Biocombustíveis

ANP investiga origens do metanol usado na adulteração de combustíveis

A agência está mapeando mercado do solvente, importações e biodiesel em ações que começam a chegar na distribuição, explica Daniel Maia

ANP investiga origens do metanol usado na adulteração de combustíveis e está mapeando mercado do solvente, importações e biodiesel, explica Daniel Maia. Na imagem: CI do Senado realiza sabatina de Daniel Maia Vieira, indicado para a diretoria da ANP (Foto: Pedro França/Agência Senado)
CI do Senado realiza sabatina de Daniel Maia Vieira, indicado para a diretoria da ANP (Foto: Pedro França/Agência Senado)

BRASÍLIA — As ações de fiscalização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) resultaram em número recorde de autos de infração e interdições relacionadas ao teor de metanol encontrado na gasolina ou etanol hidratado.

Foram 280 ocorrências em 2023, de acordo com dados publicados pela agência até janeiro, alta de 76% em relação a 2022 (159) e maior quantidade de toda a série histórica, iniciada em 2018.

São casos majoritariamente em postos revendedores, em que uma mesma ação pode resultar em múltiplas autuações, por teores de metanol encontrados na gasolina e etanol, por exemplo.

Agora, a agência amplia a investigação para as origens do metanol nos primeiros elos da cadeia, na produção de biodiesel, importações e distribuição do solvente.

O metanol é um produto químico com características de combustível. Além do uso na cadeia do biocombustível, é um solvente industrial e matéria-prima da produção de formol.

Entre janeiro de 2021 a abril de 2023, contudo, o setor de biodiesel demandou quase 55% do metanol importado pelo país.

A substância é usada na adulteração dos combustíveis, em fraudes contra os consumidores que também representam risco à saúde e, em casos graves de contaminação, pode matar.

Metanol destinado a empresas-fantasma

Um levantamento realizado pelas áreas técnicas da agência no final do ano passado identificou usinas com compras de metanol em volumes incompatíveis com o esperado na produção do biocombustível.

Nessa leva, foram identificados casos fora da curva, em que as compras registradas de metanol chegam a superar em 1000% os volumes de produção de biodiesel.

“A gente verificou essa grande distorção. Isso de imediato fez com que a Superintendência de Produção de Combustíveis [SPC], responsável pela autorização dessas plantas de biodiesel, notificasse essas empresas para se explicar”, explica o diretor Daniel Maia.

“É uma irregularidade de cara? Não, não é. É um indício relevante de que alguma coisa parece estar desequilibrada”, completa.

Em 2023, o trabalho levou ao indeferimento de 67 pedidos de importação de metanol, o que evitou a entrada de cerca de 63 mil m³ do produto no país.

“Indeferido com base em quê? Destino que não existia, destino para empresa-fantasma, distribuidores que não estavam atendendo a esses requisitos. Já indeferimos na entrada [do produto] no país”, afirma Maia.

No final do ano passado, a ANP também disponibilizou o painel dinâmico de monitoramento de movimentação de metanol, com dados de produção de biodiesel e consumo de metanol.

Distribuidoras têm responsabilidade

Outra frente de ação tem sido o contato direto com as distribuidoras, responsáveis pela comercialização do metanol no mercado interno, para alertá-los sobre a responsabilidade em caso de uso inadequado do produto.

Em dezembro do ano passado, vinte empresas foram notificadas em razão da responsabilidade solidária dos fornecedores quando o solvente é utilizado irregularmente, conforme estabelece a resolução 24/2006 da ANP.

“Temos feito uma atuação junto com esses distribuidores, inclusive para tentar instá-los a criar uma espécie de compliance”, explica Maia. “O cliente tem condição de receber esse produto? Tem onde armazenar? Existe, de fato, esse cliente?”, completa.

“Se, eventualmente, a gente detectar que [a distribuidora] está vendendo para uma empresa que não existe, [ela] vai ser responsabilizada solidariamente”, reforça o diretor.

Além da ANP, agentes do mercado têm identificado casos crescentes de adulteração em anos recentes – e cobram uma reação das autoridades.

Segundo o Instituto Combustível Legal (ICL), que monitora os dados de fiscalização da ANP, as fraudes operacionais no mercado de combustíveis representam perdas de R$ 15 bilhões por ano.

Daniel Maia avalia que, a despeito das situações irregulares já identificadas, não há reformas regulatórias em vista.

Os instrumentos sancionatórios disponíveis, como a possibilidade de revogação ou suspensão cautelar de autorizações, além da própria aplicação de multas, são suficientes.

O alerta aos distribuidores de solventes já foi feito pela agência – em três casos, foi necessário realizar uma análise aprofundada sobre os clientes para os quais as empresas estavam fornecendo metanol. Destes, dois foram arquivados e um resultou em suspensão cautelar de autorização.

“No caso dos produtores de biodiesel, já foram abertos processos individuais pela SPC, solicitando informações e explicações para aquela proporção de metanol para biodiesel”, afirma o diretor.

Articulação interna e externa

Daniel Maia é responsável pela Superintendência de Distribuição e Logística (SDL), que fiscaliza a cadeia de movimentação e distribuição, incluindo as importações.

O raio-x do setor foi elaborado em conjunto com a SPC, que está com a diretora Symone Araújo; e a SFI (Fiscalização do Abastecimento), além da SBQ (Biocombustíveis e de Qualidade de Produtos), que também atuam nos casos. Ambas estão com Fernando Moura.

Na ANP, as áreas são atribuídas aos diretores em um esquema de rodízio.

Externamente, são firmadas parcerias com forças policiais, Ministério Público, Receita Federal e órgãos estaduais.

As parcerias interinstitucionais são necessárias em alguns casos, em especial, quando o destinatário do metanol importado não está no escopo de atuação regulatória da ANP.

É o caso da indústria química, por exemplo, que responde por cerca de 40% do produto importado.

“Nós não autorizamos um produtor de formol, por exemplo. Nós não podemos entrar nas instalações de um produtor de formol para fiscalizar as suas instalações, verificar se tem tanque, solicitar as notas fiscais de comercialização do formol”, explica Maia.

“E daí é um desafio a gente cooperar com as polícias, com conselhos regionais de química, por exemplo, que supervisionam, que fiscalizam essas instalações”, conclui.