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Agenda do Nordeste para renováveis irrita, mais uma vez, indústria consumidora de energia

Defendidas pelo Nordeste, uma mudança na lei que regula a autoprodução e um projeto que susta resoluções da Aneel, podem elevar tarifas.

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) realiza reunião deliberativa (Pedro França/Agência Senado)
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) realiza reunião deliberativa (Pedro França/Agência Senado)

RIO — Dois movimentos recentes apoiados por governos e parlamentares do Nordeste, voltados a incentivar empreendimentos de geração renovável na região vêm provocando forte reação entre consumidores e autoprodutores de energia elétrica. 

O impacto seria ainda maior para novos projetos ultraeletrointensivos que pretendem se instalar na região, como data centers e plantas de produção de hidrogênio verde. 

Os agentes afirmam que as iniciativas – uma mudança na MP 1304 que regula a autoprodução e o PDL 365/2022, que susta resoluções da Aneelpodem elevar tarifas, criar distorções no mercado e desestimular investimentos, segundo os agentes.

Já os governos e parlamentares do Nordeste defendem as medidas como instrumentos de estímulo ao desenvolvimento regional e à expansão das fontes renováveis.

O primeiro alvo das críticas é o dispositivo incluído na nova redação do artigo 16-B da lei 9.074/1995, trazida pela MP 1304, que obriga todos os novos arranjos de autoprodução a contratar energia de novos parques geradores. 

A exigência, segundo o setor industrial e associações de consumidores, cria uma “reserva de mercado” e ignora o contexto de sobra de energia no país.

Em carta enviada ao Ministério da Fazenda, entidades como a Abrace, ABCE, Abiape, Abihv e Abrage pedem que o dispositivo seja vetado.

“O dispositivo, ao introduzir um conceito baseado no critério de adicionalidade, representa um entrave ao regime de autoprodução, uma vez que cria uma reserva de mercado”, afirmam as associações.

O grupo defende que a autoprodução é essencial à transição energética e à competitividade da indústria, permitindo previsibilidade de custos e o uso direto de fontes limpas. 

Para as entidades, a nova regra inviabiliza a utilização de usinas já em operação, mas sem estrutura formal de autoprodução, o que poderia agravar o cenário de excesso de geração e cortes de produção (curtailment) no sistema elétrico.

“Impor essa exigência se traduz em negação e punição à toda trajetória histórica bem-sucedida do nosso país de implementação de uma matriz majoritariamente renovável”, diz a carta. 

“A restrição baseada no conceito de adicionalidade prejudica de forma ampla e profunda o sistema elétrico nacional, já que  impede que usinas existentes sejam utilizadas por grandes indústrias consumidoras que ingressarão no país nos próximos anos, como data centers e produtores de hidrogênio verde”. 

Resistência ao PDL 365

Outro ponto de conflito é o projeto de decreto legislativo (PDL) 365/2022, de autoria do deputado Danilo Forte (União/CE) e já aprovado na Câmara. O texto susta duas resoluções da Aneel (1.024/2022 e 1.041/2022) responsáveis por revisar os critérios de cobrança das tarifas de transmissão (TUST). 

É o caso dos sinais locacionais, uma medida que eleva a cobrança de tarifas para financiar a rede, conforme o uso — quem usa mais, paga mais.

O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, senador Cid Gomes (PSB/CE), apresentou parecer favorável à aprovação da proposta, que é vista por parlamentares do Nordeste como uma forma de proteger investimentos na região.

A CCJ deu vista coletiva ao relatório nesta quinta (5/11) e o texto está pronto para ser aprovado nas próximas reuniões, sem data prevista.

A iniciativa, porém, é duramente criticada por entidades do setor elétrico e de defesa dos consumidores, que pedem sua rejeição. 

Em nota conjunta, ABCE, Abiape, Abrace, Abradee, Abrate, Anace, Apine e a Frente Nacional dos Consumidores de Energia afirmam que a nova metodologia da Aneel “reduziu o custo para os consumidores em 18 estados da federação, sobretudo das Regiões Norte e Nordeste”.

Segundo a nota, a norma resultou em “redução tarifária média de 2,4% na Região Nordeste e de 0,8% na Região Norte”, enquanto apenas as regiões Sul e Sudeste tiveram leves aumentos. 

As associações alertam que a eventual aprovação do PDL “pode gerar a necessidade de uma Revisão Tarifária Extraordinária e imediata de todas as tarifas de energia elétrica do país, com importante aumento do custo da energia elétrica para os consumidores das Regiões Norte e Nordeste”.

As entidades ressaltam ainda que a decisão da Aneel foi fruto de um processo de consulta pública de 212 dias, com três rodadas de contribuições, e que a metodologia nodal adotada é “consagrada e utilizada em diversas partes do mundo”, servindo para sinalizar a proximidade entre geração e consumo e reduzir custos de expansão da rede.

Para os críticos, ao interferir nesse processo regulatório, o PDL 365/2022 ameaça a segurança jurídica do setor e “representa um retrocesso na governança do setor elétrico”.

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