Biocombustíveis

O poder dos híbridos – parte 2, a sinergia com os biocombustíveis

Híbridos com biocombustíveis sustentáveis tem emissões de GEE menores do que os veículos puramente elétricos, escreve Marcelo Gauto

Na imagem: Prius híbrido flex da Toyota conectado a carregador elétrico (Foto: Divulgação)
Prius híbrido flex da Toyota conectado a carregador elétrico (Foto: Divulgação)

No primeiro artigo da série, O poder dos híbridos – parte 1, a otimização dos recursos, foi possível vislumbrar que hibridizar, com baterias pequenas, o maior número possível de carros novos seria mais eficaz do que alocar os recursos em baterias de veículos puramente elétricos, sob a ótica da redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

A vantagem dos híbridos aumenta quando se combina a eletrificação da frota com o uso de biocombustíveis, algo relevante especialmente para o Brasil.

Híbridos com biocombustíveis

Um estudo publicado no periódico científico Energy for Sustainable Development, intitulado Vigor Hybrid: Why hybrid with sustainable biofuels are better than pure electric vehicles (em tradução livre, Vigor híbrido: por que veículos híbridos com biocombustíveis são melhores do que os veículos elétricos puros), indica que as emissões de GEE do ciclo de vida de um veículo puramente elétrico supera a de veículos híbridos com biocombustíveis sustentáveis no Brasil.

O quadro da figura 1 resume o que foi apresentado no artigo.

Figura 1 – estimativa de emissões de GEE no ciclo de vida de veículos híbridos e elétricos rodando no Brasil (Fonte: elaboração própria, a partir de GAUTO et al, 2023)
Figura 1 – estimativa de emissões de GEE no ciclo de vida de veículos híbridos e elétricos rodando no Brasil (Fonte: elaboração própria, a partir de GAUTO et al, 2023)

A análise de ciclo de vida é sempre complexa e depende de variados parâmetros de contorno, tais como materiais utilizados na fabricação dos veículos, dos combustíveis, quilometragem média anual percorrida, consumo de eletricidade e de combustíveis dos veículos em testes padronizados, intensidade de carbono das fontes de energia utilizadas, entre outros. Os detalhes das premissas adotadas podem ser encontrados no artigo original.

Os dados do referido estudo indicam que um puro elétrico, de médio porte, apresenta emissões médias de 16,7 toneladas de CO2e, enquanto versões híbridas com etanol ou biometano têm emissões que variam de 14,6 tCO2e (12,6% menores) a 9,5 tCO2e (43,1% menores) no Brasil.

Conclusão: híbridos com biocombustíveis sustentáveis tem emissões de GEE menores do que os veículos puramente elétricos, no seu ciclo de vida. Esta é uma constatação científica bastante relevante.

Mesmo no Brasil, que possui uma matriz elétrica majoritariamente renovável?

O Brasil possui uma matriz elétrica bastante limpa (mais 80% da energia elétrica produzida no país advém de fontes renováveis) sendo esperado que os veículos elétricos plug in tenham baixa emissão de GEE quando recarregados na rede elétrica do país, algo que de fato ocorre, na média.

Porém, a produção da bateria, fabricada majoritariamente na Ásia, em especial na China, é fonte intensiva de emissões de GEE, o que acaba impactando no ciclo de vida dos veículos eletrificados. Quanto maior a bateria, maiores as emissões associadas à sua produção.

Os veículos híbridos possuem baterias menores, que podem representar de um quarto a um décimo, ou até menos, do tamanho da bateria presente em um veículo puramente elétrico (como destacado no primeiro artigo), com proporcional redução das emissões de GEE associadas. Baterias menores levam também a uma redução do estresse ambiental causado pela mineração dos componentes necessários à sua fabricação (recomenda-se a leitura do artigo A transição energética e a nova era dos metais, publicado na epbr).

Sinergia dos híbridos com biocombustíveis

Os resultados apresentados demonstram que a associação de baterias menores embarcadas em um veículo com a possibilidade de uso de biocombustíveis tem um efeito sinérgico positivo importante.

Veículos eletrificados híbridos com biocombustíveis apresentam menores emissões de GEE por quilômetro rodado do que os puramente elétricos no Brasil quando se considera o ciclo e vida do veículo e do biocombustível.

Isso porque os veículos híbridos são bastante eficientes em comparação com veículos tradicionais, o que naturalmente gera emissões mais baixas. Quando associados a biocombustíveis de baixa intensidade de carbono, o resultado é ainda melhor, como pode ser observado na figura 1.

A hibridização da frota é o caminho que otimiza os recursos naturais e tecnológicos já existentes, além de produzir menores emissões de GEE na jornada da transição energética, sendo ainda melhor quando associada com biocombustíveis.

Em algumas regiões fora das grandes capitais, será desafiador fornecer infraestrutura de carregamento para veículos elétricos, tornando os híbridos com biocombustíveis uma opção ainda mais interessante, com aproveitamento da estrutura existente dos combustíveis líquidos.

Se o objetivo maior da transição energética é a redução das emissões de GEE de forma sustentável, os números apontam para a bioenergia associada à hibridização da frota como o melhor caminho.

A sinergia dos biocombustíveis sustentáveis com a eletrificação em veículos híbridos parece tão fundamental na rota da descarbonização que o uso dos híbridos pode não ser apenas uma alternativa transitória, um caminho intermediário, mas o próprio fim buscado para a descarbonização sustentável da frota de veículos.

Para o Brasil, grande produtor de biocombustíveis de baixa intensidade carbono, com uma matriz elétrica bastante limpa, a eletrificação via hibridização flex é natural. Há, contudo, muito trabalho pela frente, para aumentar a oferta de veículos híbridos e biocombustíveis a preços acessíveis e de forma sustentável. E é sobre isso que versará o próximo artigo da série: O poder dos híbridos – parte 3, o custo do CO2 evitado. Até breve.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

Referência

GAUTO, M.A., CARAZZOLLE, M. F., RODRIGUES, M.E.P., ABREU, R.S., PEREIRA, T.C., PEREIRA, G.A.G. Hybrid vigor: Why hybrids with sustainable biofuels are better than pure electric vehicles. Energy for Sustainable Development. Volume 76. 2023. ISSN 0973-0826. https://doi.org/10.1016/j.esd.2023.101261.