Opinião

Terraplanismo solar: quando a retórica esconde a realidade

Infraestrutura e modelo tarifário defasados exigem modernização tecnológica e regulatória no sistema elétrico brasileiro, escreve Sydney Ipiranga

Dois trabalhadores instalam placas fotovoltaicas sobre telhado para geração solar (Foto Natinho Rodrigues)
A geração distribuída no Brasil fechou 2024 com mais de 35 GW de potência acumulada em operação | Foto Natinho Rodrigues

É comovente ver a nostalgia evocada para embasar argumentos sobre o setor elétrico. Remeter ao terraplanismo como analogia é, sem dúvida, uma tentativa ousada, quase poética, de misturar causa com efeito.

Quem diria que conceitos científicos e tecnológicos avançados, como a geração distribuída ou recursos energéticos distribuídos, seriam comparados ao debate de um planeta plano?

Talvez o autor dessa analogia tenha se inspirado na simplicidade de uma visão míope e plana para tentar simplificar um tema complexo; o resultado ficou mais parecido com uma teoria da conspiração do que com um argumento sólido.

Se fôssemos seguir esse raciocínio, poderíamos argumentar que a energia elétrica funciona por mágica, e não graças a séculos de ciência e inovação.

“Apontar para a geração distribuída como a responsável pelo aumento desta tarifa é desconsiderar todos os outros fatores que fazem os tais 72% serem valores altos”

Às vezes a criatividade pode ser usada para distrair da realidade – especialmente quando se tenta desviar a atenção do fato de que as distribuidoras de energia, são as verdadeiras campeãs nacionais de benefícios e subsídios governamentais, se locupletando das mais variadas benesses públicas e privadas

Tudo isso às custas das limitações impostas aos consumidores brasileiros para escolherem seu fornecedor de energia, ou mesmo, produzirem a própria energia.

Para tanto, falar em tarifa de energia a princípio parece ser simples, mas só parece mesmo.

Apontar para a geração distribuída como a responsável pelo aumento desta tarifa é desconsiderar todos os outros fatores que fazem os tais 72% serem valores altos. No mais, ainda, em atraso, não houve a definição dos custos e benefícios da MMGD no setor elétrico e somente após estes estudos teremos um resultado para debater.

Por agora, é possível afirmar que, se são necessários investimentos na rede de distribuição para absorver os microgeradores de energia, isso decorre da existência de uma infraestrutura completamente comprometida e defasada das distribuidoras, um fato incontestável.

Por sua parte, a estrutura tarifária atual já não corresponde mais ao comportamento dos consumidores de energia.

Os recursos energéticos distribuídos (geração distribuída, armazenamento, veículos elétricos, automação residencial, etc) passam a ter uma grande influência no sistema elétrico, passando o sinal de preço a ser protagonista nessa metodologia de preço, pois é o principal condicionante de resposta em relação ao consumo de energia, assim exigindo uma modernização da tarifa.

Nesse ponto, já existe uma agenda regulatória em progresso na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Como dito, o sinal de preço é um mecanismo crucial para transmitir aos consumidores as condições de custo da energia, incentivando o uso eficiente e promovendo comportamentos que beneficiem o sistema elétrico como um todo.

Ele reflete os custos reais de geração, transmissão, distribuição e encargos associados, além de desempenhar um papel estratégico no incentivo a investimentos em eficiência energética e tecnologias sustentáveis (recursos energéticos distribuídos).

Tabela 1 - Orçamento Anual da CDE 2025 (Fonte ABGD)
Tabela 1 – Orçamento Anual da CDE 2025
Tabela 2 - Encargos Setoriais (Fonte ABGD)
Tabela 2 – Encargos Setoriais

É possível observar nos processos tarifários das distribuidoras de energia que as perdas técnicas e não técnicas geram custos, afinal, nem toda a energia elétrica produzida chega ao consumidor final, sendo necessário levar em conta, além da energia destinada ao atendimento dos consumidores, as perdas que ocorrem durante o processo de transformação, transmissão e distribuição, que são características do sistema.

A característica da MMGD é estar próxima à carga, diminuindo os efeitos de perdas técnicas.

Também são consideradas perdas relacionadas a furtos de energia, falhas em medições, erros no processo de faturamento e unidades consumidoras que não possuem equipamentos de medição, ou seja, custos que podem ser otimizados com tecnologias avançadas. É preciso modernizar; não somente a infraestrutura, mas também as ideias.


Sydney Ipiranga é diretor Técnico da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) e CEO da Energia Brasil.

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