Lindbergh Farias: demissões e conteúdo local

Lindbergh Farias: demissões e conteúdo local

O senador Lindbergh Farias (PT/RJ) usou as redes sociais na semana passada para divulgar seu projeto de lei que pretende disciplinar a aplicação da política de conteúdo local em projetos de petróleo e gás e, na prática, definir em lei exigências de nacionalização de investimentos. No começo da manhã deste sábado (10/5), o vídeo tinha 248 mil visualizações e 3,1 mil compartilhamentos, além de 8,1 mil interações e mais de 2,6 mil comentários. O senador fez uma série de afirmações sobre conteúdo local e desemprego na indústria naval fluminense, conferidas, uma a uma, pela E&P Brasil.

Este é mais um trabalho da série E&P Confere, nossa contribuição para o esforço jornalístico que vem sendo feito para combater a propagação de informações falsas e incluir mais contexto na cobertura de temas das indústrias de petróleo e energia. Conheça nossa metodologia de checagem de fatos em eixos.com.br/confere

“Temer entrou na Presidência da República, ele acabou com a política de conteúdo local.”

Exagerado

Entendemos que o governo Michel Temer não acabou com a política de conteúdo local para o setor petróleo e gás. Houve revisão nos índices que foram aplicados nas rodadas realizadas em 2017 – 14a rodada de concessão e 2o e 3o leilões do pré-sal – , que sofreram redução mas não foram extintos. Também está para ser regulamentada a revisão dos índices de conteúdo local para contratos da 7a rodada até a 13a rodada, além das áreas da cessão onerosa e do contrato de Libra, operação conhecida como regulamentação do waiver. Mas todos os contratos permanecerão com índices, ainda que menores, de conteúdo local. 

Aliás, toda a revisão da política de conteúdo local foi aprovada pelo Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural (Pedefor), criado pela ex-presidente Dilma Rousseff, em janeiro de 2016 para mudar conteúdo local e ajudar as petroleiras a atingir metas de aquisição de bens e serviços no mercado interno.

O tema estava em pauta dentro do governo Dilma Rousseff desde 2015. O próprio ministro de Minas e Energia de Dilma, Eduardo Braga, admitiu em em maio daquele ano que estava sendo estudada uma flexibilização das exigências de conteúdo nacional na fase de produção dos projetos de petróleo no Brasil. A presidente Dilma Rousseff, contudo, sempre negou a possibilidade de mudanças nas regras.

“Essa política [de conteúdo local] foi criada pelo Lula e dizia que navios, plataformas e sondas tinham que ser feitos no Brasil.”

Exagerado

Os contratos de concessão de blocos e campos exigem conteúdo local desde a 1ª rodada da ANP, em 1999, após o fim do monopólio da Petrobras. Até a 4ª rodada, em 2002, os concorrentes puderam ofertar livremente valores de bens e serviços a serem adquiridos de empresas nacionais. Eventos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB.

A partir da 5ª e 6ª rodadas, durante o primeiro mandato de Lula, os editais passaram a exigir percentuais mínimos e diferenciados para a aquisição nacional. Na 7ª rodada (2005), as regras passaram a contar também com medição de conteúdo de itens e subitens.

 

Mas de fato, durante o governo Lula, a indústria naval viveu seu período de maior atividade no ciclo recente de encomendas, em especial no 2º mandato (2007-2010), como mostram os próprios dados de emprego (mais detalhes abaixo). As encomendas da Petrobras foram fundamentais para esse ciclo de desenvolvimento, contudo, a crise da companhia (endividamento, os crimes praticados contra a companhia, investigados na Operação Lava Jato, cortes de investimento e da projeção de produção) impactaram a cadeia de fornecedores.

Também impactou fortemente os estaleiros a quebra da Sete Brasil, que ainda no governo Dilma Rousseff não conseguiu levantar recursos com o BNDES para tocar obras nos estaleiros nacionais, deixou um rastro de prejuízo e gerou grande desemprego. Três dos ex-diretores da empresa de sondas gestada dentro da direção da Petrobras no governo Lula são hoje delatores da Lava Jato: João Carlos Ferraz, Eduardo Musa e Pedro Barusco.

O pico de mão-de-obra nos estaleiros foi em 2014, ano em que o preço médio do Brent foi de US$ 105,44/barril, despencando para US$ 53,37/barril em 2015, US$ 42,34/barril em 2016 e US$ 51,93 em 2017.

“O Rio de Janeiro era o estado mais beneficiado [pela política de conteúdo local].”

Verdadeiro

Consideramos como verdadeiro, pelo contexto da fala de Lindbergh Faria, sobre empregos na indústria naval. Em toda a série histórica disponível no site do Sinaval, o Rio de Janeiro é o estado com mais empregos no setor, variando de 84% das vagas em 2004 até 38%, em 2015. A queda na participação ocorre pelo crescimento de outros estados, mas a curva de empregos em todo este período (2004-2015) é ascendente no somatório dos estaleiros fluminenses.

“Aqui [no Rio de Janeiro] nós tínhamos o estaleiro Mauá, que tinha 6 mil trabalhadores. Sabe quanto tem agora? Cem trabalhadores. Tínhamos o Brasfels, em Angra, com mais de dez mil trabalhadores, hoje tem mil.”

Verdadeiro

Classificamos a afirmação como verdadeira por entender que o contexto é o crescente desemprego na construção naval no estado do Rio de Janeiro, por mais que os números não sejam exatos.

Apuramos com dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos (Sindimetal) que o estaleiro Mauá tem, atualmente, em torno de 150 funcionários fixos – número reduzido, inclusive, após demissão recente, na semana de 26/02, de cerca de 70 pessoas, entre efetivos fixo e temporário. Quanto ao Brasfels, a informação é de que são em torno de 1.500 a 1.800 funcionários e, sim, foi alcançado um pico de mais de dez mil entre 2005 e 2008.

Além disso, consulta aos dados de empregos na Indústria Naval, do sindicato dos estaleiros, o Sinaval, confirma o cenário. Primeiro, não são divulgados dados nacionais desde o balanço de 2016, encerrado em junho, e nem do estado do Rio desde 2015, findo em janeiro. “A estatística do emprego nos estaleiros brasileiros registrou 43.745 pessoas empregadas, em junho de 2016. Uma redução de 7.331 vagas, desde janeiro de 2016”, informa o Sinaval. Em 2014, eram 78.136 trabalhadores.

Dados do Sinaval

A fala de Lindbergh também precisa ser lida com contexto: o Estaleiro Mauá está em crise desde o final do primeiro governo Lula por uma decisão da Petrobras de não convidar o estaleiro para obras de licitações de plataformas depois que foi envolvido em uma investigação da Polícia Federal batizada como Operação Águas Profundas, que investigou fraude em contratos de manutenção de sondas afretadas pela Petrobras. Uma audiência na Câmara Municipal de Niterói discutiu a possibilidade de demissão de mais de 1.000 trabalhadores no Estaleiro em novembro de 2009. 

Em 2011, o grupo Synergy fechou um acordo com a SBM para para desenvolver e operar um estaleiro e uma grua flutuante no Brasil. De lá para cá, o Estaleiro Brasa entregou três FPSOs: Cidade de Ilhabela, Cidade de Saquarema e Cidade de Maricá, todos operando hoje no pré-sal da Bacia de Santos. Em 2014, a Controladoria Geral da União (CGU) concluiu que ocorreram graves irregularidades no relacionamento entre as Petrobras e a holandesa SBM Offshore, que firmou acordo na Holanda para pagar U$S 240 milhões por supostos pagamentos de propina em vários países no mundo, incluindo o Brasil. Com isso, a SBM Offshore foi proibida de participar das licitações da Petrobras e tenta até hoje assinar acordo de leniência com o Ministério Público Federal

 

“Estaleiro Eisa, mais de 3.500 trabalhadores, hoje fechou.”

Não é bem assim

De fato, o Estaleiro Ilha (Eisa), na Ilha do Governador (RJ), suspendeu suas operações. Mas isso foi em junho de 2014, quarto ano do governo Dilma Rousseff. A empresa é do mesmo grupo do estaleiro Mauá, o Eisa Petro Um e as duas  encontram-se em recuperação judicial, mas é frágil a relação com conteúdo local ou decisões tomadas durante o governo de Michel Temer, frente a políticas do PT, durante a presidência de Lula.

O processo de recuperação judicial foi distribuído no Tribunal de Justiça do Rio em dezembro de 2015, no que viria a ser princípio do fim do governo de Dilma Rousseff – é o mesmo mês em que o ex-deputado federal, hoje preso, Eduardo Cunha abriu o processo na Câmara Federal que culminou no impeachment de Dilma, afastada em maio de 2016 e cassada em agosto do mesmo ano.

E quais são os motivos da recuperação judicial?

A própria representação da empresa à Justiça do Rio explica que o Eisa foi prejudicado pela inadimplência da petroleira estatal da Venezuela, PDVSA, que contratou o estaleiro carioca para construir dez navios (dois navios tanque 47.800 TPB e oito navios tanque TPB 70.000). Os contratos, diz a petição do Eisa, foram fechados em “dezembro de 2006, por conta do estreito relacionamento entre Brasil e Venezuela”.

Em suma, a inadimplência da PDVSA quebrou o fluxo de caixa do estaleiro, enquanto as obras para a venezuelana ocupavam parte da capacidade do Eisa; a situação prejudicou a execução de contratos de outros clientes, agravando o impacto nas receitas. O Plano de Recuperação Judicial detalha a série de eventos subsequentes.

O plano de recuperação
Outros documentos relevantes

O processo no TJ-RJ

“Eu sou autor de um projeto que volta a política de conteúdo local que é fundamental para gerar emprego no Rio de Janeiro”.

Não é bem assim

As mudanças recentes nas políticas de conteúdo local não tem relação com os índices de desemprego atuais na industria naval. Contratos que estão sendo executados ou que foram cancelados são para projetos de exploração e produção licitados há anos e que devem atender à exigências respectivas de seus contratos. As medidas tomadas até o momento, desde a entrada de Michel Temer na presidência – redução de índices de conteúdo local, fim das exigências como critério de concorrência no leilão – valem da 14ª rodada, de 2017, em diante. Há, porém, a chance da reforma na política ser antecipada com a aplicação retroativa das regras.

A fala de Lindbergh à população fluminense também precisa ser lida com contexto: o estado está bem posicionado na prestação de bens e serviços, incluindo capacidade instalada da indústria naval, mas concorre com outros polos que também receberam investimentos nos últimos anos, como Pernambuco e Rio Grande do Sul.

É verdade que o senador Lindbergh Farias (PT/RJ) apresentou projeto de lei no Senado que pretende disciplinar o conteúdo local obrigatório nos leilões de petróleo no Brasil, em qualquer tipo de regime, seja concessão, partilha da produção ou a cessão onerosa. O projeto, contudo, está parado aguardando indicação de relator na Comissão de Serviços de Infraestutura desde novembro do ano passado.

Mais detalhes do projeto em PL de Lindbergh Farias disciplina conteúdo local.

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