Biocombustíveis

Brasil reforça na Índia disputa por mercado automotivo para etanol

Aliança Brasil-Índia para bioenergia e biocombustíveis tem objetivo de fomentar mercado de flex no país asiático

Com etanol, Brasil reforça laços com Índia na disputa pelo mercado automotivo
Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, conhece testa protótipo de bicicleta elétrica a hidrogênio desenvolvido em centro de pesquisa indiano (reprodução)

RIO — Com o desdobramento de acordos assinados em 2020 entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e sua contraparte na Índia, o governo tentar reforçar o intercâmbio entre as indústrias de etanol e de carros flex.

Os termos, divulgados nesta sexta (22/4), foram assinados no momento em que a Índia discute dobrar a mistura de etanol na gasolina para 20% (E20) e reduzir sua dependência externa de petróleo. Falta a frota.

Estão na comitiva representantes do mercado brasileiro de etanol, a exemplo da Unica, e automotivo, caso da Volkswagen e da Toyota, montadoras que apostam na demanda doméstica de carros flex e híbridos com etanol.

“Estamos totalmente alinhados com os nossos setores de bioenergia no Brasil e as nossas políticas públicas mostram isso claramente”, afirmou o ministro Bento Albuquerque, nesta sexta, último dia da viagem de uma semana ao país asiático.

Não se trata, portanto, de ampliar a pauta de exportações no curto prazo e embarcar cargas de etanol para a Índia. Pelo contrário, nesse ponto, o objetivo foi buscar mais mercado para o petróleo nacional. 

Na disputa pelas rotas de descarbonização do transporte, o setor brasileiro de bioenergia vê na Índia um promissor aliado do etanol, na disputa com os veículos elétricos, xodó das políticas de países ricos. E, assim, evitar o isolamento do Brasil das cadeias de produção globais.

“Temos que considerar como esse carro elétrico é abastecido de energia. Se for a carvão? Vai ficar com uma pegada muito grande e o nosso etanol tem uma pegada muito baixa de carbono”, questionou o ministro.

Aliança Brasil-Índia para bioenergia

Com a declaração conjunta, a cooperação entre os países entra em fase de implementação.

Foi a segunda viagem de Bento Albuquerque ao país, após integrar a comitiva presidencial de 2020. O governo indiano está programando uma visita ao Brasil em maio.

“Os dois lados reconheceram o imenso potencial de colaboração entre os dois países para aumentar a produção e utilização internacional de bioenergia e biocombustíveis sustentáveis, como uma importante vertical da transição global para um futuro de baixo carbono”, diz o documento assinado com o Ministro do Petróleo e Gás Natural da Índia, Hardeep Puri.

E, assim, fica criada a Aliança Brasil-Índia para a Bioenergia e os Biocombustíveis.

O objetivo é “criar essa sinergia entre o desenvolvimento que é feito no Brasil com o que é feito aqui na Índia, além de fortalecer os laços entre a indústria brasileira e a indiana, não só no setor sucroenergético, mas também na indústria automotiva”, resumiu o ministro.

“Então é isso que nós estamos trabalhando e daí a importância de o Brasil e a Índia fortalecerem essa parceria. Vai proporcionar excelentes resultados para ambos os países, gerando emprego, gerando renda, desenvolvimento de novas tecnologias”, defendeu.

Eixos de ação da cooperação Brasil-Índia para o etanol e flex

  • Utilização de misturas de veículos E20 nas frotas atuais da Índia (no Brasil é 27%, o E27).
  • E aspectos técnicos de misturas mais elevadas de utilização de etanol em veículos flex-fuel;
  • Colaboração para tecnologias flex-fuel em motores a quatro tempos e a dois tempos no Ciclo Otto;
  • Implementação do biodiesel — setor que sofre desde o ano passado com o revés na política brasileira;
  • Política e incentivos para o biogás e biometano, combustíveis que também estão associados à rota do etanol e de interesse do mercado nacional;
  • Produção eficiente de calor e eletricidade em fábricas de açúcar e etanol;
  • Combustíveis de aviação sustentáveis — políticas, matérias-primas e medidas de implementação. No Brasil, o MME fechou a proposta setorial para a aviação, que será enviada para a Câmara dos Deputados;
  • Etanol de segunda geração (E2G): política e tecnologias. No Brasil, além do aumento da oferta do biocombustível, o E2G pode se beneficiar no RenovaBio, com aumento da receita com emissão de CBIOs.
  • Cooperação em biologia sintética.

Veja a declaração conjunta, na íntegra.

“É para isso que estamos aqui”

O governo indiano antecipou a liberação da mistura de etanol para 20% em cinco anos, colocando a política em vigor em 2025 e agora tenta trazer para 2023.

“Eles tinham um plano de aumentar a mistura de etanol de 10% para 20% até 2030. Resolveram antecipar, justamente para reduzir a dependência externa de combustíveis fósseis”, disse o ministro.

Grande polo mundial de refino, a Índia é o terceiro maior importador de óleo, com compras da ordem de 4 milhões de barris por dia; e o segundo maior produtor de cana-de-açúcar, superado apenas pelo Brasil.

“Então é para isso que estamos aqui, em termos de colaboração [com a Índia]. Temos uma experiência de 50 anos no setor, não só no desenvolvimento da própria cana (…), mas também da tecnologia que foi desenvolvida para adaptar o setor automotivo a esse tipo de combustível”, disse.

IEA: rota para neutralidade em 2050 prevê fim dos carros a combustão

O setor de transporte responde por quase um terço das emissões globais de gases do efeito estufa.

E, para se ter uma ideia de quão difícil será a descarbonização, a venda de SUVs, sozinha, adicionou mais carbono nas emissões de 2021 que a aviação, navegação e o transporte de carga por caminhões combinados, segundo estimativas da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).

Decisões de consumo individuais, trágicas para o clima.

Quando a IEA modelou um plano para descarbonizar as economias até 2050, incluiu, entre outros, três grandes marcos para o transporte: elevar para 60% a participação dos elétricos na venda de novos carros em 2030; e para 50% da frota pesada até 2035, junto com o banimento dos motores a combustão interna nos veículos leves nesse mesmo ano.

O modelo incorpora o aumento das renováveis na geração de energia e, no fim, reconhece que sem mudança na frota, os derivados de petróleo continuaram sendo um obstáculo na descarbonização.

Isto é, não se trata da frota atual, movida a matrizes elétricas mais sujas que a brasileira, na Europa ou nos EUA, mas como movimentar a frota do futuro.

“Entendemos que a eletrificação é um caminho que está ocorrendo no mundo todo, mas a própria Agência Internacional de Energia, vamos dizer assim, incentiva muito a bioenergia; e a bioenergia passa pelos biocombustíveis”, disse o ministro.

O etanol brasileiro também busca espaço na eletrificação, como fonte para o hidrogênio das células a combustível e nos carros híbridos. Mas a agenda prioritária é o próprio biocombustível e o biometano, obtido a partir do biogás, que pode ser produzido na rota do etanol.

“A eletrificação vai ocorrer naturalmente, isso aí ao meu ver é irreversível, mas dentro das características de cada região (…) Mais de 70% da eletricidade gerada aqui na Índia é a carvão. Só pra vocês terem ideia, quase 20% da nossa matriz energética [brasileira] já tem como fonte a cana-de-açúcar”, completou Bento Albuquerque.