O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quinta (2) que o governo federal vai entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão para levar o Congresso Nacional a mudar o ICMS dos combustíveis.
A Advocacia-Geral da União (AGU) deve entrar com a ação nesta sexta (3) no Supremo Tribunal Federal (STF). O argumento é que é preciso regulamentar a cobrança de ICMS aprovada pelos parlamentares em 2001, que virou a emenda constitucional 33.
O que Bolsonaro quer é uma decisão favorável contra o Congresso Nacional, onde a sua própria base ignora o projeto de lei complementar (PLP 11) enviado este ano à Câmara dos Deputados.
O projeto está na pauta há meses e quase se chegou a um acordo, envolvendo as próprias lideranças do governo federal, para desconfigurar a proposta. O Ministério da Economia atuou para evitar.
Pode, contudo, ser colocado em votação no plenário a qualquer momento por Arthur Lira (PP/AL), presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro, que tem garantido votações expressivas para o governo federal.
O próprio governo recuou e pediu a retirada da urgência do PLP 11, em março.
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Qual o plano?
A iniciativa corre o risco de dar em nada. Mesmo com uma decisão que obrigue o Congresso Nacional a regulamentar a reforma do ICMS dos combustíveis prevista na emenda constitucional 33 de 2001, a PEC aprovada na época não obriga os estados a adotar a nova tributação.
O que ela faz é incluir no texto constitucional a alternativa para o ICMS dos combustíveis, que passariam a ter uma regra especial.
“O STF pode até declarar a inconstitucionalidade por omissão, que é o efeito possível dessa ação, mas ainda assim não haverá prazo para o Congresso Nacional”, afirma Tiago Severini, sócio do escritório Vieira Rezende e especialista em tributação.
Ele alerta que existe um histórico de casos de declaração de inconstitucionalidade por omissão, sem resultados práticos.
Tiago Severini participou recentemente do epbr entrevista, tratando justamente do ICMS dos combustíveis. Veja na íntegra:
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No Congresso Nacional, onde pode dar resultado, o sentimento é que mexer no ICMS, que afeta a arrecadação dos estados – bases eleitorais dos parlamentares –, é algo para ser feito na reforma tributária.
A primeira proposta enviada pelo Ministério da Economia, contudo, deixou de fora o ICMS na unificação dos impostos. Mas nela está a mesma lógica do projeto de lei complementar, aplicada à arrecadação federal sobre os combustíveis.
O governo e o Congresso Nacional deixaram a proposta de lado para fazer a reforma do imposto de renda, aprovada ontem na Câmara.
A ideia de recorrer ao STF vinha sendo ventilada há meses. Com a ação, Bolsonaro cria um fato novo para afirmar que não pode fazer mais nada em relação aos preços dos combustíveis, como chegou a falar recentemente sobre o gás de cozinha.
Há, contudo, várias iniciativas. Desde 2019, por exemplo, o Ministério de Minas e Energia produz estudos e propostas para mecanismos de suavização dos preços dos combustíveis. Este ano, o próprio ministro Bento Albuquerque defendeu a criação de um fundo com essa finalidade.
Os planos, que não dependem apenas do MME, não saíram do papel.
No caso do GLP, mostramos na epbr como um gasto bilionário do governo federal, mas sem efeito, poderia ter sido destinado para um programa social para compra de GLP-13, o gás de cozinha.
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Pontos da reforma do ICMS
- O imposto caberá ao estado de destino, onde os combustíveis são consumidos;
- O ICMS deixaria de variar quinzenalmente com base em preços médios e novas alíquotas precisam ser definidas com antecedência mínima de 90 dias (incluído no PLP 11);
- A cobrança deixa de ser feita a partir de um percentual do preço. No lugar, são definidas alíquotas uniformes e específicas, por quantidade de produto.
- A ideia original é criar alíquotas nacionais, iguais em todos os estados. Bolsonaro já cogitou abandonar esse ponto.
- Vale para combustíveis líquidos, mas também para o gás natural e lubrificantes, dois pontos que preocupam o mercado.
- O gás natural tem características próprias, que estão sendo discutidas nos estados; no caso dos lubrificantes, pode resultar em distorções, por ser um produto com grande variação de preço.
Quão ruim é o ICMS?
O governo federal não tem poder para reduzir a carga tributária nos estados, que manteriam o controle para definir o valor das alíquotas.
O que se busca, em uma iniciativa que Bolsonaro herdou de governos anteriores, é mudar a forma como o ICMS é cobrado, facilitando a vida de quem arrecada, com potenciais efeitos positivos para o consumidor na redução de assimetrias na formação de preços.
A unificação nacional do ICMS também colabora com a previsibilidade para o mercado de distribuição, onde até mesmo mesmo grupos menores, regionais, costumam atuar além das fronteiras de seus estados de origem.
O problema do ICMS, contudo, vai além da carga tributária. Os combustíveis são taxados nos estados a partir de uma pesquisa de preços feita pelos fiscos locais, que serve de base para aplicação da tributação.
São os Preços Médios Ponderados ao Consumidor Final (PMPF), que acabam funcionando como um referencial, inibindo reajustes para baixo, quando o combustível fica mais barato e estimulando a alta, para preservar margens.
Dá força ao que economistas chamam de efeito “foguete e pena”.
Especialistas, dentro e fora do governo, há tempos defendem o fim dos PMPF, e a solução preferida por parte do mercado é a cobrança monofásica (no primeiro elo da cadeia) e da alíquota fixa com base na quantidade de produto vendido.
É o que Bolsonaro, mais ou menos, defende dia sim, dia não. Em suas declarações, o presidente já fez diversas “sugestões”, algumas conflitantes, sobre o mercado de combustíveis.
Um exemplo: foi Bolsonaro quem enterrou no governo federal o plano de estabelecer a monofasia no etanol.
Convencido que a venda direta de etanol — mais recentemente de GLP também — é boa para o consumidor, o presidente achou um absurdo cobrar dos usineiros toda a carga tributária que deixaria de ser arrecadada na etapa de distribuição.
Para não criar um vácuo tributário, depois de dois anos apoiando a venda direta, Bolsonaro enviou para o Congresso Nacional a MP 1063, que faz justamente isso: cria dois regimes paralelos de tributação, um para venda direta (toda a carga no usineiro) e outro para a deixar como está, com a venda por meio das distribuidoras.
A Receita Federal tentou evitar essa saída, por ver aumento do risco de sonegação em um mercado que já é difícil de fiscalizar.
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Combustível é dólar
O preço do combustível no Brasil, contudo, sobe por dois motivos: a alta do dólar e das referências internacionais do petróleo, que são acompanhadas pela Petrobras, supridora majoritária de gasolina, diesel e outros.
Na importação, que concorre com a Petrobras, o efeito, portanto, é o mesmo.
A inflação, que disparou em boa parte também por conta do câmbio, acaba contaminando as contas do país, dando mais força aos reajustes.
O risco fiscal crescente e a instabilidade política colaboram para a perda de valor do real e aumento dos juros.
A moeda brasileira é uma das que mais desvalorizaram no mundo desde 2020, demonstrando que não dá para culpar apenas a pandemia. Tem um problema aqui.
Este ano, particularmente, o clima tem sido um fator preponderante, com as quebras de safra provocadas por estiagem e temperaturas extremas no inverno; e a crise energética, de um setor elétrico que não estava pronto para enfrentar mais uma temporada de escassez nos reservatórios das hidrelétricas.
“Grande parte dessa curva mais longa de inflação implícita está ligada a essa percepção fiscal, e por isso é tão importante passar essa mensagem de credibilidade fiscal para os agentes econômicos”, disse recentemente o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, segundo informações do Valor Econômico.
Foi um reconhecimento público do efeito da deterioração da política econômica, de seu colega Paulo Guedes no Ministério da Economia, sobre o custo do dinheiro no país.
Esse contexto criou uma situação esdrúxula de descolamento entre o valor das commodities e o dólar, especialmente na recuperação do mercado de óleo entre 2020 e 2021.
Um movimento comum é o aumento da percepção de risco afugentar investidores, que reduzem sua exposição à commodity e buscam mais segurança no dólar.
Com o balanço de oferta e demanda, há uma tendência, então, de o dólar cair, quando o óleo sobe — o que não foi visto no Brasil.
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