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Diálogos da Transição
Editada por Gabriel Chiappini
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A série de debates dos Diálogos da Transição volta em julho.
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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última sexta (1/7), que o Acordo de Paris, que estabelece o compromisso de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius, tem status de emenda à Constituição, ao ser equiparado a um tratado de direitos humanos.
“O ministro relator Roberto Barroso, entendeu que o direito da segurança climática é um direito de status constitucional, portanto, merece a tutela, tanto do Supremo, quanto do estado brasileiro, e o Fundo Clima é uma ferramenta importante para garantir esse direito que tem status fundamental”, explica Pietro De Biase, advogado do escritório Vieira Rezende.
A decisão é inédita no mundo. Ela ocorreu no julgamento da ADPF 708, movida em 2020 por partidos políticos e com o apoio de entidades da sociedade civil, que questionava a medida do governo federal de travar o financiamento de projetos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o Fundo Clima, em 2019.
Por 10 votos a 1, o STF obrigou o governo federal a manter os recursos para o funcionamento do Fundo Clima — iniciativa criada em 2009 para minimizar os impactos do aquecimento global. Somente o ministro Nunes Marques votou contra.
“O ministro tira o seu fundamento do artigo 225 e por extensão do Acordo de Paris. Ele coloca o Acordo de Paris nesse lugar de tratado que versa sobre direitos humanos”, completa.
- Diz o art. 225 da CF: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
- No Acordo de Paris, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir em 37% as emissões de gases do efeito estufa até 2025 e em 50% até 2030 em comparação com os níveis de 2005.
ONG x BNDES
A mesma tese foi utilizada por uma ação de litigância climática movida pela ONG Conectas contra o braço de investimentos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o BNDESPar, há duas semanas, que exige mais transparência e a descarbonização do portfólio de investimentos do Banco.
Caso também é uma novidade
Segundo a ONG, a ação pede que, em um prazo de 90 dias, o BNDESPar apresente um plano capaz de reduzir até 2030 as emissões de carbono dos setores atualmente financiados pela empresa, de acordo com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
“O que queremos é que o portfólio de investimentos do banco se alinhe ao Acordo de Paris e que passe a contribuir com a redução das emissões segundo a Política Nacional de Mudanças Climáticas”, afirmou Júlia Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, em comunicado à imprensa.
Além disso, a ONG considera que a empresa também falha em informar as emissões de carbono vinculadas ao seu portfólio de investimento, uma vez que as informações dadas por meio da Lei de Acesso à Informação foram insuficientes.
Pelo menos 65% dos ativos da BNDESPar estão alocados em empresas intensivas em emissões de gases do efeito estufa (GEEs), que atuam nos setores de petróleo e gás, produção de carne, mineração e energia elétrica.
Os dados são do estudo realizado pelo Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima), da Coppe/UFRJ, presente na ação. Aponta que uma amostra analisada das dez empresas da carteira do banco representa entre 5% e 6% das emissões totais GEEs no Brasil.
Em tese defendida pelas autoras da ação da Conectas, “o BNDESpar estaria violando um direito fundamental garantido pela constituição, ao alocar os investimentos em empresas de carbono intensivo”, avalia Di Biase.
Para aprofundar
- Como uma decisão da Justiça no RS marcou a chegada definitiva da litigância climática no Brasil
- Litigância climática no Brasil, por Rebeca Stefanini e Isabela Ojima
- Acionistas ativistas e corte europeia impõem derrotas a petroleiras por estratégias climáticas
- Shell pode enfrentar novo litígio climático na Europa
Pressão sobre bancos públicos é muito maior, uma vez que os recursos são provenientes da população, analisa Di Biase. No caso do BNDES, em grande parte, os recursos vêm do Tesouro Nacional e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
“A União e a sociedade brasileira precisam ter a confiança que o banco que administra esses recursos, ou parte desses recursos que vem do contribuinte, aloque em investimentos que tenham uma perenidade financeira plena, e não em investimentos que, de uma certa forma, contribuem para desregulação climática”, explica o advogado.
Para Di Biase, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e outros bancos de fomento podem ser influenciados por essa ação.
“Valeria acompanhar como os vizinhos do BNDES, no sistema público de bancos, estão se comportando à luz dessa ação. Essa ação não foi contra eles, mas de certa forma, eles sabem que a litigância climática veio para ficar”, comentou.
Resposta do BNDES
A entidade encaminhou uma nota ao Conectas afirmando que “as ações solicitadas já fazem parte do planejamento estratégico do BNDES e de suas subsidiárias, BNDESPar e Finame, e estão publicadas no site da instituição”.
Diz ainda que “é possível acompanhar por meio do Painel NDC todas as contribuições desempenhadas pelo Banco para o alcance das metas brasileiras no Acordo de Paris”. Neste link
O BNDES também argumenta que “a legislação não permite que regras atuais alterem contratos assinados anteriormente ao início de sua vigência”, considerando que “93% da atual carteira de investimentos da BNDESpar foi adquirida até 2016”.
“O banco já declarou publicamente diversas vezes o seu plano de desinvestimento de empresas maduras, já tendo desinvestido totalmente da participações em empresas como Marfrig, Suzano e Vale, além de grandes percentuais de Petrobras e JBS, o que representa importante descarbonização da carteira”, diz a nota. Leia a resposta completa aqui.
Nesta terça (5/7), o presidente do Banco, Gustavo Montezano, afirmou que o BNDES trabalha para que em 2023 todos os empréstimos da instituição mostrem qual a “contabilidade de carbono” dos projetos financiados.
“Não sabemos ainda se ao longo do primeiro ou do segundo semestre, é que 100% dos financiamentos do BNDES tenham vinculadas a necessidade de que o cliente informe a contabilidade do carbono”, disse em audiência pública realizada pelas comissões de Finanças e Tributação e de Minas e Energia da da Câmara dos Deputados. Valor
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