RIO – A tramitação, no Congresso Nacional, de projetos de lei (PL) que tratam da reciprocidade ambiental em acordos internacionais tem recebido apoio de representantes do governo nos Ministérios de Relações Exteriores (MRE) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
A visão é que uma legislação sobre o tema poderia ajudar o Brasil a responder a medidas protecionistas verdes, em especial na União Europeia, como a Lei Anti-Desmatamento (EUDR) e o Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras (CBAM).
O EUDR restringe a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas após 2020, e o CBAM taxa emissões de carbono de produtos que entram na UE.
As discussões ocorrem em meio à decisão do Carrefour de boicotar a carne brasileira – que já foi revertida – e aos ataques de parlamentares franceses, que chamaram de “lixo” a carne produzida no Brasil. O ocorrido também trouxe mais um desafio para assinatura do acordo comercial Mercosul-UE, que poderia ser assinado esta semana.
“A lei anti-desmatamento e o CBAM mostram que o protecionismo verde não sairá da pauta”, disse a secretária de Mudanças Climáticas do MMA, Ana Toni, durante audiência pública sobre o PL da reciprocidade no Senado, nesta quarta (4/12).
Na avaliação da secretária, uma lei brasileira também pode ajudar o governo a trabalhar esse tema de uma maneira “altiva e proativa”, em fóruns internacionais.
Ela indica o trabalho do Basic (bloco de quatro países recentemente industrializados – Brasil, África do Sul, Índia e China) como uma forma de marcar posição contrária a medidas unilaterais, de interesse meramente comercial, que dificultam o combate às mudanças climáticas.
“Essas medidas unilaterais estão prejudicando, principalmente, os países emergentes de uma forma muito explícita. Ainda não conseguimos que esse tema seja pautado, para ter uma conversa no âmbito dos debates internacionais de clima, de como essas medidas unilaterais são contra o clima”, afirmou Toni.
“Talvez até na nossa COP, na COP30, tenhamos a oportunidade de pautar esse tema de uma maneira madura”, disse a secretária.
O embaixador Fernando Pimentel, do Itamaraty, também defendeu a criação de instrumentos nacionais que fortaleçam o Brasil nas negociações globais.
“As pressões em relação ao comércio e a vinculação entre comércio e meio ambiente, só vêm aumentando […] O comércio internacional vai enfrentar um período, ao longo dos próximos anos, mais confuso, a Organização Mundial do Comércio está muito fragilizada, debilitada”, pontuou o embaixador.
“Acreditamos ser fundamental termos realmente um instrumento que permita o Brasil atuar nessa arena. Estamos dispostos a cooperar com o Senado para tentar obter um projeto que nos permita atuar com serenidade e firmeza nessa área”, defendeu Pimentel.
O que dizem os projetos de lei em discussão
Os dois projetos de lei sobre reciprocidade ambiental possuem propostas diferentes, mas têm o mesmo objetivo de dar uma resposta a medidas protecionistas de outros países.
No Senado, o PL 2088/2023, do senador Zequinha Marinho (PL/PA), com relatoria da senadora Tereza Cristina (PP/MS), determina que somente poderão ser comercializados no Brasil produtos oriundos de países que cumpram padrões ambientais equivalentes aos brasileiros, e tem maior apoio do governo.
É focado na adoção de medidas “cláusula espelho”, exigindo padrões equivalentes de níveis de emissões de gases de efeito estufa de proteção do meio ambiente e vegetação nativa, para produtos estrangeiros que entram no mercado brasileiro.
Já na Câmara, o PL 1406/2024, do deputado Tião Medeiros (PP/PR) e outros parlamentares, proíbe o governo brasileiro de assinar acordos internacionais que imponham restrições às suas exportações sem que os outros países signatários adotem medidas ambientais equivalentes.
Protecionismo comercial disfarçado de verde
A relatora do PL no Senado, senadora Tereza Cristina (PP/MS), apresentou dados que mostram que as leis ambientais brasileiras são mais rigorosas em comparação às europeias.
“Na Europa, exigem 4% de pousio, enquanto os produtores rurais brasileiros preservam de 20% [região Sudeste] até 80% na região amazônica de suas terras, com vegetação nativa. Isso já gera disparidades nos custos de produção e dificultam a competitividade do Brasil no mercado internacional. Nossa posição é impedir a concorrência desleal imposta por outros países”, disse a senadora e ex-ministra da Agricultura.
Tereza Cristina classificou as barreiras europeias como “hipocrisia”, acrescentando que tratam muito mais de “protecionismo comercial do que de protecionismo verde”.
“O Brasil preserva mais de 60% da nossa vegetação nativa, sem falar da produção de energia limpa, que chegou a 93% em 2023. Com a reciprocidade ambiental, vamos estabelecer critérios similares aos impostos pela União Europeia para as exportações brasileiras de preocupação ambiental”, defendeu.
Ela citou o exemplo da lei anti-desmatamento da Europa, que tem um grande impacto sobre as exportações brasileiras e, em especial, sobre a vigência do Acordo Mercosul-União Europeia.
“Em 2023, o Brasil exportou R $ 21,6 bilhões em produtos agropecuários para a União Europeia, sendo R $ 15 bilhões em produtos das sete cadeias que serão afetadas pela nova legislação europeia: soja, carne, bovina, cacau, café, madeira, óleo de palma e borracha. Para entidades do agronegócio brasileiro, a lei é arbitrária e agride a soberania nacional”.
Agricultura sustentável
Para Ana Toni, é preciso reconhecimento internacional do sequestro de carbono pela agricultura brasileira, por meio da adoção de metodologias que considerem os aspectos da agricultura tropical, o que poderia fortalecer os biocombustíveis como solução de descarbonização.
“Ainda não olhamos para muitas das metodologias que mostram como a agricultura brasileira é sumidoura, está sequestrando carbono”, disse.
“O Brasil tem um potencial imenso na sua agricultura, logicamente na sua floresta e reflorestamento, também na sua área de energia, por causa dos nossos biocombustíveis, de todos esses setores serem sequestradores de carbono e uma solução climática para o mundo. O Brasil é solução climática, o Brasil não é problema”, concluiu a secretária.