RIO – Em meio às discussões sobre medidas para baratear as contas de energia e a inclusão de novos custos nas tarifas, o consumidor brasileiro encerra 2023 insatisfeito com as altas contas de energia elétrica e as quedas no suprimento, que ocorreram em diversos momentos ao longo do ano.
As causas dos problemas no setor são distintas, mas estão relacionadas sobretudo ao alto valor de subsídios pagos por meio das tarifas, furto de energia e a transformações provocadas pela adaptação às mudanças climáticas e adoção de novas fontes, tecnologias e modelos de contratação.
No último mês, o Congresso Nacional foi palco de discussões que podem aumentar ainda mais os itens custeados pelas tarifas. É o caso dos incentivos a usinas a carvão mineral e a projetos de geração a gás natural, incluídos como emendas no projeto de lei das eólicas offshore (PL 11247/2018), que foi aprovado na Câmara.
O cenário pode ter um peso anual de R$ 25 bilhões nas contas de luz até 2050, segundo a PSR. Outra simulação, feita pela TR Soluções, estimou que o custo das medidas podem chegar à ordem de R$ 35 bilhões por ano. Há expectativa de que os temas sejam tratados em medida provisória a ser publicada pelo governo nesta segunda-feira (18/12).
Entenda a seguir os motivos para os altos custos da fatura e a crise das distribuidoras no país:
- A tarifa brasileira é cara em relação a outros países?
- Como é a composição da fatura de energia no Brasil?
- Qual o valor dos subsídios pagos pelos consumidores?
- Por que os subsídios são tão altos?
- O furto de energia deixa a conta mais cara? Quanto?
- Qual é o impacto das bandeiras tarifárias?
- Como têm sido os reajustes nos preços da energia?
- Há relação entre o alto custo e os recentes casos de falta de luz?
- Por que as distribuidoras estão em crise se arrecadam tanto dinheiro?
A tarifa brasileira é cara em relação a outros países?
Um levantamento da Abrace, associação que representa consumidores de energia, apontou que em 2022 o Brasil teve o maior custo residencial com energia elétrica na comparação com 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na prática, a pesquisa mostrou que o peso da tarifa no orçamento familiar foi mais alto no Brasil do que nos países mais desenvolvidos do mundo.
Como é a composição da fatura de energia no Brasil?
A conta final de energia paga pelo consumidor é composta pelo volume consumido multiplicado pela tarifa de cada distribuidora, que é definida pela Aneel. A esse valor, são somados os tributos e o custo das bandeiras tarifárias, ferramenta usada para indicar o volume de água disponível no reservatório das hidrelétricas.
Dentro do valor da tarifa, estão incluídos a geração de energia, a distribuição e a transmissão. Também estão incluídos nessa parcela os encargos do setor, que são os valores dos subsídios destinados a políticas públicas, como subsídios, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Um estudo do Instituto Acende Brasil em parceria com a PwC apontou que tributos e encargos representaram 48,1% do faturamento de 2022 das empresas do setor elétrico brasileiro, incluindo geradoras, transmissoras e distribuidoras.
No caso das contas pagas pelos consumidores, especialistas apontam que o item que mais cresceu nos últimos anos foram os encargos. Nos cálculos da diretora da consultoria PSR, Ângela Gomes, em 2013 os encargos representavam 4,5% da tarifa de energia, sem tributos, percentual que hoje está em 15%.
“A maioria desse valor é para cobrir subsídios que hoje já não são mais necessários. Uma parte diz respeito à tarifa social, mas é uma parcela pequena”, diz.
Qual o valor dos subsídios pagos pelos consumidores?
Até o início de dezembro, os consumidores brasileiros pagaram quase R$ 32 bilhões em subsídios nas contas de luz, segundo o “subsidiômetro”, ferramenta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Ao todo, as subvenções representam em média 13,4% das tarifas de energia dos consumidores residenciais.
“O grande vilão da conta de luz são os encargos, que são subsídios, alguns deles que não têm relação direta com a prestação do serviço de eletricidade”, diz o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales.
Por que os subsídios são tão altos?
A CDE reúne a maior parte dos subsídios existentes na tarifa de energia elétrica, destinados a políticas públicas.
Em 2023, o custo da CDE foi de R$ 34,99 bilhões. Desse valor, R$ 12 bilhões foram usados para custear as usinas termelétricas de regiões que ainda não estão conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN), sobretudo no Norte do país. Há R$ 11,7 bilhões usados para compensar descontos nos custos de transmissão e distribuição concedidos a fontes incentivadas, como as renováveis.
Outros R$ 5,6 bilhões foram para a tarifa social, subsídio dado a consumidores de baixa renda. O restante corresponde a valores destinados para a universalização do acesso a eletricidade, subsídios ao carvão mineral e irrigação agrícola, além de provisões.
Para 2024, a previsão é que a CDE fique em R$ 37 bilhões, conforme proposta da agência reguladora. Segundo a Aneel, o aumento do valor em relação ao ano anterior tem relação com as variações dos valores de subsídios para o modelo de geração distribuída, no qual o consumidor gera a própria energia. Além disso, a CDE de 2023 foi beneficiada por maiores descontos do valor levantado pelo governo com a privatização da Eletrobras, em 2022.
Esta semana, um grupo de oito entidades setoriais que reúne geradores, distribuidores, comercializadores e consumidores se reuniu contra as medidas propostas no PL das eólicas offshore.
“O Congresso Nacional ao invés de trabalhar para reduzir os custos de energia por meio de medidas que diminuam os benefícios injustificados a segmentos específicos, vem fazendo justamente o contrário. (…). Eles trazem para a conta esses jabutis que acabam custando cada vez mais para o consumidor e para o investidor”, disse em coletiva Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).
O furto de energia deixa a conta mais cara? Quanto?
Sim. O furto de energia encarece as contas de quem paga corretamente. Em 2022, as “perdas não-técnicas”, nome oficial dos “gatos” de luz, foram, em média, de 14,56% no Brasil. Em algumas distribuidoras, mais de 50% da energia consumida é furtada, casos de Light (56,7%), CEA Equatorial (89,7%) e Amazonas Energia (119,5%).
Qual é o impacto das bandeiras tarifárias?
Desde abril de 2022, o peso das bandeiras na tarifa tem sido nulo, dadas as boas condições para a geração hidrelétrica, que fizeram com que o índice permanecesse no nível verde. A revisão é feita mensalmente pela Aneel, desde 2015.
O caso recente de maior impacto das bandeiras nas contas foi no segundo semestre de 2021, quando uma forte estiagem fez com que fosse implementada a bandeira roxa, nível mais alto criado de forma emergencial, com a cobrança adicional de R$ 14,2 para cada 100 quilowatts-hora (KhW) consumidos.
Este ano, a Aneel discute uma atualização dos preços cobrados nas bandeiras, para os seguintes valores:
- Verde: Sem cobrança adicional
- Amarela: R$ 1,885 para cada 100 KhW consumidos
- Vermelha 1: R$ 4,464 para cada 100 KhW consumidos
- Vermelha 2: 7,877 para cada 100 KhW consumidos
Como têm sido os reajustes nos preços da energia?
A Aneel estimava, ao final do ano passado, que os reajustes tarifários das distribuidoras brasileiras em 2023 seria, em média, um aumento de 5,6%. A agência previa que sete distribuidoras teriam altas maiores que 10%, enquanto outras 15 empresas teriam aumentos entre 5% e 10% e 30 companhias enfrentariam reajustes de até 5%.
Ao longo do ano, alguns dos aumentos incluíram uma alta de 9,32% no preço médio para os consumidores da Neoenergia Brasília, um acréscimo médio de 14,7% para os clientes da Equatorial Piauí e um reajuste médio de 7% para a área de concessão da Light.
O caso mais emblemático foi o da CEA Equatorial, no Amapá, que teve um aumento médio proposto pela agência de 44%. A discussão na agência sobre o tema foi suspensa até a publicação de uma medida provisória pelo governo para atenuar os impactos nos preços, prevista para a próxima semana.
Há relação entre o alto custo e os recentes casos de falta de luz?
Não há relação direta. Os casos de queda no suprimento recentes foram causados por impactos que não poderiam ter sido amenizados com os valores pagos nas contas de energia.
No caso do apagão de agosto de 2023, o blecaute foi causado por uma série de falhas em equipamentos e informações operacionais. Já os registros de problemas de fornecimento em São Paulo e no Rio de Janeiro foram frutos dos impactos de fortes ventos e chuvas sobre as redes das distribuidoras.
É importante ressaltar, no entanto, que as concessionárias de distribuição têm sofrido uma série de crises no país.
Por que as distribuidoras estão em crise se arrecadam tanto dinheiro?
Na prática, boa parte do valor pago pelo consumidor à concessionária na conta de luz não fica com a companhia, pois é usado para financiar outros custos do setor elétrico que não têm relação com a distribuição de energia.
Nas estimativas de Sales, cerca de 80% do valor final da conta de luz é destinado para custear geração, transmissão, impostos e encargos. Os outros 20% ficam com a distribuidora, incluindo valores para a operação das redes e para a remuneração da companhia.
A parcela referente à remuneração da distribuidora é definida pela Aneel, com base no cumprimento de indicadores de qualidade. As empresas são avaliadas de acordo com a frequência e duração das interrupções no fornecimento.
“É importante notar que esses indicadores vêm diminuindo. A regulação funciona, pois isso tem melhorado, a Aneel vem impondo essa redução das interrupções”, diz Sales.
Muitas concessionárias enfrentam problemas de sobrecontratação, pois contrataram geração de energia para atender aos clientes em leilões de longo prazo, mas a demanda esperada não se concretizou. Contribuiu para isso o crescimento de modalidades como a geração distribuída, que permite aos próprios consumidores gerarem a energia, e a migração para o mercado livre, no qual o consumidor contrata a carga diretamente com o gerador ou com uma comercializadora.
“Isso causa um gargalo no fluxo de caixa das distribuidoras”, diz Gomes.
Além disso, houve duas crises recentes de liquidez, que levaram a criação de empréstimos do setor elétrico junto a bancos. Foi o caso da conta-covid, que auxiliou a distribuidoras no momento inicial da pandemia, quando a inadimplência no pagamento das tarifas aumentou, e da conta de escassez hídrica, que ajudou o setor em 2021, quando uma seca afetou o reservatório das hidrelétricas e criou a necessidade de acionar termelétricas, mais caras.
Todo esse cenário ocorre em meio à necessidade de novos investimentos nas redes nos próximos anos para se adaptar às mudanças climáticas, que tendem a causar eventos climáticos extremos, com efeitos sobre a infraestrutura do setor. A diretora da PSR não acredita que seja necessário criar um empréstimo com esse fim, dado que os investimentos serão de longo prazo, mas ressalta que é necessário que o tema tenha mais atenção dos formuladores de políticas públicas.
“Existe uma miopia em relação a o que o sistema realmente precisa. São necessárias adaptações para as mudanças climáticas, para trazer mais resiliência para o setor. Existe essa questão urgente a ser resolvida, mas os formadores de políticas públicas têm apenas focado no aumento dos subsídios”, diz Gomes.
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