BRASÍLIA – O projeto de lei do Mover (PL 914/2024) foi aprovado na Câmara, nesta quarta-feira (28/5), com uma emenda de plenário que institui regras de conteúdo local para a indústria brasileira de óleo e gás.
Segue para o Senado Federal, que deve retomar a votação na terça (4/5).
A mudança no texto original do projeto, sugerida pelo deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade/RJ), estabelece percentuais mínimos que devem ser exigidos em contratos de partilha e concessão, ao menos, até 2040.
O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) reagiu após a votação do Mover na Câmara e, em nota, afirmou que a medida é um jabuti incluído “sem o debate necessário”, representando “grave barreira para a viabilidade de projetos”.
A emenda não havia sido incorporada por Átila Lira (PP/PI), relator do Mover – o novo Rota 2030, da indústria automobilística.
A alteração foi feita por destaque do bloco formado por partidos de centro, que não estão na base do governo Lula – União, PP, PSDB e Cidadania. O líder do governo, Zé Guimarães (PT/CE), tentou aprovar o destaque por acordo, sem votação nominal.
Passou uma margem apertada de 174 e 159 contrários, com apoio do PT e do governo na Câmara e oposição do PL, Novo, além do Psol e Rede, que alegaram questões ambientais e por ser um tema fora do escopo do projeto.
“Não tem nada a ver com o projeto. É um corpo estranho e poluidor. O projeto vai na direção contrária. O nosso voto é não”, criticou Chico Alencar (PSOL/RJ).
Petroleiras falam em contestação internacional
O IBP alega ainda que o novo arcabouço “suprime os poderes e prerrogativas do MME, da ANP e do CNPE para fixar os índices de conteúdo local de acordo com as características de cada projeto”.
Nesse sentido, seria possível até mesmo uma contestação internacional contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), ou “outros fóruns”, dizem as petroleiras. A nota não entra em detalhes.
A Lei do Petróleo, em vigor desde 1997, prevê como diretriz “induzir o incremento dos índices mínimos de conteúdo local de bens e serviços”. A política é regulada desde então pela ANP e pelo CNPE.
“(…) Pode representar possível desrespeito a acordos comerciais internacionais dos quais o Brasil é signatário, abrindo caminho para contestações na OMC e em outros fóruns”, diz o IBP.
Além de impor percentuais mínimos de contratação, a emenda da política de conteúdo local veda a possibilidade de aplicação de qualquer mecanismo de isenção (waiver), prevê a aplicação de multas por descumprimento das obrigações e fixa diretrizes para licitações, que devem incluir fornecedores nacionais nas concorrências.
“Será dada preferência à contratação de fornecedores brasileiros sempre que suas ofertas apresentem condições de preço, prazo e qualidade mais favoráveis ou equivalentes às de fornecedores não brasileiros”, diz trecho da medida aprovada no plenário da Câmara.
Pleito vem desde 2017
A criação de uma política de conteúdo local é demanda antiga defendida pelo autor da emenda, Áureo Ribeiro, que foi relator do PL 7401, texto de 2017, protocolado em resposta às reformas feitas no governo de Michel Temer.
Em entrevista à agência epbr, em 2023, ele defendeu que a política de conteúdo local precisa ser definida em lei.
Ribeiro chegou a apresentar, ano passado, parecer favorável no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Porém, a proposição não avançou desde então. Somente agora, por emenda de plenário, o parlamentar finalmente conseguiu emplacar a ideia.
O tema está em linha com o posicionamento de membros do governo que compõem a chamada “ala raiz” do PT.
Foi também assunto no discurso de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro de 2023, quando ele afirmou que o Brasil “é grande demais para renunciar o seu potencial produtivo”. Na ocasião, o líder petista defendeu especificamente que “não faz sentido” o país importar plataformas de petróleo.
As discussões sobre política de conteúdo local são de interesse frontal da bancada do Rio de Janeiro no Congresso Nacional.
No auge das contratações, o estado liderou a quantidade de empregos na indústria naval e acabou sofrendo com o impacto econômico decorrente da quebradeira na esteira deterioração do cenário econômico e dos efeitos dos crimes investigados pela Lava Jato, a partir de 2014.
Percentuais
Para os blocos situados em terra, por exemplo, as licitações terão exigência mínima de 50% na fase de exploração. O mesmo patamar será aplicado na etapa de desenvolvimento da produção, sendo 25% para bens e 25% para serviços.
Já em relação aos blocos situados no mar, as regras são: 18% de conteúdo local na fase de exploração; 30% na etapa de construção de poço; 40% nas contratações de sistemas de coleta e escoamento de produção; e 30% na unidade estacionária de produção.
Reação do mercado
A Abespetro afirmou em nota que “obter mais conteúdo local, no sentido de mais atividade da indústria local, é uma inquestionável aspiração nacional”, mas criticou a emenda.
A associação de fornecedores do setor de óleo e gás cita o programa Nova Indústria Brasil, diretrizes da política industrial encabeçada pelo MDIC.
“Porém, sabemos de experiências recentes do Brasil e do estudo de países que conseguiram atingir estes objetivos, que o caminho da reserva de mercado não é eficaz. Ao contrário, é deletério”.
Ela defende que o modelo deve ser por meio de bonificação das empresas que conseguirem elevar índices de nacionalização.
Cita ainda “metas de exportação de bens e serviços industriais, para além de exportar commodities; instrumentos tributários e de financiamento que deem isonomia à indústria local; e, acima de tudo, mecanismos que permitam às empresas locais acumularem competências tecnológicas”.
A cadeia produtiva deveria ter acesso aos recursos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), investimentos obrigatórios feitos pelas produtoras de petróle e gás.
Ainda na visão do IBP, a emenda fixa exigências que não “constavam na redação original da MP 1205 (que criou o Mover), e que não possuem qualquer pertinência temática com a matéria”.
O IBP representa os interesses da Petrobras e de grandes petroleiras nacionais e estrangeiras que produzem no Brasil.
“O dispositivo incluído de última hora e sem o debate necessário com o setor produtivo, representa grave barreira para a viabilidade de projetos, tendo sido estabelecidos sem qualquer estudo técnico mais aprofundado.
A entidade argumenta ainda que a alteração de regras sem o debate apropriado com os setores envolvidos representa uma “nítida deterioração do ambiente de negócios nacional para os investimentos no setor de óleo e gás”.
“O efeito imediato é a potencial perda de atratividade para os próximos leilões de áreas exploratórias da ANP, ameaçando o desenvolvimento de futuros projetos no Brasil.”