Congresso

O setor elétrico, a Matrix e o mundo real 

Subsídios controversos e projetos de lei onerosos no setor elétrico ameaçam sustentabilidade econômica e energética do país, escreve Fernando Teixeirense

O setor elétrico brasileiro se situa em algum ponto entre o filme Matrix e o mundo real. Na imagem: Plenário do Senado durante sessão deliberativa para discussão e votação de propostas, em 28/11/2023 (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
Plenário do Senado durante sessão deliberativa para discussão e votação de propostas (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

Lançando em 1999, o filme Matrix fez um tremendo sucesso ao tratar de dois mundos diferentes. Na trilogia, as pessoas acreditavam que a vida que viviam era real quando, de fato, não passava de uma mentira, realidade virtual projetada em suas mentes por máquinas. A sensação de quem trabalha no setor elétrico e, especialmente, faz relações institucionais, é parecida.

Toda semana um novo projeto, medida provisória, emendas, etc, aparecem com o mesmo intuito: tirar custos de um agente e repassar para outro, normalmente o consumidor. Tem sido assim nos últimos anos e agora vemos o setor perto do colapso.

A Conta de Desenvolvimento Energético, a famosa CDE, já vai ultrapassar os R$ 40 bilhões. Os subsídios para fontes renováveis não param de ser renovados, mesmo as fontes eólica e solar sendo as mais competitivas do mercado. E, pasmem, se acumulam no Congresso projetos que prorrogam o subsídio ao carvão! Em pleno 2024, o lobby para gerar energia do carvão no país das fontes renováveis está ganhando espaço.

Na Matrix do setor elétrico, os tomadores de decisão costumam vociferar sobre o momento complexo que vivemos, admitindo que o custo da energia chegou em níveis inaceitáveis, onerando as famílias brasileiras e fazendo as pessoas pagarem duas vezes: uma na conta de luz que chega em suas casas e outra nos produtos que elas consomem.

Estudo encomendado pela Abrace Energia revelou o peso da energia nos produtos que os brasileiros consomem. O resultado é assustador. Cerca de 23% da cesta básica é energia. No pãozinho nosso de cada dia, o custo chega a 27%. Da carne e do leite, 33% é energia. Mais de 35% do caderno é energia. Uma conta que não para de subir e está ficando impagável.

Custos ocultos em projetos de lei

Quando voltamos ao mundo real, o que se vê são dezenas de custos extras colocados em projetos de lei, medidas provisórias e outros que, ao contrário dos discursos, trazem mais custos ao valor final da energia e representam um risco real de colapso a um sistema que precisa de uma reforma profunda, mas que tem recebido nos últimos 20 anos remendos que não revolvem o problema e costumam transferir o custo de terceiros para os consumidores de energia.

Um caso recente prova que nossa Matrix tupiniquim vai até além dos filmes. Estou me referindo ao projeto que regulamenta as eólicas offshore. O texto veio do Senado e foi considerado bom para a grande maioria dos especialistas do setor.

Mesmo considerando totalmente desnecessário investir em eólicas no mar, já que temos muito vento em terra e usar nosso potencial no mar seria muito mais caro, fazia sentindo ter um projeto que deixasse a casa pronta no caso do início da geração no mar.

A Câmara dos Deputados incluiu uma série de emendas que transformaram completamente o projeto e incluíram custos anuais de R$ 25 bilhões a serem pagos, obviamente, pelos consumidores. O projeto tem de tudo, inclusive contratação compulsória de térmicas inflexíveis, mais caras e poluentes, mesmo sabendo que vivemos hoje sobreoferta de energia.

Tem mais subsídios para renováveis, prorrogação de prazo para a geração distribuída entrar em operação, com subsídio, claro. Contratação compulsória de pequenas centrais hidrelétricas, mesmo sem nenhuma necessidade. Construção de planta de hidrogênio no Nordeste a um custo 10 vezes maior do que as energias competitivas.

E a impressionante prorrogação de subsídios para usinas a carvão no sul do Brasil até 2050. Pouco provável que um roteirista de Hollywood tivesse tanta criativa quanto tiveram os responsáveis por tanta maldade com o consumidor brasileiro.

A realidade é sempre mais dura. E a realidade do setor elétrico está fazendo com que as famílias brasileiras tenham que optar entre pagar a conta de luz e outras contas do dia a dia, além de deixar nossa indústria menos competitiva e fazer o Brasil perder o bonde da transição energética.

Estamos caminhando para um lugar perigoso, transformando o enorme potencial do Brasil para gerar energia limpa, justa e segura em apenas um dado histórico. Se governos, legislativo, setor elétrico e sociedade não fizerem um pacto pela redução da conta de energia, seremos eternamente o país da energia barata e da conta cara.

Fernando Teixeirense é diretor de Relações Institucionais e Comunicação da Abrace Energia.