Meio ambiente

Foz do Amazonas: estudos propostos por área ambiental estão parados após três governos

Poço da Petrobras na Foz do Amazonas mobiliza áreas do governo a favor e contra exploração de óleo na região

Foz do Amazonas: estudos propostos por área ambiental estão parados há três governos
Mapa da Margem Equatorial: blocos em águas profundas estão distribuídos em bacias entre o Amapá e o Rio Grande do Norte (fonte: Petrobras)

O tipo de estudo ambiental proposto por ambientalistas – e com apoio público da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede) – a ser executado antes de uma decisão sobre a perfuração na bacia da Foz do Amazonas está parado há três governos.

Até o momento, foram contratadas Avaliações Ambientais de Área Sedimentar (AAAS) para as bacias marítimas de Sergipe e Jacuípe; e para o Solimões, no Amazonas, em terra.

Consultorias ambientais entregaram as informações aos órgãos da União, mas os atos necessários para concluir as AAAS caíram nos “revogaços” de 2019, no governo Jair Bolsonaro (PL).

Legalmente, esses estudos não são obrigatórios para emissão de licenças ambientais pelo Ibama, seja na Foz do Amazonas ou quaisquer outra região madura ou de nova fronteira.

Os resultados possíveis de uma AAAS são a indicação se uma área é apta, não apta ou demanda uma moratória para desenvolvimento de soluções para a exploração segura de petróleo e gás.

Nunca se chegou a uma conclusão do tipo e a Margem Equatorial não foi uma prioridade para contratação das AAAS, criadas em 2012, no governo de Dilma Rousseff (PT).

A oposição ao projeto na Foz do Amazonas por ambientalistas e o apoio de políticos e setores econômicos – dentro e fora do governo – leva técnicos de diferentes órgãos a reconhecerem reservadamente que a decisão caberá ao Planalto. E será, em última análise, política.

O que é a Foz do Amazonas? 

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A bacia batizada em homenagem ao rio se estende da fronteira marítima do Amapá com a Guiana Francesa até o Pará.

O bloco FZA-M-59, onde a Petrobras pretende iniciar a campanha exploratória, em águas profundas, está há mais de 400 km da foz do Rio Amazonas, propriamente dita. O poço está projetado a 160 km do litoral Norte do Pará.

Há outros blocos na região e foram feitas perfurações na bacia no passado. As áreas em questão, contudo, são uma nova fronteira.

A Petrobras assumiu a operação dos blocos em 2021 e tenta obter a licença desde então. Ambientalistas questionam a segurança ambiental, o risco de um vazamento atingir a costa, inclusive em países vizinhos.

E também a abertura de uma fronteira que, se bem-sucedida, significará um aumento da produção de uma fonte fóssil, o petróleo, além do que está projetado para o Brasil nas próximas décadas.

Em 2013, os geólogos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) estimavam, com base em estudos preliminares existentes (.pdf), que toda a área em oferta poderia ter 14 bilhões de barris de petróleo in situ.

AAAS: morosidade e desinteresse

“Tecnicamente [a AAAS] é o instrumento correto, mas o governo, na prática, não implementa”, afirma Suely Araújo. “Quem disse que o bloco 59 não está em uma área ambientalmente inviável? Alguém estudou isso? Não é depois de perfurar ou durante a perfuração que isso deve ocorrer”, completa.

Especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo presidiu o Ibama de 2016 até pedir exoneração em janeiro de 2019.

“Quando eu estava na presidência do Ibama, em 2018, eu neguei licença para cinco blocos da TotalEnergies”, relembra. “Na época, eles não conseguiram comprovar que tinham condições de gerenciar acidentes na perfuração e o óleo naquela região, se houver acidente, a mancha vai toda para as Guianas e outros países do Caribe. As perspectivas em caso de acidente são muito complicadas”.

Em 2021, TotalEnergies deixou de vez o projeto; em seguida foi a vez da BP, restando a Petrobras como operadora dos blocos.

Aliás, a TotalEnergies opera ou é sócia em blocos na Guiana e no Suriname, onde anunciou “descobertas significantes” de óleo em 2022. Os dois países estão desenvolvendo a indústria de óleo e poços foram perfurados também na Guiana Francesa, que faz fronteira marítima com Brasil.

Em 12 de abril, 80 organizações da sociedade civil se uniram para pedir que o Ibama não autorize a Petrobras a iniciar a perfuração na bacia da Foz do Amazonas, enquanto não for realizada uma AAAS.

A demanda foi enviada a cinco ministérios (MME, MMA, MRE, MPI e Pesca e Aquicultura), além de ANP, Ibama e Funai.

Decreto de 2019 impediu conclusão de estudos

A última etapa de uma AAAS é a tomada de decisão por parte de uma comissão interministerial formada pelo MME e MMA, que nunca chegou a funcionar. Ela foi extinta por um decreto em 2019, antes da conclusão dos dois únicos estudos contratados, e até hoje não foi reconstituída.

Cabe ao MME definir as áreas prioritárias para contratação desses estudos. Procurada pela epbr, a pasta não informou se planeja realizar a AAAS na Foz do Amazonas.

Desde a criação, em 2012, as AAAS foram iniciadas duas vezes: na área sedimentar de Sergipe-Alagoas e Jacuípe (ANP) e na bacia terrestre do Solimões (EPE).

Os estudos foram publicados em 2020, coordenados pela ANP e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), respectivamente. Entre a contratação e a elaboração do relatório conclusivo, levaram-se de três a cinco anos.

Petrobras: é possível fechar lacunas ambientais

A Petrobras, por sua vez, argumenta que os impactos socioambientais mais abrangentes podem ocorrer não na perfuração, mas na fase de produção e escoamento.

Em março e, portanto, sob nova administração, a companhia sugeriu ao Ibama que o estudo fosse feito após a perfuração do poço pioneiro, objeto do pedido de licenciamento.

“Cabe ressaltar que a etapa de perfuração é temporária, de curta duração e tem o objetivo de avaliar a existência de uma possível reserva petrolífera, que não envolve a instalação de infraestrutura, a logística e o suporte das operações de desenvolvimento e escoamento observadas na fase de produção”.

E afirma também que estudos complementares às próximas fases de desenvolvimento da fronteira seriam capazes de produzir dados mais robustos e novos, o que não ocorreu na AAAS do offshore de Sergipe.

“(…) Tanto o Ibama como a Petrobras possuem experiência na utilização de instrumentos aplicáveis para empreendimentos de maior complexidade ou com maior grau de incerteza, os quais podem suprir lacunas relevantes decorrentes da ausência de AAAS”, diz a empresa ao órgão.

Judicialização

Em 2017, após ações judiciais durante o governo de Michel Temer (MDB), os ministérios atualizaram as regras para estabelecer que os estudos não são pré-requisitos para leilões de áreas de exploração.

A Petrobras busca amparo, inclusive, na decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal (STF), em suas argumentações junto ao Ibama.

“A viabilidade ambiental de certo empreendimento é atestada não pela apresentação de estudos ambientais e da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), mas pelo procedimento de licenciamento ambiental”, decidiu o STF.

Na ocasião, a corte julgou improcedente um pedido do PDT para suspender a 17ª rodada da ANP, enquanto não fossem realizadas as AAAS das bacias em oferta.

No ano seguinte, uma portaria reforçou o entendimento: áreas que ainda não passaram pela AAAS podem ser licitadas, desde que subsidiadas por uma manifestação conjunta do Ministério de Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente – rito de praxe, nesses casos.

Tentativa de contornar o embate

Essas propostas são também uma forma de a Petrobras abrir o diálogo com o órgão sobre as AAAS, segundo fontes da companhia ouvidas pela epbr entre março e abril.

Com a volta do PT ao poder e o retorno de Marina Silva ao comando da política ambiental, a Petrobras tentou evitar um embate público com o Ibama – como ocorreu no governo Bolsonaro.

A comparação com as crises envolvendo Marina nos primeiros governos Lula (PT) mostrou-se inevitável. “Eu estou olhando para esse desafio do petróleo na Foz do Amazonas do mesmo jeito que olhei para Belo Monte”, disse a ministra em uma extensa entrevista concedida à Sumaúma, agência especializada em meio ambiente.

Ali, ela revelou ser contra a emissão da licença de perfuração para a Petrobras, no FZA-M-59.

A posição foi acompanhada pelo novo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho: “obviamente que a Avaliação Ambiental Estratégica é uma possibilidade real e está em análise neste exato momento”, afirmou. A AAAS é um tipo de avaliação estratégica.

No fim de março, Agostinho indicou um prazo de 60 dias para responder aos pedidos da Petrobras no licenciamento da campanha de perfuração do bloco.

EIA tem alcance limitado, diz Luis Sánchez

Via de regra, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é o pré-requisito para a obtenção do licenciamento. “[Mas] o estudo de impacto ambiental tem algumas limitações”, defende o professor titular da Escola Politécnica da USP, Luis Sánchez – integrante e ex-presidente da Associação Internacional de Avaliação de Impactos.

“Dificilmente ele é capaz de avaliar os impactos cumulativos de diversos projetos ou empreendimentos que afetam o meio ambiente. Se a gente estuda o impacto de um único projeto, a gente não consegue calcular o impacto de um conjunto de projetos”, completa.

A AAAS tem o objetivo subsidiar com informações técnicas o processo de outorga de blocos exploratórios de petróleo e gás natural em bacias marítimas e terrestres.

“As primeiras [AAAS] demoraram a serem iniciadas, e desde que iniciaram, não ficaram prontas ainda, vários anos depois. Isso sugere um desinteresse do governo em implementar essa ferramenta”, avalia Luis Sánchez, para quem as AAAS são essenciais principalmente em áreas pouco estudadas, como é o caso da Foz do Amazonas.

“Porque permitiriam ajudar a tomar decisões lá na frente sobre o licenciamento ambiental. Indicariam áreas não aptas para atividade de perfuração, então nesses lugares [considerados não aptos] nem caberia uma empresa solicitar uma licença ambiental, ou até mesmo a ANP ofertar”, afirma o professor.

Sucesso no leilão, sem um poço perfurado

A criação das AAAS completou onze anos na semana passada. Foram criadas, em 2012, no segundo ano do governo de Dilma Rousseff pelos ministérios de Minas e Energia (MME) e do Meio Ambiente (MMA).

Um ano depois, foram licitados na 11ª rodada os blocos da Margem Equatorial e outros na Margem Leste e em terra.

A rodada marcou a volta bem-sucedida de leilões de áreas offshore, com 64% da área contratada, investimentos estimados em R$ 5,9 bilhões e arrecadação de R$ 2,5 bilhões para a União, em valores da época.

Desde então, nenhum poço foi perfurado na Margem Equatorial, que compreende as bacias da região Norte e parte do Nordeste, do Amapá até o Rio Grande do Norte.

Foz do Amazonas é “passaporte para o futuro”

A Petrobras mobilizou pessoal e equipamentos para a base de operações em Belém, no Pará, incluindo um navio de perfuração contratado com a operadora brasileira Ocyan. Os custos são da ordem de centenas de milhares de dólares por dia.

A decisão de antecipar esses gastos foi tomada ano passado, mesmo sem a emissão da licença.

Além disso, há equipes e infraestrutura de resposta a incidentes instaladas na região, para realização de uma simulação. A Petrobras chegou a estimar que a emissão da licença ocorreria até o fim de 2022.

“Desde o final de janeiro de 2023, a Petrobras encontra-se com uma sonda de perfuração parada em águas profundas costa do estado do Amapá, ao custo superior a US$ 500 mil por dia, aguardando a emissão da devida licença”, apontou o Ministério de Minas de Minas e Energia (MME), ao lançar o Potencialize E&P.

O ministro Alexandre Silveira (PSD) retomou, aliás, o carimbo que Lula deu ao pré-sal em seus primeiros governos, o “passaporte para o futuro”:

“Temos uma janela de oportunidade, não podemos perder o novo pré-sal que pode estar na margem equatorial e que será o passaporte para o futuro das regiões Norte e Nordeste do Brasil”. Silveira não está isolado e há apoio na Esplanada – e no Congresso Nacional – ao desenvolvimento da fronteira no Amapá e Pará.

“Não tem sentido a Guiana e o Suriname estarem atraindo investimentos e riqueza, com quase uma centena de poços perfurados, já tendo sido descoberto mais de 13 bilhões barris de petróleo, enquanto estamos parados na indefinição trazida pela inércia do último governo”, completou o ministro.

Perfuração na Foz do Amazonas é segura, diz presidente da Petrobras
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, durante participação na Cera Week (Foto: Petrobras)

Prates: ‘petróleo e gás continuarão sendo essenciais”

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, tem defendido que é preciso abrir novas fronteiras para produção de petróleo e gás natural, bem como a segurança da campanha na Foz do Amazonas.

“Assumi a presidência da Petrobras com o compromisso de impulsionar essa transição [energética] (…) No entanto, é preciso destacar que as atividades de petróleo e gás continuarão sendo essenciais pelos próximos anos para viabilizar essa transição tanto do ponto de vista financeiro, quanto para garantir a segurança energética do Brasil”, disse.

A mensagem está em vídeo enviado para jornalistas em 29 de março, quando o assunto ganhou força na imprensa e, em alguns casos, relacionando o projeto com a bacia hidrográfica de água doce do Amazonas.

“É preciso deixar claro que a localização do primeiro poço que pretendemos perfurar não é no Rio Amazonas, mas em alto mar, a quinhentos quilômetros da foz desse rio”.

A Petrobras herdada pelo PT é operadora dos mega campos de petróleo que foram descobertos nos primeiros governo Lula, a exemplo de Búzios, no pré-sal de Santos, e tem US$ 64 bilhões no orçamento para aumentar a produção e instalar mais de duas dezenas de plataformas de alta capacidade até o fim da década.

Fechou 2022 com 10 bilhões de barris de reservas provadas de petróleo e gás natural – ou uma relação entre as reservas e a produção (R/P) de 12,5 anos.

Para a perfuração na Margem Equatorial, que inclui outras regiões além do Amapá, a Petrobras reservou US$ 3 bilhões no plano 2023-2027.

“Depois da Bacia de Campos e do pré-sal, estamos diante da mais nova fronteira no país”, disse Prates. “Se for comprovada a sua viabilidade, será um salto em direção ao futuro, uma verdadeira alavanca de novos investimentos e de oportunidades”.

Prates já havia dito que o país precisa “decidir se isso [exploração na Foz do Amazonas] vai adiante ou não”.