Opinião

Mercado de carbono e a nova demanda por energia limpa

Negar acesso ao mercado de carbono a projetos de energia renovável é ignorar seu potencial de transformação, especialmente em países que ainda enfrentam desigualdades estruturais, escreve Nicolas Thouverez

Nicolas Thouverez, Head Latam e CEO da Voltalia Brasil (Foto: Divulgação)
Nicolas Thouverez, Head Latam e CEO da Voltalia Brasil (Foto: Divulgação)

A regulamentação do mercado de carbono no Brasil avança, e o momento é decisivo para definir critérios que darão forma a esse instrumento tão relevante para o enfrentamento da crise climática.

Recentemente, o Verified Carbon Standard (VCS), um dos principais padrões do mercado voluntário global, abriu consulta pública propondo ampliar a elegibilidade de projetos de energia renovável em países de baixa, média-baixa e média-alta renda, como o Brasil.

A proposta sinaliza uma mudança importante de entendimento: após anos de restrições, volta-se a reconhecer que, em muitos contextos, os projetos renováveis ainda dependem de instrumentos de financiamento climático para se tornarem viáveis.

A lógica que excluía projetos renováveis nos últimos anos partia do critério da adicionalidade.

Esse requisito estabelece que apenas projetos que comprovassem não sair do papel sem a receita dos créditos poderiam ser certificados. No caso de países como o Brasil, com matriz elétrica majoritariamente renovável, muitos certificadores passaram a assumir que essa condição não se aplicaria.

Mas essa leitura ignora tanto os desafios estruturais de implantação quanto o novo contexto global de transformação energética.

O mundo está às vésperas de uma transformação radical no perfil de consumo de energia.

A eletrificação da economia — com a adoção crescente de veículos elétricos, a descarbonização de processos industriais e a produção de hidrogênio verde — somada à expansão de cargas intensivas como data centers, deve elevar a demanda por eletricidade a patamares inéditos.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) projeta crescimento médio anual de 3,4% no consumo de eletricidade no Brasil até 2034.

Para que esse avanço ocorra de forma compatível com os compromissos climáticos globais, sem comprometê-los, é essencial que as fontes renováveis estejam no centro da expansão da oferta. Mas isso não acontecerá sem esforço.

O mercado de carbono tem papel estratégico nesse cenário. Ele deve ser capaz de reconhecer projetos que, embora em países com matriz limpa, enfrentam gargalos de financiamento, localização, infraestrutura ou escala.

Segundo a plataforma MSCI Carbon Markets, 78% dos projetos renováveis avaliados têm baixa pontuação de adicionalidade, o que dificulta seu acesso ao financiamento, ainda que sejam responsáveis por cerca de 1/3 dos créditos emitidos desde 2010.

Esse dado reforça a necessidade de critérios mais aderentes à realidade dos projetos e à urgência de viabilizar fontes limpas para uma nova economia elétrica em formação.

Em vez de olhar apenas para o passado ou para médias estatísticas, os critérios de elegibilidade precisam refletir a realidade em transformação.

Além de contribuírem para a agenda climática, os projetos de energia renovável também geram impactos sociais e econômicos positivos, especialmente em regiões remotas.

Em áreas afastadas dos grandes centros como por exemplo nos sistemas isolados, a chegada da eletricidade, muitas vezes viabilizada por sistemas renováveis off-grid ou híbridos, transforma realidades.

Mas não somente nos sistemas isolados, o histórico da implantação das energias renováveis no sistema interligado também demonstra permitir desde o funcionamento de escolas e postos de saúde até o surgimento de novas atividades produtivas, como agricultura irrigada, resfriamento e beneficiamento de alimentos, ou o uso de máquinas e ferramentas elétricas em pequenos negócios.

Ainda, movimenta economias locais por meio da geração de empregos na construção, operação e manutenção dos empreendimentos.

Esses benefícios mostram que projetos renováveis entregam mais do que redução de emissões, oferecendo inclusão, geração de renda e desenvolvimento regional.

Negar a esses projetos o acesso ao mercado de carbono é ignorar seu potencial de transformação, especialmente em países que ainda enfrentam desigualdades estruturais em infraestrutura e acesso à energia.

A consulta pública aberta pelo VCS é uma oportunidade para alinhar os instrumentos de financiamento climático às necessidades reais da transição energética.

Isso exige um olhar mais sistêmico, que vá além da fotografia da matriz elétrica atual de cada país e considere o cenário dinâmico de transformação pelo qual estamos passando.

Reconhecer a relevância dos projetos renováveis nesse contexto é garantir que o mercado de carbono seja, de fato, uma ferramenta de impacto positivo — não apenas ambiental, mas também social e econômico.

A transição energética não acontece no mesmo ritmo em todos os lugares. E é justamente por isso que mecanismos de financiamento climático devem levar em conta as desigualdades entre países e regiões.

Se queremos que as metas climáticas sejam atingidas globalmente, precisamos garantir que todos tenham meios de participar dessa transformação. Valorizar projetos que entregam benefícios concretos e mensuráveis é um passo essencial nessa direção.

Nicolas Thouverez é Head Latam e CEO da Voltalia Brasil

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