CUIABÁ — O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) tenta demonstrar ao gabinete de transição para o governo Lula que uma guinada em políticas para o mercado de óleo e gás pode comprometer a atração de investimentos e a viabilidade de projetos no Brasil.
Em uma carta entregue esta semana ao coordenador da equipe de transição, vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), o think tank defende reformas tributárias, desde que não sejam criados impostos extraordinários sobre a exportação ou sobre os lucros das produtoras de petróleo.
“Enquanto a reforma tributária pode ser usada para aprimorar a tributação do setor, a criação de impostos extraordinários sobre a exportação ou sobre os lucros teria efeitos indesejados, ao prejudicar investimentos, produção e arrecadação”, diz o documento.
O documento é assinado por Décio Oddone, membro do conselho consultivo; e José Pio Borges, presidente do conselho curador do Cebri.
Entre 2017 e 2019, Oddone foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), indicado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) – governo que ficou marcado por reformas, especialmente nas políticas de exploração e produção.
É o atual presidente da Enauta, produtora independente de petróleo, listada na B3.
José Pio Borges foi presidente do BNDES no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando sucedeu o economista André Lara Resende, que atualmente integra a equipe de transição do governo.
Windfall tax, impostos e investimentos
A taxação de exportação de óleo era um dos temas do PL 1472/21, relatado pelo senador Jean Paul Prates (PT/RN), um dos coordenadores do grupo de política energética no gabinete de transição. A medida acabou deixada de lado na negociação para aprovação do texto.
Prates é cotado para assumir o comando da Petrobras e defende uma agenda setorial em linha com ideias que circulam no PT para elevar o processamento doméstico de óleo e buscar a autossuficiência de derivados.
A taxação de lucros também foi discutida no Congresso Nacional, na onda da elevação da carga tributária sobre o setor em diferentes países, especialmente na Europa.
Diante da disparada dos preços do petróleo, após a invasão da Ucrânia – e na esteira dos estímulos econômicos da covid-19 –, governos e ambientalistas miram os lucros extraordinários para financiar políticas públicas.
Para os executivos, é necessário um alerta: em uma indústria de investimentos com décadas de duração, o Brasil deve aproveitar a “última janela de oportunidade para produzir hidrocarbonetos proporcionada pela necessidade de compatibilizar a oferta de energia com a segurança no abastecimento e com a redução das emissões de gases efeito estufa”.
E “utilizar os recursos oriundos da produção de petróleo e gás para reduzir a pobreza e ajudar a financiar a transição energética”.
Petrobras e preços dos combustíveis
Entre os nomes indicados para o grupo de transição que discutirá as políticas para o setor estão Deyvid Bacelar (FUP) e William Nozaki (Ineep), críticos vocais ao preço de paridade internacional (PPI) e à venda de refinarias da Petrobras.
Oddone e Pio Borges reconhecem, na carta, a necessidade de garantir o abastecimento. Defendem, contudo, que o caminho é manter a “coerência” com preços de mercado, sem administrar os preços, via Petrobras.
“Tendo em vista a segurança energética, é necessário atrair investimentos que reduzam a dependência externa de derivados”, diz a carta.
“O importante é que mantenham uma relação coerente com as cotações externas e que não fiquem muito defasados. Em um ambiente com vários atores, a interferência nos preços, a ponto de inviabilizar a importação, pode resultar em desabastecimento”, dizem.
A paridade internacional, iniciada no governo Temer, é uma das principais críticas do PT à gestão da Petrobras no governo Bolsonaro. O próprio presidente eleito Lula chegou a afirmar que Bolsonaro (PL) “não teve coragem” de acabar com a política – por mais que tenha interferido na companhia, especialmente neste ano eleitoral.
“Preços desalinhados dos internacionais prejudicam a indústria de biocombustíveis e desencorajam investimentos”, afirmam os executivos do Cebri.
Propõem ao novo governo que não volte a um passado em que o desenvolvimento do setor de petróleo e gás passou pelos planos de negócios da Petrobras, que atuava de forma integrada em toda a cadeia, incluindo investimentos em geração de energia.
“O processo de desinvestimento de ativos não essenciais da Petrobras permite que outras empresas passem a investir em projetos que não sejam prioritários para a estatal, acelerando a execução de investimentos”, afirma a carta.
“Por essa razão, seria saudável não recomprar ativos já vendidos a investidores privados e não interromper, mas adequar ao novo momento, o processo de desinvestimentos da Petrobras”.
Reforma do ICMS dos combustíveis
Ainda na área tributária, Décio Oddone e José Pio defendem a cobrança de alíquotas de ICMS ad rem sobre combustíveis e a monofasia: “independentemente do valor unitário a ser cobrado por litro, a oportunidade de implementar definitivamente um ICMS ad rem e a monofasia tributária deve ser aproveitada”.
O tema vem sendo discutido no Supremo Tribunal Federal (STF) pela comissão de conciliação instituída pelo ministro Gilmar Mendes.
A próxima reunião será realizada em 21 de novembro, mas o próprio governo Bolsonaro reconhece que a continuidade das negociações com os estados dependerá do gabinete coordenado por Alckmin.
As equipes, contudo, se concentram na aprovação da PEC da Transição, e por enquanto tem tratado o assunto como secundário.
Conteúdo local
As políticas de incentivo à contratação local que serão adotadas pelo novo governo também despertam preocupação. O documento do Cebri defende que elas sejam conduzidas “com cautela, privilegiando a adoção de regras simples e flexíveis”.
Magda Chambriard antecedeu Décio Oddone na diretoria-geral da ANP, no governo de Dilma Rousseff.
Integrante do grupo de transição do governo, Magda é defensora das políticas de conteúdo local e crítica da gestão da Petrobras focada na exploração e produção do pré-sal.
Neste último ponto, os signatários da carta do Cebri defendem o estímulo à exploração de óleo e gás em outras regiões do país, preferencialmente em áreas onde não pairam dúvidas sobre o licenciamento ambiental.
A reforma do conteúdo local foi feita no governo Temer. Regras que exigiam percentuais mínimos em um catálogo detalhado de bens e serviços foram simplificadas e foi aberta uma janela para aditamento dos contratos pelas operadoras de blocos e campos.
Setor elétrico
Oddone e Borges ainda criticam o modelo atual de leilões do setor elétrico e defendem que seja levado em consideração “o potencial existente no Nordeste para produção de energia eólica e solar e a possível disponibilidade de gás no litoral do Sudeste e de Sergipe, a mais longo prazo”.
O modelo criticado foi idealizado por Maurício Tolmasquim, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) que vai coordenar o grupo de transição. Depois de encabeçar a reforma do setor elétrico em 2004, está de volta e deverá atuar nas discussões sobre a modernização do setor.
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