Enquanto o presidente Michel Temer tenta confirmar a superioridade de sua base aliada para enfrentar no plenário da Câmara dos Deputados a votação da denúncia feita contra ele pela Procuradoria-Geral da República (PGR) marcada para a primeira semana de agosto, os rumores sobre a possível transferência de parte da bancada do Partido Socialista Brasileiro (PSB) para o Democratas (DEM) agitam o cenário político no recesso parlamentar. Com mais de uma dezena de parlamentares entre os descontentes do PBS, a eventual migração seria mais uma amostra da força política do governo, ameaçado pela Lava Jato.
Acreditando na sobrevivência de Temer e interessado em permanecer na sua base, o grupo político liderado pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, e seu pai, o senador Fernando Bezerra Coelho, iniciou o diálogo com lideranças do DEM em junho.
O grupo votou em peso a favor da reforma trabalhista na Câmara e manteve-se ao lado de Temer mesmo após a direção nacional dos socialistas declarar a guinada do partido à oposição, em maio. Mais do que a fidelidade partidária, não estavam dispostos a perder o Ministério de Minas e Energia (MME).
Desde que assumiu a pasta em maio de 2016, Fernando Filho valeu-se da habilidade política da família e montou um time experiente para driblar a desconfiança de executivos do setor que desconheciam o então deputado de 32 anos. Desde então, o jovem ministro vem implementando uma agenda de reformas: trabalhou pelo fim da operação única e pela flexibilização das exigências de conteúdo local. Agora busca reformar o marco regulatório do gás natural (Projeto de Lei será enviado ao Congresso em agosto), o setor elétrico e de downstream.
Desde maio, políticos do grupo perderam espaço nas reuniões da legenda e foram afastados de presidências estaduais do partido – por determinação do próprio presidente da sigla, Carlos Siqueira. A retaliação foi o que levou o grupo a iniciar as conversas com o DEM.
Na cúpula do PSB, a decisão de pressionar os rebeldes é uma tentativa de unir a sigla na oposição ao governo Temer e em vistas à eleição presidencial de 2018. Sem uma postura unificada e sem candidato presidencial, o partido periga perder a dimensão que conquistou em 2014, durante a campanha de Eduardo Campos.
Fontes do lado socialista afirmam, no entanto, que os parlamentares descontentes ainda preferem manter-se no partido e esperam solucionar controvérsias internamente. Ainda há muitas variáveis no cenário político que podem reaproximar a bancada do PSB, a principal delas é o risco de desgaste irrecuperável da imagem de Temer, caso a procuradoria apresente novas denúncias contra o presidente – o que muitos esperam que aconteça antes do fim do mandato de Rodrigo Janot à frente da PGR, em 17 de setembro.
Se for além de um blefe, a migração em peso reforçará a bancada do DEM, que se tornará a quarta maior do Congresso com até 43 deputados e cinco senadores, atrás apenas de PMDB, PT e PSDB. Hoje o DEM tem 29 deputados (a oitava maior força na Câmara) e quatro senadores. Com o acréscimo, o DEM ultrapassaria inclusive o próprio PSB, que detém 36 deputados e seis senadores.
A negociação é uma amostra do cacife conquistado por Rodrigo Maia (DEM) nos últimos meses. À frente da Câmara dos Deputados, ele é apontado como nome natural à sucessão presidencial caso Temer seja processado e condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou seja forçado a renunciar – cenários que provocariam uma eleição indireta a ser definida no Congresso. Dessa forma, o grupo dos Bezerra Coelho garante a permanência no governo seja qual for o cenário definido nos próximos meses.
Ao lado de Maia, o prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto, acompanha atentamente as negociações entre os democratas. ACM Neto é outra liderança do partido com aspirações a candidatar-se à presidência da República, plano que pretende realizar em 2022.
A estratégia de inflar sua bancada a partir da adesão de parlamentares de outras siglas não é novidade na cúpula do DEM. Desde o começo da atual legislatura os principais caciques do Democratas apostam nessa linha de ação para reconquistar o espaço no Congresso que já tiveram nos anos de governo do PSDB. Em 2015, o DEM passou meses em uma negociação de fusão com o PTB. A tratativa não foi concluída por desavenças acerca de qual dos dois grupos ficaria com a presidência da nova legenda.
Agora, as negociações com os socialistas esbarram em obstáculos da política estadual. Em Pernambuco, de onde vem a maior parte dos descontentes do PSB, a transferência ameaçaria a liderança estadual de Mendonça Filho (DEM), atual ministro da Educação. Ele é o presidente do DEM pernambucano e um dos maiores opositores da hegemonia socialista no estado – conquistada nos anos em que Eduardo Campos ocupou o Palácio do Campo das Princesas, sede do executivo local.
Se a negociação dos Bezerra Coelho com os democratas se confirmar, o DEM poderia receber de bandeja a prefeitura de Petrolina, uma das quatro maiores cidades do estado, hoje governada por Miguel Coelho, irmão do ministro Fernando Filho. Com o embarque de um senador, um ministro e ao menos um prefeito no seu partido, Mendonça Filho veria sua posição estadual ameaçada. Para os Bezerra Coelho, ao contrário, a mudança marcaria o rompimento definitivo com o grupo político do governador Paulo Câmara, correligionário que desde o começo do governo Temer se opôs à participação do PSB no Ministério de Minas e Energia para não fortalecer o senador Fernando Bezerra Coelho, que foi preterido na escolha interna do partido à sucessão do governo estadual em 2014.
Dificuldades semelhantes surgem pelo menos nos estados de Mato Grosso, Mato Groso do Sul, Roraima e Ceará, onde estão outros correligionários da família Bezerra Coelho também dispostos a mudar de legenda.
Ainda assim, mantendo Pernambuco no centro do debate, na última sexta-feira Rodrigo Maia, ACM Neto e o próprio Mendonça Filho estiveram no casamento de Miguel Coelho. A presença era um claro sinal de que as negociações continuam e que o prestígio da família Bezerra Coelho os mantém no centro dessa articulação capaz de virar o tabuleiro político para Temer e catapultar Maia como liderança nacional.