As operações policiais no mercado de combustíveis na última quinta-feira (28/8) são dignas de aplausos pela amplitude e estrutura mobilizada e por revelar como agentes econômicos atuam criminosamente no segmento de combustíveis, desde a produção de biocombustíveis até o sistema financeiro.
Por outro lado, as investigações também mostram como o Estado brasileiro ainda pode aprimorar esse trabalho de combate ao crime organizado no setor.
É preciso destacar a relevância social e econômica do setor de combustíveis, vital para o desenvolvimento do país, o qual é caracterizado por uma matriz de combustíveis diversificada e com volume de vendas entre os dez maiores do mundo.
Em 2024, considerando apenas as vendas de diesel B, gasolina C e etanol hidratado (EHC), foram comercializados mais de 133 bilhões de litros de combustíveis, por cerca de 45 mil postos revendedores presentes em mais de 5.400 municípios, os quais atenderam mais de 110 milhões de consumidores.
São pelo menos cinco tipos de irregularidades no mercado de combustíveis em que transita e se desenvolve o crime: 1) a qualidade dos combustíveis; 2) aspectos metrológicos do comércio; 3) irregularidades tributárias; 4) roubo de produtos; 5) agressão à ordem econômica.
Todas essas irregularidades resultam em impactos negativos relevantes para a sociedade, seja pelo dano material, moral ou mercadológico.
As operações Carbono Oculto (MPE/SP), Quasar e Tank (ambas da PF) representaram importante articulação dos poderes públicos no seguinte sentido: a postura colaborativa do Judiciário; a logística do trabalho integrado; e a mobilização gigantesca de agentes públicos, com infraestrutura de apoio material incomum para as permanentes restrições de recursos públicos.
Destaca-se ainda a significativa amplitude da atuação dos órgãos públicos na cadeia produtiva do setor de combustíveis, com descobertas de irregularidades relevantes, com envolvimento de produtores de biocombustíveis e do setor financeiro, esses, em geral, distantes do consumidor e da atuação de rotina dos órgãos de controle.
Merece destaque a atuação da Receita Federal na constatação das movimentações de recursos financeiros vultosos sem origem e sem destino pelas fintechs, bem como as relações patrimoniais das pessoas jurídicas e físicas envolvidas, inaugurando ações coercitivas ofensivas e exitosas no dinheiro do crime.
O setor ainda aguarda que todos os 14 mandados de prisão sejam cumpridos, afinal até o momento somente seis foram concluídos.
Sobre a ampla mobilização da imprensa para cobrir os resultados de operações de magnitude sem precedente, talvez tivesse sido mais didática e exemplar uma única coletiva reunindo todos os órgãos envolvidos, reforçando ainda mais a unidade institucional na coordenação das investigações.
Faltou, por exemplo, divulgar eventual participação das Fazendas estaduais dos oito estados envolvidos, as quais prestam serviços relevantes e intensos no controle tributário desse mercado. Vale registrar a participação acanhada do órgão federal de regulação setorial, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
De concreto, quando se observam os agentes econômicos flagrados nos ilícitos e a participação dessas empresas no volume de produtos comercializados no mercado nacional, verifica-se que os problemas são localizados e não generalizados.
Indiscutivelmente, entretanto, merece elogios o enfrentamento rigoroso por parte das forças de segurança, acompanhamento e controle do Estado.
O amadurecimento da articulação institucional dos diversos entes públicos é o grande desafio para a continuidade e ampliação de ações exitosas como a operação Carbono Oculto.
No processo de integração institucional deve prevalecer o interesse maior da sociedade e a superação de eventuais condutas corporativas em todos os órgãos, respeitando-se as atribuições legais de cada instituição e as habilidades técnicas das equipes de profissionais, sob uma coordenação pactuada com base nesses atributos e no compromisso com os resultados do trabalho.
O povo brasileiro precisa desse entendimento institucional e do empenho para a construção de uma efetiva coordenação nacional e qualificada para o combate ao crime no mercado de combustíveis.
Essa coordenação pode ser alcançada por meio de núcleos integrados de enfrentamento, responsáveis por reunir dados, compartilhar inteligência e organizar procedimentos entre estados e a União.
A criminalidade organizada opera em rede, cabendo ao Estado, portanto, agir com a lógica igual ou melhor, somando forças em vez de dispersá-las.
Ao coordenar e qualificar o combate ao crime no mercado de combustíveis, o Brasil não apenas protege o consumidor, mas também preserva a arrecadação tributária, fortalece a competitividade e assegura um ambiente de negócios mais justo.
O combate ao crime no mercado de combustíveis demanda mais que ações repressivas pontuais, exige uma coordenação nacional permanente, especializada, com condições de ampliar e qualificar tecnicamente o trabalho.
A ANP, por exemplo, padece de adequação orçamentária, ampliação do quadro de pessoal, investimento em tecnologia e recursos de infraestrutura modernos, de modo a se capacitar para responder à altura da sofisticação das irregularidades do setor.
A integração entre órgãos públicos, aliada à participação do consumidor e à utilização de modernas tecnologias de rastreabilidade e cruzamento de dados, constitui o caminho mais eficaz para enfrentar práticas ilícitas que comprometem a economia e a confiança social.
A operação Carbono Oculto revelou a presença do crime organizado na produção de biocombustíveis, com algumas usinas certificadas e emitindo títulos de descarbonização no âmbito do RenovaBio.
São fatos novos que impõem a necessidade de revisão dessa política com a ampliação da fiscalização e do rigor da certificação, especialmente quanto à regularidade fundiária dos imóveis produtores de biomassa elegíveis, bem como dos aspectos patrimoniais das indústrias.
Mais do que um desafio de fiscalização, trata-se da busca por um compromisso institucional do Poder Público com o desenvolvimento regular do mercado de combustíveis, observando a legalidade, os interesses dos consumidores, o ambiente concorrencial e a sustentabilidade econômica da atividade.
A coordenação e a qualificação das políticas de enfrentamento representam não apenas uma resposta ao crime, mas uma oportunidade de fortalecer o Estado e a sociedade, estimulando a atividade econômica e o desenvolvimento equilibrado do país.
Francisco Neves é diretor executivo da Associação Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (ANDC). Engenheiro agrônomo e mestre em Bioenergia, foi superintendente de Abastecimento e de Fiscalização da ANP.
- Biocombustíveis
- Combustíveis e Bioenergia
- Judiciário
- Política energética
- Associação Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (ANDC)
- Aster
- Combustível adulterado
- Copape
- Devedor Contumaz
- Diesel
- Distribuição de combustível
- Etanol
- Francisco Neves
- Fraude
- Gasolina
- MPSP
- Polícia Federal
- Postos de Combustíveis
- Receita Federal
- Sonegação
- Tributação