BRASÍLIA — Relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que o crime organizado lucra mais com o comércio de combustíveis do que com o tráfico de cocaína. É o que diz o estudo Follow the products (veja a íntegra, .pdf), que traz cifras estimadas das operações de facções como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Entre 2022 e 2023, o crime organizado lucrou R$ 61,5 bilhões com atividades ilícitas com combustíveis e lubrificantes. O montante representa 41,8% da receita do crime organizado, de R$ 146,8 bilhões. Para base de comparação, o lucro com cocaína é de R$ 15 bilhões.
As receitas com o tráfico de cocaína são uma estimativa conservadora, segundo o estudo e calculada a partir de uma pesquisa que ouviu delegados da Polícia Federal, que estimam que 40% da produção mundial — concentrada em Colômbia, Peru e Bolívia — passam pelo Brasil para atender o mercado nacional ou como entreposto para outros países.
O relatório usa dados do World Drug Report de 2024, elaborado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.
Segundo o relatório, no mercado de combustíveis, são 13 bilhões de litros comercializados ilegalmente todos os anos, com perdas fiscais de R$ 23 bilhões. Esses 13 bilhões de litros, conforme o texto, seria suficiente para abastecer toda a frota do Brasil por três semanas.
Entre os principais crimes envolvendo combustíveis estão a adulteração, roubo de cargas e de dutos, bombas fraudadas, postos piratas, venda sem emissão de nota fiscal, fraudes em operações interestaduais, empresas de fachada e desvios em importações e exportações.
“A atuação das facções no setor de combustíveis inclui o uso de empresas de fachada, a manipulação de notas fiscais e operações interestaduais fraudulentas para evitar a tributação. Essas estratégias ilícitas minam a competitividade do mercado formal e afetam diretamente a arrecadação de impostos, ampliando a precariedade dos serviços públicos e prejudicando a sociedade como um todo”.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública lista casos recentes, que segundo o documento, revelam a sofisticação desses esquemas ilícitos. A Operação Rei do Crime, deflagrada pela Polícia Federal em 2020, identificou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) usava uma rede de postos e distribuidoras para movimentar R$ 32 bilhões em quatro anos.
Em 2024, a Operação Boyle desvendou uma rede de postos vinculados ao PCC, supostamente utilizada para lavar dinheiro oriundo do tráfico de drogas. Estima-se que essa rede contasse com mais de 1.100 postos operando em território nacional, demonstrando a infiltração do crime organizado no setor.
Menciona também o caso da Copape, formuladora de combustíveis que teve sua autorização de funcionamento suspensa pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no desdobramento de uma operação irregular na Bahia.
O comércio ilegal de combustíveis abastece atividades criminosas diversas, incluindo o desmatamento ilegal e a extração clandestina de ouro na Amazônia, diz o relatório do fórum.
O documento cita a a ausência de um rastreamento eficiente como elemento que favorece a circulação de combustíveis adulterados, que representam riscos à segurança dos consumidores e danos ambientais. E sugere que é preciso ampliar a integração entre órgãos reguladores, polícias e a Receita Federal para conter o avanço da ilegalidade no setor.
Este mês, a Operação de Desintrusão da Terra Indígena Munduruku (OD-TIMU) resultou na apreensão de mais de 96 mil litros de combustíveis, incluindo óleo diesel, que abasteciam garimpos ilegais no Pará.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) identificou e autuou fornecedores irregulares, incluindo postos de combustíveis, transportadores fluviais e pontos de abastecimento clandestinos.
Ano passado, um relatório produzido pelo Bradesco BBI estima que o conjunto das três maiores distribuidoras do país (Vibra, Raízen e Ultrapar/Ipiranga) poderia aumentar o seu valor de mercado de 11% a 17% se os principais crimes de ordem fiscal no mercado nacional de combustíveis fossem solucionados pelas autoridades.
A conclusão consta do estudo Fight vs. Fuel Informality Gains Momentum – Assessing Upside for Public Revenues and Distributors, elaborado pelo Bradesco BBI.