Gás para Todos

Vale-gás tem apoio do mercado, mas reacende racha por controle do botijão

Mercado de GLP vê no programa social do governo Lula uma alavanca para crescimento, mas agenda regulatória, que corre em paralelo, opõe revenda e distribuição sobre controle dos botijões de gás de cozinha

GLP entra no radar do MME. Na imagem: Envase de botijões de gás em planta de produção e envase a granel de GLP, em Fortaleza (Foto: Divulgação Grupo Edson Queiroz)
Envase de botijões de gás em planta de produção e envase a granel de GLP, em Fortaleza (Foto: Divulgação Grupo Edson Queiroz)

BRASÍLIA — O mercado de gás liquefeito de petróleo (GLP) entrou em rota de colisão diante do que pode vir a ser um capítulo à parte da criação do Gás para Todos, programa social gestado no governo Lula para substituir gradativamente o novo vale-gás

O Planalto pretende editar uma MP para colocar o projeto de pé este ano, mesmo com as restrições orçamentárias, que vão impor um ritmo mais lento de implementação, inicialmente pensado para atender 20 milhões de famílias.

De toda forma, a principal mudança será destinar recursos do orçamento da União para a aquisição de cargas de gás de cozinha, criando um vetor de crescimento do mercado.

Revendedores, que atuam na ponta, e distribuidoras de GLP entraram em choque, contudo, sobre os efeitos da proposta de reforma do desenho do mercado de botijões. Ambos segmentos estão mantendo reuniões no governo, disputando o saldo dessa discussão.

A reforma foi pensada na Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e abraçada pelo governo federal, que trabalha em uma minuta de decreto para acompanhar a MP do Gás Para Todos, como antecipou a agência eixos.

  • O governo e a ANP têm propostas para permitir o chamado enchimento fracionado e de outras marcas de botijões de até 13 kg, permitindo a autorização para instalação de postos destinados à prática. Está sendo chamado de “enchimento remoto”. Medidas seriam feitas por decreto e regulamentação da ANP.
  • Na MP, será criado o novo vale-gás, substituindo o atual pagamento bimestral de um valor equivalente ao preço de um botijão, pelo subsídio direto pela carga do gás de cozinha: um voucher para retirada nas revendas, proporcional ao tamanho das famílias de baixa renda e qualificadas no programa Gás para Todos.

Gás de cozinha subsidiado terá preço fixado na regulação  

Como a carga de GLP destinada às famílias beneficiadas será paga com recursos do orçamento da União, a regulamentação do Gás para Todos vai envolver a definição de um preço de referência para remunerar a revenda.

Foi um impasse importante na decisão de avançar com a medida provisória, diante de um pleito de empresas do setor que o programa trabalhasse com preços livres.

O governo parou para medir o risco de a fixação de preços levar a um desabastecimento do gás de cozinha disponível para o programa social, dado que a aderência é voluntária. Distribuição e revenda dão garantias que isso não vai ocorrer.

“Não vemos problemas de adesão da revenda [ao Gás para Todos], nosso setor tem excesso de competição. Vamos correr atrás para vender (…) Os revendedores estão aguardando o lançamento [do programa] pelo governo federal, para se cadastrar e aderir”, afirma o presidente da Abragas, José Luiz Rocha.

A entidade reúne sindicatos de varejistas no Acre, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Santa Catarina e é  associada à Fecombustíveis (varejo de combustíveis). 

O Brasil tem mais de 58 mil revendas autorizadas pela ANP.

Na distribuição, são 19 empresas de GLP que, por sua vez, têm 117 revendas autorizadas. O segmento é concentrado em quatro grandes grupos, com 90% do mercado: Copa Energia (24,7%); Ultragaz (22,8%); Nacional Gás Butano (21,32%); e Supergasbras (20,1%).

Os dados são do primeiro semestre de 2024, quando a ANP fez um raio-x do mercado ao propor o escopo da reforma na regulação. 

“Somos, absolutamente, entusiastas do programa, vamos apoiar e nos comprometer [com o governo] para que tenhamos, no mínimo, uma revenda por município oferecendo [gás de cozinha] por meio do Gás para Todos”, afirma Sérgio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás, representante das distribuidoras.

O executivo afirma que é natural ter uma adesão muito maior do que apenas uma revenda por município. 

“A gente sempre defendeu o subsídio direcionado para o GLP, não para vender mais gás [de cozinha], mas porque subsídios generalizados têm maior custo fiscal e menor potência social”, diz.

De fato, foi uma agenda do Sindigás em 2021, quando a pressão sobre os mais pobres levou o Congresso Nacional a criar o atual vale-gás atual. O orçamento reservado para este ano é de R$ 3,6 bilhões, que poderão ser utilizados para o novo programa; os modelos vão coexistir.

Regulação na esteira do vale-gás  

O consenso se encerra aí. Entre outros pontos, a mudança cogitada na regulação alteraria por completo o mercado de botijões, de forma a permitir que os agentes regulados possam ser autorizados pela ANP a encher, inclusive parcialmente, vasilhames de qualquer marca.   

Um revendedor poderia ter uma estação de enchimento, por exemplo. A proposta de regulação, a qual a eixos teve acesso, prevê exigências de segurança para esse “enchimento remoto” e responsabiliza o agente responsável, que deverá assegurar a integridade do botijão.    

A Abragas defende essa agenda junto ao governo como uma forma de dar mais concorrência no mercado e acelerar a redução de preços do GLP, na esteira da criação do programa social. 

Combateria o que o presidente da Abragas, José Luiz Rocha, chama de “turismo de botijões”.

Hoje, sob o argumento que é preciso garantir a segurança do envase e a integridade dos botijões, apenas a distribuidora que carimba a marca no vasilhame de 13 kg é autorizada a fazer a recarga. 

Quando o consumidor entrega o botijão vazio e recebe um cheio, pagando pela carga de combustível, os vasilhames são recolhidos para bases das distribuidoras, o que pode incluir uma logística inversa de destroca, para então serem abastecidos e retornarem ao mercado.

Rocha argumenta que a situação se torna mais evidente em regiões afastadas de bases de distribuição, em que é preciso retornar com “toneladas de aço” nos botijões vazios para reabastecimento pelas distribuidoras. 

“Qual o problema de fazer o enchimento em uma grande revenda?”, questiona Rocha. “Por que eu não posso enviar uma carreta de transporte a granel, com 30 toneladas de GLP, e reduzir o custo dessa logística reversa?”

Ele defende que essa atividade poderia ser exercida, com segurança, por revendedores enquadrados como classe V, nível de classificação de risco, com exigências de segurança a depender do porte das instalações. É estabelecido e fiscalizado pela ANP. 

Sindigás: Gás para Todos é viável sem enchimento remoto 

Para as distribuidoras, a proposta vai na contramão da redução de custos, criando um risco à segurança dos consumidores, além de pulverizar o mercado de forma a prejudicar os esforços de fiscalização. 

Hoje, cada distribuidora é a responsável pela requalificação dos botijões com suas marcas, realizada periodicamente. “Ao se admitir que uma empresa utilize botijões de outras marcas, resta impossível à ANP fiscalizar se todos esses procedimentos foram observados, o que compromete gravemente a segurança do consumidor”, afirmou o Sindigás a uma consulta da agência.     

Além disso, defende Bandeira de Mello, os associados do Sindigás estão comprometidos a colocar em circulação os botijões necessários para o sucesso do programa social.

“[Dizer] que a mudança regulatória é necessária para que o [social] programa fique de pé uma ligação completamente descabida e oportunista. Não existe nenhuma necessidade que isso aconteça”, afirma Bandeira. “Alegar que a redução da escala levará a redução de custos é um contrassenso em absoluto”.

O executivo afirma ainda que o debate deve transcorrer sob as competência das ANP. A agência estima que será possível concluir a reforma no primeiro semestre de 2026, após os ritos internos que incluem, ao menos, uma consulta pública de 45 dias.

O decreto seria uma forma de acelerar esse processo — normas ainda precisariam ser editadas na agência.

Não é sobre censurar o debate regulatório, defende Bandeira. “Tem que existir a todo tempo, e a gente considera que o ambiente adequado é a Agência Nacional do Petróleo. O que vemos é uma total desconexão [entre o debate regulatório] e a viabilidade do Gás para Todos”, completa.

Rocha desafia, contudo, o papel das distribuidoras no aumento do acesso ao GLP: “eles não precisam colocar botijão no mercado, que é super abastecido de vasilhames (…) Não há necessidade de o distribuidor investir nada, é zero”.

Segundo dados utilizados nos estudos da ANP, há cerca de 128 milhões de botijões de 13 kg em circulação no país, um patrimônio bilionário — um novo consumidor do combustível paga cerca de R$ 200 por um.      

“A revenda é a favor da quebra do monopólio e da liberação para entrada de novos agentes. Nós não temos a opção de comprar, somos obrigados a comprar dessas quatro companhias [maiores], ao preço que elas impõem”, diz Rocha sobre o market share da Copa, Ultragaz, Nacional Gás Butano e Supergasbras.

A MP do Gás para Todos se insere em um contexto político de maior protagonismo das políticas da área de energia com fins sociais. Ontem (6/5), antes de embarcar com Lula para uma viagem internacional, o ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira (PSD), anunciou que a MP da tarifa social está fechada.  

Com essa outra medida, o governo vai assegurar o consumo gratuito de até 80 kWh por mês para famílias mais carentes. Estima que serão alcançadas 14 milhões de famílias com a nova tarifa social.

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias