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O impacto da reforma tributária sobre investimentos em petróleo e energia

Aperfeiçoamentos necessários nos regimes especiais do setor de energia na proposta de reforma tributária, por Tiago Severini

Aperfeiçoamentos necessários nos regimes especiais do setor de energia na proposta de reforma tributária, por Tiago Severini. Na imagem: Tiago Severini, sócio da área tributária e aduaneira do Vieira Rezende Advogados (Foto: Divulgação)
Tiago Severini é sócio da área tributária e aduaneira do Vieira Rezende Advogados (Foto: Divulgação)

O substitutivo da PEC 45/2019, aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal, relativo à reforma tributária, contém um evidente direcionamento para a simplificação do sistema, o que deve ser devidamente louvado.

No entanto, a celebração do avanço obtido não pode, e nem deve ocultar as adequações que ainda se fazem necessárias, a fim de evitar que as correções a algumas das distorções do sistema atual não resultem em novas imperfeições.

Nesse sentido, e almejando contribuir para que a reforma em curso se amolde da forma mais adequada possível às diferentes nuances do nosso sistema tributário, agradecemos o espaço que nos foi concedido pela agência epbr, e passamos a tecer comentários acerca de necessárias melhorias da PEC no que se refere aos regimes especiais aplicáveis ao setor de energia.

Segundo o texto da PEC 45/2019 aprovada na Câmara, foi delegada à lei complementar a competência para definir regimes especiais no âmbito dos novos tributos sobre valor agregado instituídos.

Diante de tal contexto, surge grande preocupação acerca do impacto que a emenda constitucional, uma vez aprovada, teria sobre os regimes especiais atualmente vigentes, e que possuem primordial importância para o setor de energia.

São os casos como o Repetro e o Reidi, com foco na atração de investimentos em Capex, ou o drawback, entreposto aduaneiro ou DAC (depósito alfandegado certificado), que possuem papel estratégico no estímulo às exportações, ou na simplificação de rotinas aduaneiras e redução da carga tributária aplicáveis a operações realizadas no Brasil, mas que se inserem em projetos de natureza internacional.

No caso do Repetro e do Reidi, trata-se de benefícios voltados à redução do custo de investimento em Capex para novos projetos, tendo em vista o elevado custo de capital das atividades de exploração e produção de petróleo e gás (no caso do Repetro) e de infraestrutura (com destaque para os projetos de energia no recorte da presente análise, no caso do Reidi).

Ambos os benefícios, com diferentes magnitudes na amplitude, focam na desoneração da aquisição de bens de Capex, visando atrair o maior volume possível de investimentos, a fim de proporcionem, primeiramente, a geração de empregos e renda no país.

E que, em se tornando empreendimentos economicamente viáveis, após a fase de risco e incerteza, revertam em termos de arrecadação, tanto no referente aos tributos indiretos, conforme o caso, quanto em relação aos tributos diretos incidentes sobre receita e lucro de tais atividades, e ainda no que tange a royalties e participações especiais.

Sem investimentos, não há arrecadação

Parece-nos inequívoco, nesse contexto, ao se analisar o setor de energia de foram macro, que o retorno por meio de outras fontes arrecadatórias compensa, e muito, as “renúncias de receita” previstas nas aquisições de bens de Capex.

Caso essas fossem suprimidas, o resultado esperado seria que muitos projetos, em razão do risco envolvido, deixariam de ser realizados, reduzindo, portanto, a arrecadação total, em vez de aumentá-la.

Vale relembrar, nesse contexto, que o Brasil concorre com diversos outros países pela atração de investimentos, de modo que o encarecimento do investimento no país, especialmente na fase de risco desses projetos (momento em que ainda não se sabe se serão ou não rentáveis), muitas vezes acaba por inviabilizá-los, impedindo a geração de empregos, renda e inibindo o efeito arrecadatório futuro (materializado na fase lucrativa dos projetos).

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Repetro é válido até 2040

Adicionalmente, cabe apontar que o Repetro consiste, a nosso ver, em direito adquirido de seus beneficiários, na medida em que possui prazo certo (31/12/2040) e envolve condição onerosa – os investimentos requeridos para que as empresas do setor adquiram participações nos blocos ou campos leiloados pela ANP, ou para que se tornem referências especializadas na prestação de serviços àquelas empresas, os quais envolvem alta complexidade e risco.

Dessa forma, entendemos que, para evitar qualquer impacto à segurança jurídica, a PEC em tramitação no Senado precisaria prever expressamente a preservação do Repetro até o final de 2040, sob pena de autorizar uma enorme litigiosidade entre empresas e o Fisco na esteira de sua aprovação.

E não se alegue que a delegação de competência à lei complementar (LC) para disciplinar a matéria mitigaria a insegurança jurídica, eis que o prazo para tramitação e aprovação da LC é incerto, e que, durante esse ínterim, poderia haver longo debate e provável litigiosidade sobre a aplicabilidade imediata ou não da EC, uma vez aprovada, ainda que em parte.

O caso das exportações

Já com relação ao drawback, o principal efeito da sua preservação seria evitar um acúmulo de crédito tributário por parte de empresas preponderantemente exportadoras, o que é uma realidade no atual sistema tributário, e poderia se manter sem resolução mesmo após a reforma.

Em outras palavras, como o sistema, mesmo após a reforma, preservaria um tributo de valor agregado de âmbito federal e outro de âmbito estadual/municipal, sem a possibilidade de compensação de créditos entre eles, ocorreria, no caso de empresas preponderantemente exportadoras, a tendência de acúmulo de créditos, resultantes do IVA recolhido ao longo da cadeia, e não abatido da operação final de exportação (eis que desonerada), já que a empresa não possuiria operações suficientes sujeitas à incidência do IVA capazes de viabilizar a compensação de todo o montante de créditos acumulados.

É certo que o fato de o tributo incidir tanto sobre mercadorias quanto direitos e serviços potencialmente mitigaria o acúmulo de créditos.

A nosso ver, contudo, esse espectro mais amplo do tributo não seria suficiente, no caso das empresas preponderantemente exportadoras, para viabilizar a compensação integral dos créditos.

Daí a importância de um regime como o drawback, ou de tratamento alternativo que venha a substituí-lo, mas que assegure a desoneração da integralidade da cadeia antecedente no caso de produtos finais destinados à exportação.

Por fim, no que tange ao DAC e ao regime de entreposto aduaneiro, me parece inequívoco que tais regimes viabilizam um mínimo de atratividade para a realização de atividades de industrialização ou armazenagem no território nacional, quando a cadeia de fabricação envolve etapas em outras jurisdições, de modo que, na ausência de tais regimes, tais operações tenderiam a se deslocar integralmente ao exterior – onde os custos, via de regra, já são mesmo inferiores.

Portanto, essas operações sequer seriam capturadas pela economia brasileira, de modo que o encerramento de tais regimes não implicaria, em princípio, um aumento de arrecadação, mas uma redução, na medida em que tais operações tenderiam a ser realizadas fora do Brasil, restando alheias ao alcance do próprio IBS e da CBS, bem como da incidência dos tributos diretos incidentes no país.

Diante de todo o exposto, entendemos ser essencial reforçar que, apesar do elogiável avanço, a reforma tributária em curso ainda depende de diferentes adequações (sendo o presente artigo destinado a endereçar apenas uma delas), a fim de evitar que apenas substituamos antigas incongruências por novas contradições, e ainda que o período de transição entre regramentos resulte em mais uma (ou diversas) disputas judiciais bilionárias entre o Fisco e os contribuintes.

Tiago Severini é sócio da área tributária e aduaneira do Vieira Rezende Advogados

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.