Neste mês de março, o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) encaminhou um ofício à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para pedir a suspensão, por 90 dias, da obrigatoriedade de adição de 14% do biodiesel ao diesel de origem fóssil.
A mistura de 14% decorre das políticas sustentáveis previstas na lei Combustível do Futuro (Lei n.º 14.993/24), aprovada em outubro de 2024, que visa impulsionar diferentes tipos de combustíveis no contexto da transição energética do Brasil. O texto determina um acréscimo de 1% ao ano de biodiesel no diesel até 2030, para chegarmos a um percentual de 20% em 2030.
O Sindicom alega a existência de fraudes por parte das distribuidoras para pedir a suspensão. Essa tentativa traz mais um capítulo ao debate em torno da mistura do produto no país, que há anos gera reações a favor e contra.
O caso foi agravado pelo recente PL 862/2025, proposto pelo deputado Marcos Pollon (PL/MS), que previa a permissão de venda de gasolina sem adição de etanol e de diesel sem acréscimo de biodiesel. O projeto foi arquivado uma semana após ter sido proposto, em razão de requerimento apresentado pelo próprio deputado.
O posicionamento do Sindicom deixou o setor do biodiesel e dos combustíveis renováveis em estado de alerta, já que representa um possível atraso em relação às políticas ambientais do país, além de afetar diretamente os negócios em torno do biocombustível.
Se o pedido for de fato acatado, a suspensão implicaria uma medida contrária à implementação das políticas e ações que valorizam as fontes de energia renováveis e de baixo carbono.
O pedido do Sindicom e o PL são um enorme retrocesso, porque desvalorizam o potencial nacional de oferta das fontes renováveis, ignoram a liderança do país no tema da transição energética e fecham os olhos para um produto que trouxe reflexos positivos para a saúde pública e o gerenciamento climático.
Além disso, a suspensão de uso do biodiesel pode não trazer benefícios econômicos suficientes, uma vez que a suposta economia de 30 centavos ao litro, estimada pela Leggio Consultoria, seria impactada pela necessidade de importação de diesel estrangeiro.
Assim, seria muito difícil de fato haver uma economia real para a população.
Adicionalmente, representantes do setor alertam que essa suspensão poderia elevar a inflação e o preço da carne, já que o não esmagamento de milhões de toneladas de soja que seriam necessárias para a produção do biocombustível, resultaria em uma redução significativa de oferta de farelo de soja no mercado, o qual é usado como matéria-prima na fabricação de ração animal.
Mas o principal impacto diz respeito aos prejuízos que a suspensão pode causar à redução na emissão dos gases que provocam o aquecimento global e ao estímulo da política de biocombustíveis no país.
A produtora Bionatural calcula que a retirada do mercado de 2,4 bilhões de litros de biodiesel aumentaria as emissões de CO2 em 4,5 milhões de toneladas, o que vai contra todo o esforço de enfrentamento ao aquecimento global e às mudanças climáticas, bem como os compromissos assumidos pelo Brasil em âmbito nacional e internacional.
Por outro lado, é fundamental garantir que a ANP tenha recursos materiais e humanos para realizar uma fiscalização eficiente sobre o percentual do biodiesel nas distribuidoras de todo o país, já que esta é a principal queixa do Sindicom.
Essa capacitação, acompanhada das punições necessárias dos fraudadores, garantiria a efetividade da Lei do Combustível do Futuro. Essa deve ser a exigência, mas sem suspender os avanços realizados até agora.
É claro que aquelas que cumprem com suas obrigações devem exigir o cumprimento da lei e a fiscalização adequada, mas a falha na fiscalização e a impunidade não podem ser “solucionadas” com medidas de retrocesso em políticas modernas e sustentáveis, e que valorizam o potencial produtivo nacional.
Vale lembrar que o Ministério de Minas e Energia (MME) já decidiu manter inalterado o percentual de biodiesel no diesel neste ano, enquanto, pela lei do Combustível do Futuro, ele deveria crescer 1 ponto percentual ao ano até chegar a 20% em 2030.
A justificativa foi o temor de que a demanda por soja elevasse os preços e tivesse impacto negativo na inflação, já que o produto é usado na produção do biodiesel. Ou seja, já estamos atrasados para o atingimento das metas previstas na lei e não deveríamos agravar esse cenário.
A Lei do Combustível do Futuro deve ser respeitada, pois ela traz reflexos positivos no que se refere à sustentabilidade e à saúde da população. Somente desta forma, será possível, ainda, garantir previsibilidade ao mercado e impulsionar a economia sustentável.
Este artigo expressa exclusivamente a posição das autoras e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculadas.
Heloisa Verri Paulino Gomes e Adriana de Paiva Corrêa são advogadas especializadas em direito ambiental e sócias fundadoras do Verri Paiva Advogadas.
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