Em 2015, a então presidente Dilma Rousseff (PT) se tornou alvo de piadas ao afirmar que era preciso “estocar vento”. O comentário, arrancado de seu contexto, virou meme instantâneo.
Anos depois, a ciência e o setor elétrico confirmaram que estocar vento ou, mais precisamente, a energia que ele carrega, é uma das tarefas mais urgentes da transição energética. “Estocar sol” é ainda mais necessário.
Vivemos uma era em que o mundo se esforça para se libertar de sua dependência de combustíveis fósseis. No coração desse esforço, brilham o sol e o vento. Mas o sol não brilha o tempo todo, nem o vento sopra quando queremos.
É aí que entra o armazenamento, a arte de guardar energia para usá-la no momento certo. Em outras palavras, precisamos adequar o tempo da natureza ao nosso relógio.
É aqui que o armazenamento entra como ponte entre o presente e o futuro. Ele permite guardar energia quando há abundância e liberá-la quando há escassez. Mais do que isso: transforma a energia renovável em uma fonte controlável, confiável e despachável.
No artigo Sol, a fonte de energia de (quase) todas as energias, discuto como a influência do sol se estende direta ou indiretamente por quase todas as formas de energia que utilizamos hoje. Que caminhos existem para armazenar o tanto de energia que o sol nos oferece diariamente? As alternativas são variadas.
Petróleo, a “bateria” de alta densidade
O petróleo tem sido muito útil como nossa “caixa” de armazenamento de energia solar ancestral. Suponha uma caixa d’água pequena de 500 litros. Se enchermos ela com petróleo, teremos aproximadamente 4.850 quilowatt-hora (kWh) de energia.
Há imperfeições nessa transformação de unidades de energia química para elétrica, mas ela é bastante útil para comparações. Olhe para sua conta de luz e veja quantos kWh você consome em um mês. Compare.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), uma família típica no Brasil consome entre 160 e 170 kWh por mês. Uma pequena caixa de 500 litros de petróleo tem energia equivalente ao consumo de energia elétrica de quase 30 famílias brasileiras durante um mês inteiro.
Chamamos isso de densidade energética. O petróleo é bom nisso, muita energia em pouco espaço. Temos, contudo, que reduzir, por variadas razões, o seu consumo.
As bio-baterias solares
Nossos ancestrais utilizavam lenha para produzir energia térmica. A biomassa armazenada na lenha é uma espécie de bio-bateria solar, só que de baixa densidade energética.
A ciência, contudo, nos permitiu produzir biocombustíveis líquidos a partir da biomassa, que igualmente atuam como baterias solares naturais, pois armazenam a energia do sol capturada pelas plantas durante a fotossíntese.
Os biocombustíveis atuam como uma forma de armazenamento indireto de energia solar, com a vantagem de poderem ser transportados, estocados e utilizados em tecnologias já existentes, especialmente em setores onde as baterias metálicas ainda não são práticas devido ao peso ou à densidade energética limitada.
Os biocombustíveis desempenham um papel importante no armazenamento de energia que vem do sol, sendo uma alternativa sustentável e tecnicamente viável, que não exige mudanças radicais na infraestrutura que dispomos.
Construindo moléculas
Uma alternativa para armazenar energia renovável está nos “e-fuels”, combustíveis sintéticos produzidos a partir de eletricidade. Existem várias rotas possíveis, a mais usual envolve hidrogênio proveniente de eletrólise da água com dióxido de carbono capturado da atmosfera ou de processos industriais.
Com hidrogênio e CO2 é possível sintetizar combustíveis. Não é trivial, é um processo complexo, intensivo em energia e com baixa eficiência, mas se tivermos sol e vento de sobra, é uma opção.
Os e-fuels também representam uma maneira de armazenar energia renovável na forma líquida, facilitando o transporte e o uso em larga escala, tal qual ocorre com os biocombustíveis, tendo como vantagem o uso reduzido de terras. Porém, o custo do “lego molecular” é muito alto. Com o avanço tecnológico, pode se tornar competitivo.
Lítio e outras formas de armazenar energia
As baterias de íons de lítio são destaques quando o assunto é armazenamento de energia elétrica.
Elas são recarregáveis, têm eficiência de conversão superior a 90 %, não emitem poluentes durante o uso (embora tenham alta carga ambiental na fabricação) e o avanço tecnológico tem aumentado a vida útil delas de forma significativa.
O peso, contudo, é possivelmente o “calcanhar de Aquiles” das baterias metálicas.
Para rodar a mesma quilometragem que um veículo de pequeno porte roda com 50 L (36 kg) de gasolina, um veículo elétrico necessita hoje de uma bateria de 45 kWh de íon-lítio, pesando entre 300-350 kg, a depender da densidade energética da bateria, já considerando as diferenças de eficiência de um motor de combustão e um elétrico.
Isso dá uma noção da dificuldade que é embarcar baterias em alguns meios de transporte, como aviões.
Porém, se há sol e vento sobrando e o peso das baterias não é entrave, estamos falando de uma excelente alternativa para armazenar energia elétrica derivada de fontes renováveis, especialmente em aplicações em que a rápida resposta é mais valorizada do que a densidade bruta.
Outras tecnologias, como hidrelétricas reversíveis, baterias gravitacionais, armazenamento térmico, ar comprimido, colaboram para atender diferentes necessidades de escala e duração.
O avanço dessas tecnologias é também parte do conjunto para garantir que a energia gerada por fontes intermitentes como o sol e o vento esteja disponível sempre que necessário.
Todos esses caminhos de armazenamento (baterias, biocombustíveis, e-fuels…) são importantes para construir uma matriz energética de baixo carbono, resiliente e diversificada. O desafio está em orquestrar o custo-benefício das alternativas, ponderando-se segurança energética, tecnológica, geração de emprego e renda.
Na transição energética é fundamental saber guardar elétrons, moléculas e calor, para que a fartura de hoje não vire escassez de amanhã.
A transição será essencialmente renovável e armazenada.
Assim como nossos antepassados guardavam lenha para o inverno (em alguns lugares, ainda guardam, é verdade), nós agora devemos armazenar a energia renovável existente nos momentos de abundância. Como nos lembra a ciência, a energia não espera. É a gente que precisa aprender a guardar. Estocar vento e sol é a nossa missão.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Referências
EPE. Consumo Mensal de Energia Elétrica por Classe (regiões e subsistemas). Disponível em: www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/consumo-de-energia-eletrica. Acessado em julho de 2025.
EPE. Sistemas de Armazenamento em Baterias Aplicações e Questões Relevantes para o Planejamento. EPE: Brasília, 2091.