Plano de ação

ANP adota metodologia contra duplo pagamento por gasodutos e reduz remuneração de transportadoras

Diretoria da ANP fez as primeiras entregas do plano de ação para as tarifas de gasodutos. O tema vinha se arrastando desde 2021 e terá novos capítulos no primeiro semestre de 2026.

Diretora da ANP Symone Araújo durante evento realizado pelo eixos pro e IBP, em 25 de setembro de 2024 (Foto Steferson Faria/agência eixos)
Diretora da ANP Symone Araújo durante evento realizado pelo eixos pro e IBP, em 25 de setembro de 2024 (Foto Steferson Faria/agência eixos)

BRASÍLIA – A diretoria da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) manteve na revisão da metodologia para cálculo de tarifas de transporte de gás natural a previsão de uso de um método alternativo voltado a evitar o duplo pagamento por gasodutos. A nova norma foi aprovada nesta segunda (29/12), em reunião extraordinária. 

A diretoria também aprovou a revisão do custo médio ponderado de capital (WACC, na sigla em inglês) para o ciclo tarifário de 2026 a 2030, em 7,63%. As duas decisões contrariam as transportadoras de gás natural representadas pela Atgás. 

A diretoria da ANP fez, assim, as primeiras entregas do plano de ação para as tarifas de transporte de gás natural aprovado em novembro deste ano. O tema vinha se arrastando na agência desde 2021, quando foi aprovada a nova Lei do Gás, e terá novos capítulos no primeiro semestre de 2026.

O novo regime tarifário para os gasodutos introduz a possibilidade de utilização de uma metodologia desenvolvida por reguladores australianos chamada Método de Capital Recuperado – Recovered Capital Method (RCM, na sigla em inglês).

Poderá ser utilizado no cálculo da remuneração sobre a base regulatória de ativos de transporte (BRA). A agência entendeu que os métodos previstos atualmente não são suficientes para blindar os consumidores do risco de precisar pagar, mais de uma vez, pelo mesmo investimento feito nos gasodutos. 

Em jogo, estão os ‘contratos legados’, parte das tarifas que ainda são baseadas em negócios não regulamentados pela ANP, quando todo o sistema era controlado pela Petrobras e sua subsidiária, a Transpetro. 

A revisão da BRA, prevista para fevereiro de 2026, é o grande debate do processo de revisão tarifária e que coloca em lados opostos usuários e transportadores, numa disputa bilionária sobre o futuro das tarifas.

A metodologia a ser aplicada na valoração da base de ativos poderia impactar em cerca de R$ 8 bilhões a valoração da BRA dos primeiros contratos legados da NTS e TAG por vencer (Malhas Sudeste e Malhas Nordeste), estimou o Conselho de Usuários. 

O grupo reúne produtores e consumidores de gás natural e defendeu a adoção de um cálculo de depreciação acelerada dos ativos.

ANP: método é reconhecido internacionalmente 

A diretora-relatora, Symone Araújo, citou que o método do capital recuperável é um mecanismo reconhecido internacionalmente para evitar o duplo pagamento pelos ativos. 

“A previsão de metodologia alternativa é um caminho regulatório essencial para permitir que a ANP possa adotar, quando necessário e para casos específicos”, disse Symone Araújo. 

Pietro Mendes, relator de outros processos envolvendo tarifas, reforçou que a resolução vigente já previa, mas de forma genérica, que qualquer metodologia poderia ser utilizada se tecnicamente justificada

“Não é uma inovação arbitrária ou um experimentalismo regulatório. Ao contrário: encontra sólida fundamentação das melhores práticas internacionais de regulação econômica do gás natural tendo sido desenvolvida e aperfeiçoada pelos reguladores australianos que possuem reconhecida reputação global”, disse.

A despeito das queixas da Atgás, o uso da alternativa não é automático ou totalmente discricionário e deverá, segundo texto da norma, ser justificado tecnicamente.

Atgás teme revisão

Os termos da nova resolução foram discutidos em reunião no início do mês com as transportadoras. Na ocasião, a área técnica da agência informou sobre a possibilidade de uso da metodologia alternativa às atuais – CHCI (custo histórico corrigido pela inflação) e CNR (custo novo de reposição), em análise caso a caso.

Também foi informado que a adoção de outras metodologias alternativas poderia vir a ser aplicada já ao ciclo regulatório 2026-2030.

A Atgás e a TAG (Transportadora Associada de Gás) enviaram diversas cartas à ANP manifestando contrariedade à proposta e estudos adicionais. Uma delas, chegou à agência na manhã de hoje (29/12), horas antes da reunião realizada às 14h00.

“O rito regulatório não se subordina a pressões circunstanciais ou tentativas de reabertura de debates fora das fases adequadas”, afirmou a diretora-relatora Symone Araújo, dado que a discussão passou por regular consulta pública, elaboração de análises de impacto e demais exigências legais. 

As transportadoras privadas, que compraram redes da Petrobras, temem uma revisão retroativa da BRA – contrariando o que teria sido usado como base nos valores pagos na privatização. 

“Como é de conhecimento da ANP, os ativos operados pela NTS e TAG foram adquiridos da Petrobras, não possuindo contabilidade regulatória separada desde a construção. Passaram, também, por diferentes reestruturações societárias e regimes de consórcio e leasing”, diz.

Atgás afirma ainda que o RCM não foi usado como padrão em seu país de origem.

“Temos notícia de que o RCM foi utilizado excepcionalmente na Austrália, em processo arbitral envolvendo gasoduto não regulado – “non-scheme pipeline”, conceito sem paralelo na regulação brasileira. Respondeu, assim, a um problema regulatório específico, sem relação com a revisão da RANP de tarifas em curso”, diz a Atgás.

Próximos passos 

O detalhamento da metodologia alternativa é um dos elementos da nova resolução, que vai embasar as revisões tarifárias das transportadoras de gás natural. 

Destaques da nova resolução:

  • Introdução do fator X, mecanismo usado no setor elétrico para repassar aos consumidores ganhos de eficiência na operação da infraestrutura;
  • Repasse anual da conta regulatória, com publicação mensal das informações. A conta é um recurso que fica retido no caixa das transportadoras, usado com período mínimo de dois anos, podendo ser transferido para as tarifas para cobrir déficit ou levar a um desconto.
  • Uso da metodologia de cálculo ponderado da distância por capacidade (Capacity Weighted Distance, CWD) no cálculo das tarifas de entrada e saída; migração do modelo de remuneração por gasoduto para sistemas de gasodutos.
  • Uso de multiplicadores para definir tarifas de curto prazo, deixando de tratar os negócios de maior flexibilidade (intradiário, diário, mensal etc.) como serviços de transporte extraordinário.  

O avanço nas regras pela ANP ocorre em um momento em que o próprio alcance da agência federal está em xeque, com ações no Supremo Tribunal Federal e iniciativas no Congresso Nacional voltadas a permitir que leis a classificação estadual dos gasodutos prevaleçam sobre as competências da ANP.    

Na semana passada, o  Ministério de Minas e Energia (MME) enviou um ofício ao Cade denunciando aumento excessivo das margens das distribuidoras estaduais de gás canalizado.

As revisões tarifárias em estados como Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito
Santo e Pernambuco resultaram, segundo a pasta, em aumentos de dois dígitos incompatíveis com os esforços do governo para reduzir o custo do gás para a indústria.

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