronograma atrasado de ações com efeitos fiscais relevantes, a exemplo da revisão dos preços de referência do petróleo, usado no cálculo de royalties e participações especiais. O governo federal, incluindo aí os ministérios de Minas e Energia e a Fazenda, cobram uma definição.

A mudança começou em 2022, com um decreto de Jair Bolsonaro (PL), na reta final do governo. Agora, a publicação da resolução está prevista para julho deste ano. A proposta mais recente, da segunda consulta pública, criava um período de carência e transição de 18 meses.

Lula provoca montadoras e defende indústria nacional

Nos bastidores, Lula citou como exemplo o uso de caminhões movidos a B100 pela empresa da família de seu ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Os veículos da Scania, aptos para operar com 100% de biodiesel, foram usados para argumentar contra o lobby das montadoras — especialmente as europeias — contrárias à ampliação da mistura.

Segundo o presidente, há espaço para desenvolver uma indústria automotiva nacional compatível com uma matriz energética mais limpa, baseada em etanol e biodiesel. A crítica foi dirigida a quem resiste a adequar veículos ao aumento dos mandatos de biocombustíveis.

Segundo relatos, o presidente defendeu que o Brasil não pode ser “subordinado” a cadeias tecnológicas sob domínio de empresas estrangeiras, que são usadas em estratégias de reserva de mercado.

Não houve, dizem as fontes, um debate sobre a disputa entre biocombustíveis e a eletrificação das frotas, mas essa é uma pauta histórica do agro brasileiro.

Não apenas mobilizar as cadeias nacionais, mas exportar os biocombustíveis, especialmente o etanol e o motor flex, como solução para descarbonização de frotas.

Segundo integrantes do CNPE, durante a reunião, Alexandre Silveira indicou que qualquer elevação futura da mistura de biodiesel além dos 15% dependerá de novos estudos técnicos do MME e da ANP. O ministro defendeu “zelo” e “total segurança” antes de avançar em novas metas.

A Lei do Combustível do Futuro ampliou o teto da mistura para 20% (B20) — e um cronograma para tal é a próxima mobilização do setor –— podendo chegar a 25%.

Diplomacia do etanol de milho

A reunião também serviu de palco para reforçar a ofensiva diplomática do governo brasileiro por padrões mais justos de contabilidade de emissões no setor de biocombustíveis. Lula voltou a citar a falta de reconhecimento, por parte dos EUA e da Europa, da “safrinha” de milho brasileira como diferencial climático.

A participação do chanceler Mauro Vieira no evento serviu de apoio simbólico à agenda. O Brasil defende a chamada “tropicalização” das metodologias internacionais sobre uso da terra direto e indireto (LUC e iLUC), que penalizam o ciclo de vida do etanol de milho nacional, mais limpo do que o americano.

A pressão brasileira ganhou apoio da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e da FAO, e foi incorporada ao documento final do G20, que menciona a necessidade de “metodologias que levem em conta circunstâncias nacionais e evidências científicas do IPCC”.

Apesar disso, os EUA seguem resistentes a reconhecer a vantagem ambiental brasileira — um impasse que compromete o acesso do etanol de milho nacional aos mercados internacionais e freia o avanço da diplomacia climática do governo.

“Muita gente dizia que se fôssemos fazer biodiesel ia faltar alimentos no mundo. O Brasil não precisa desmatar para crescer. Não tem possibilidade de alguém fazer discurso de que biocombustível compete com alimento”, afirmou Lula, durante o evento que sucedeu a decisão.

O CNPE desta quarta (25/6) chegou a ser previsto para meados de julho, com uma pauta mais ampliada, mas o ministro decidiu convocar o colegiado apenas com os dois itens, E30 e B15.

Os aumentos nos preços dos combustíveis no mercado internacional, após mais uma escalada na guerra de Israel no Oriente Médio, abriu uma janela para reforçar a decisão de elevar as misturas obrigatórias.

O governo federal prevê uma queda de até R$ 0,11 por litro no preço da gasolina com a entrada em vigor da mistura obrigatória de 30% de etanol anidro, a partir de 1º de agosto.

O impacto, contudo, dependerá do comportamento das margens ao longo da cadeia, especialmente na distribuição e revenda.

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